Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003967-34.2018.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES
Órgão Julgador
3ª Turma
Data do Julgamento
25/03/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/03/2019
Ementa
E M E N T A
ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – DEMORA NA ANÁLISE DO PEDIDO – DUPLO GRAU
ADMINISTRATIVO – JUROS DE MORA INDEVIDOS – RECURSO ADESIVO – HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – PARTE BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA –
POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO.
I – Reclama a apelante da demora do INSS na concessão de benefício. Diz ter protocolado
pedido em 08.02.2001, o qual foi indeferido. Apresentou recurso administrativo em 18.04.2002,
que foi provido em 25.10.2005. Entende que sobre os valores pagos retroativamente deveria
incidir juros moratórios a título de danos materiais.
II – O CC (art. 394) diz que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebe-lo no tempo, lugar e forma que alei ou a convenção estabelecer. A
doutrina esclarece que o simples retardamento no cumprimento de obrigação não tipifica a mora
do devedor.
III – O benefício foi concedido após regular processo administrativo, sobre o qual não paira
nenhuma acusação de ilegalidade ou de irregularidade. Não se aplica, assim, o estatuído no
artigo 174 do Decreto nº 3.048/99.
IV – A legislação específica disciplina que “O pagamento de parcelas relativas a benefícios
efetuado com atraso, independentemente de ocorrência de mora e de quem lhe deu causa, deve
ser corrigido monetariamente desde o momento em que restou devido, pelo mesmo índice
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
utilizado para os reajustamentos dos benefícios do RGPS, apurado no período compreendido
entre o mês que deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento.” (artigo 175 do Decreto nº
3.048/99).
V – Eventual mora, se existente, só pode ser considerada após a citação no processo judicial,
consoante artigo 240 do CPC/15 (219 do anterior) e súmula nº 204 do STJ).
VI – A gratuidade processual não impede a condenação do beneficiário nas verbas de
sucumbência. Apenas a sua exigibilidade fica suspensa, devendo o credor, nos 5 anos
subsequentes, comprovar que deixou de subsistir a situação de insuficiência de recursos.
VII – Honorários advocatícios fixados em 8% sobre o valor atualizado da causa.
VIII – Apelação improvida e recurso adesivo provido em parte.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003967-34.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES
APELANTE: MARINALVA GONCALVES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: PORFIRIO JOSE DE MIRANDA NETO - SP87680-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO (198) Nº 5003967-34.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES
APELANTE: MARINALVA GONCALVES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: PORFIRIO JOSE DE MIRANDA NETO - SP87680-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta por Marinalva Gonçalves dos Santos contra sentença que julgou
improcedente o seu pedido de indenização ajuizado contra o INSS. Por ser beneficiária da
assistência judiciária gratuita, deixou de condená-la nas verbas sucumbenciais. Atribuído à causa
o valor de R$ 392.231,16 (trezentos e noventa e dois mil, duzentos e trinta e um reais e dezesseis
centavos) em 17 de agosto de 2002.
Alega, em síntese (id 4281264, fls. 43 e seguintes), que o pedido de indenização por danos
morais encontra-se prejudicado em face de acórdão desta E. Corte que reconheceu a prescrição
em razão do transcurso do lapso quinquenal referente aos danos relatados, permitindo o
prosseguimento do feito unicamente em relação ao pedido de danos materiais.
No que tange aos danos materiais, afirma que o juízo julgou “o pedido de condenação da
Autarquia Previdenciária ao pagamento de juros moratórios sobre os valores atrasados pagos na
via administrativa, totalmente improcedente, sob a alegação de que não há previsão legal para
referido pagamento, ante o disposto no art. 175 do Regulamento da Previdência, uma vez que o
apelado, norteado pelo princípio da legalidade estrita, não poderia proceder de modo contrário às
prescrições legais” (sic). Todavia, pondera que os juros são devidos por força do estatuído no
Código Civil (arts. 394, 395 e 407) e que a legislação veda o enriquecimento ilícito, o que torna
devido o pagamento de juros moratórios, por parte da autarquia apelada, desde “o momento em
que deveria ter cumprido a sua obrigação e não cumpriu, ou seja, desde o dia que o Segurado
protocolou seu pedido de aposentação”.
Afirma que “é muito fácil, e vantajoso, ao INSS, indeferir benefícios, prolatando-os a concessão
durante longos anos, usando desse patrimônio que é de direito do Segurado, causando inúmeras
penúrias ao Suplicante, e depois, pagar-lhe apenas a correção” (sic).
Defende a inaplicabilidade do artigo 219 do CPC no caso, haja vista que para as causas
previdenciárias não é necessário o exaurimento das vias administrativas. Assim, entende que não
havendo previsão legal para a incidência dos juros no âmbito administrativo, usa-se a regra geral
do Código Civil (arts. 394, 395 e 407).
Pleiteia o prequestionamento expresso dos dispositivos legais acima invocados, bem como do
artigo 5º, X, da Carta Magna, para fins de interposição de recursos especial e extraordinário.
Recurso adesivo do INSS (id 4281264, fl. 52 e seguintes) requerendo a condenação da parte
vencida nas verbas de sucumbência.
Contrarrazões do INSS pelo não provimento do recurso de apelação.
Contrarrazões de recurso adesivo pelo improvimento do recurso.
Processados os recursos, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5003967-34.2018.4.03.6105
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES
APELANTE: MARINALVA GONCALVES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: PORFIRIO JOSE DE MIRANDA NETO - SP87680-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES:
Cuida-se de apelação em face de sentença de improcedência de pedidos de danos matérias
ajuizado contra o INSS.
Analisando a petição inicial extrai-se que a autora ajuizou ação contra o INSS objetivando
indenização por danos morais e materiais fundamentada “no descaso do INSS, com a apreciação
administrativa da aposentadoria por tempo de contribuição do “de cujus”, E/NB 42/116.318.296-3,
e demora na sua concessão”. Segundo diz, em 08.02.2001 protocolou pedido no INSS de
aposentadoria por tempo de contribuição, pedido este que foi indeferido por não reconhecimento
de tempo de trabalho como segurado especial. Diante desta situação apresentou recurso à 13ª
Junta de Recursos da Previdência Social em 18.04.2002, o qual foi provido em 25.10.2005. O
INSS recorreu deste decisum, contudo, não obteve sucesso em sua empreitada, sendo o
benefício concedido em 28.08.2008.
Conquanto tenha recebido os valores atrasados, afirma que o INSS efetuou o pagamento “sem
acrescer ao mesmo juros de mora”, pagando unicamente a atualização monetária. Entende,
assim, ter direito aos juros moratórios, salientando que “a diferença entre o valor devido e o valor
pago” configura dano material.
Nesse primeiro momento há de se apontar que não se pode falar em descaso da autarquia na
análise do pedido da apelante, haja vista que o pedido apresentado foi, num primeiro momento,
indeferido em ato legítimo e regular da administração, e, posteriormente, revertido em sede de
recurso administrativo. Não há, neste sentido, ato ilícito, nos moldes previstos nos artigos 186 e
187 do Código Civil, ensejadores do dever de indenizar.
Mas a quaestio reside em determinar se a apelante faz jus aos juros moratórios incidentes entre a
data do protocolo do pedido e a data da concessão definitiva do benefício previdenciário.
O conceito de mora é extraído da legislação civil, na qual o artigo 394 do CC diz considerar-se em
mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo,
lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.
Em outras palavras, e na precisa lição doutrinária, “A mora constitui o retardamento ou mal
cumprimento ‘culposo’ no cumprimento da obrigação” – Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, Vol.
II, 9ª Edição, Ed. Atlas, pág. 301). Conclui o autor dizendo que “o simples retardamento no
cumprimento da obrigação não tipifica a mora do devedor. Há que existir culpa”.
Apesar de vozes doutrinárias sustentarem a prescindibilidade da culpa para a caracterização da
mora, é pacífico o entendimento de que só haverá mora se a obrigação for exigível.
No caso, tenho como não ser possível afirmar que o benefício era devido desde a data do
protocolo porque dependia do reconhecimento de tempo de serviço especial e de sua conversão
em tempo comum, o que só foi possível assegurar em sede recursal.
Inaplicável, assim, o estatuído no artigo 174 do Decreto nº 3.048/99, que estabelece que “O
primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da
apresentação, pelo segurado, da documentação necessária à sua concessão”. Isso porque o
parágrafo único do dispositivo em comento é categórico ao pontuar que “O prazo fixado no caput
fica prejudicado nos casos de justificação administrativa ou outras providências a cargo do
segurado, que demandem a sua dilatação, iniciando-se essa contagem a partir da data da
conclusão das mesmas.”
Consequentemente, não há que se falar em mora do INSS.
De outro lado, como bem constou da defesa da autarquia, a legislação especial é clara ao
estabelecer que sobre o pagamento das parcelas em atraso incide tão somente correção
monetária. Neste sentido:
Decreto nº 3.048/99. “Art. 175. O pagamento de parcelas relativas a benefícios efetuado com
atraso, independentemente de ocorrência de mora e de quem lhe deu causa, deve ser corrigido
monetariamente desde o momento em que restou devido, pelo mesmo índice utilizado para os
reajustamentos dos benefícios do RGPS, apurado no período compreendido entre o mês que
deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento.”
Lei nº 10.741/2003. “Art. 31. O pagamento de parcelas relativas a benefícios, efetuado com
atraso por responsabilidade da Previdência Social, será atualizado pelo mesmo índice utilizado
para os reajustamentos dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, verificado no
período compreendido entre o mês que deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento.”
A mora, se existente, deve ser considerada a partir da citação do INSS em juízo, como
reconheceu o juízo a quo, aplicando-se na espécie o disposto no artigo 240 do CPC atual (art.
219 do anterior) e a súmula nº 204 do STJ:
“Súm. 204. Os juros de mora nas ações relativas a benefícios previdenciários incidem a partir da
citação válida”
Mantida a sentença no tocante ao apelo da autora, analiso agora o recurso adesivo do INSS, no
qual a autarquia pleiteia a condenação da parte vencida nas verbas da sucumbência.
A sentença foi proferida em outubro de 2017, quando já vigente o atual Código de Processo Civil.
Na Seção referente à gratuidade da justiça, o CPC em vigor deixa claro no § 2º do artigo 98 que
“A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas
processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.” Portanto, o
beneficiário da assistência judiciária gratuita, se sucumbente, deve ser condenado nas verbas
próprias, as quais ficam com a sua exigibilidade suspensa e somente poderão ser executadas se
nos 5 anos subsequentes ao trânsito em julgado o credor demonstrar que deixou de existir a
situação de insuficiência de recursos (§ 3º).
Ainda que se pondere que a ação foi ajuizada e a gratuidade concedida sob a égide do CPC
anterior, a Lei nº 1.060/50, que regia a benesse, também continha previsão semelhante, dispondo
em seu artigo 12 que “a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada
a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família; se dentro de
cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a
obrigação ficará prescrita”.
Portanto, o beneficiário da assistência judiciária pode e deve ser condenado às custas, às
despesas processuais e aos honorários advocatícios, quando sucumbente, como no caso.
Sendo assim, considerando o valor atribuído à causa, nos termos do artigo 85, caput e §§ 2º e 3º,
II, do CPC, condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 8% sobre o
valor atualizado da causa, suspendendo a sua exigibilidade nos termos do artigo 98, § 3º.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da autora e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao
recurso adesivo.
É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – DEMORA NA ANÁLISE DO PEDIDO – DUPLO GRAU
ADMINISTRATIVO – JUROS DE MORA INDEVIDOS – RECURSO ADESIVO – HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS – PARTE BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA –
POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO.
I – Reclama a apelante da demora do INSS na concessão de benefício. Diz ter protocolado
pedido em 08.02.2001, o qual foi indeferido. Apresentou recurso administrativo em 18.04.2002,
que foi provido em 25.10.2005. Entende que sobre os valores pagos retroativamente deveria
incidir juros moratórios a título de danos materiais.
II – O CC (art. 394) diz que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebe-lo no tempo, lugar e forma que alei ou a convenção estabelecer. A
doutrina esclarece que o simples retardamento no cumprimento de obrigação não tipifica a mora
do devedor.
III – O benefício foi concedido após regular processo administrativo, sobre o qual não paira
nenhuma acusação de ilegalidade ou de irregularidade. Não se aplica, assim, o estatuído no
artigo 174 do Decreto nº 3.048/99.
IV – A legislação específica disciplina que “O pagamento de parcelas relativas a benefícios
efetuado com atraso, independentemente de ocorrência de mora e de quem lhe deu causa, deve
ser corrigido monetariamente desde o momento em que restou devido, pelo mesmo índice
utilizado para os reajustamentos dos benefícios do RGPS, apurado no período compreendido
entre o mês que deveria ter sido pago e o mês do efetivo pagamento.” (artigo 175 do Decreto nº
3.048/99).
V – Eventual mora, se existente, só pode ser considerada após a citação no processo judicial,
consoante artigo 240 do CPC/15 (219 do anterior) e súmula nº 204 do STJ).
VI – A gratuidade processual não impede a condenação do beneficiário nas verbas de
sucumbência. Apenas a sua exigibilidade fica suspensa, devendo o credor, nos 5 anos
subsequentes, comprovar que deixou de subsistir a situação de insuficiência de recursos.
VII – Honorários advocatícios fixados em 8% sobre o valor atualizado da causa.
VIII – Apelação improvida e recurso adesivo provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade,
negou provimento à apelação da autora e deu parcial provimento ao recurso adesivo, nos termos
do voto da Relatora, sendo que o Des. Fed. MAIRAN MAIA acompanhou pela conclusão no
tocante aos honorários advocatícios., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
