Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000505-50.2019.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
01/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/09/2020
Ementa
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PROVENTOS
PAGOS A MAIOR MEDIANTE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. REFORMA DA
DECISÃO PROVISÓRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES: NECESSIDADE. RECURSO
PROVIDO
1. Apelação interposta pelo Banco Central do Brasil contra sentença que julgou parcialmente
procedente a ação, para o fim de declarar a inexigibilidade do débito relativo à reposição ao erário
dos valores recebidos pelo autor em decorrência da liminar concedida no mandado de segurança
nº 98.0030481-9 e condenou o réu ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, à
base de 10% sobre o valor da causa atualizado.
2. A Administração pode e deve anular e revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidade
e vícios, em razão do exercício da autotutela e em consonância com a Súmula 473 do STF.
3. Até a edição da Lei nº 9.784/99 o poder-dever da Administração de rever os próprios atos
quando eivados de ilegalidade, podia ser exercido a qualquer tempo, nos termos do art. 114 da
Lei nº 8.112/90. Intelecção das Súmulas 346 e 473 do STF. Com a edição da Lei nº 9.784/99, o
poder-dever de a Administração rever os atos praticados passou a ter prazo de cinco anos.
4. Impossibilidade de restituição de valores indevidamente percebidos em virtude de interpretação
errônea da lei, de erro operacional, ou de cálculo, por parte da Administração, quando existente a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
boa-fé do servidor.
5. Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração.
6. No caso concreto, a determinação para que a autora mantivesse a jornada semanal de 30
horas sem redução de vencimentos, é resultante de provimento jurisdicional de caráter provisório,
não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da apelação.
7. Devida a restituição da verba em razão de decisão judicial provisória revertida: tratando-se a
medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que recebe verbas dos
cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e provisoriedade da tutela
concedida.
8. O art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao imputar como
pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua característica inerente
é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte quando do seu cassar.
9. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento.
10. Inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição da diferença
entre os proventos integrais e os proventos proporcionais à jornada de trabalho reduzida, vez que
decorrente de provimento jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do
julgamento do recurso de apelação.
11. Inaplicabilidade dos temas 531 e 692 do STJ, por não se tratar da hipótese de devolução ao
Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público quando pagos indevidamente em
função de interpretação equivocada de lei ou de por erro operacional da Administração Pública.
12. De igual forma, não se trata da hipótese de sobrestamento do processo por conta da a
proposta de revisão de entendimento do Tema 692/STJ, que trata da devolução de valores
recebidos por beneficiário do RPGS em virtude de decisão judicial precária posteriormente
revogada, ao passo que o caso em tela cuida de servidor público federal submetido ao regime da
Lei n. 8.112/90.
13. Sentença reformada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000505-50.2019.4.03.6100
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL
APELADO: JOSE MORETZSOHN DE CASTRO
Advogados do(a) APELADO: JULIANA LAZZARINI - SP201810-A, SERGIO LAZZARINI -
SP18614-A, LUCIANO LAZZARINI - SP336669-A, RENATO LAZZARINI - SP151439-A,
EDUARDO COLLET E SILVA PEIXOTO - SP139285-A, PATRICIA DAHER LAZZARINI -
SP153651-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000505-50.2019.4.03.6100
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL
APELADO: JOSE MORETZSOHN DE CASTRO
Advogados do(a) APELADO: JULIANA LAZZARINI - SP201810-A, SERGIO LAZZARINI -
SP18614-A, LUCIANO LAZZARINI - SP336669-A, RENATO LAZZARINI - SP151439-A,
EDUARDO COLLET E SILVA PEIXOTO - SP139285-A, PATRICIA DAHER LAZZARINI -
SP153651-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Trata-se de Apelação interposta pelo Banco Central do Brasil contra sentença que julgou
parcialmente procedente a ação, para o fim de declarar a inexigibilidade do débito relativo à
reposição ao erário dos valores recebidos pelo autor em decorrência da liminar concedida no
mandado de segurança nº 98.0030481-9 e condenou o réu ao pagamento das custas e dos
honorários advocatícios, à base de 10% sobre o valor da causa atualizado.
Em suas razões recursais, o BACEN pede a reforma da sentença, para que o pedido seja julgado
improcedente, pelos seguintes argumentos:
a) o Banco Central, ente da administração pública federal, submete-se ao princípio da
indisponibilidade. Assim, tendo pago ao servidor valor determinado por decisão judicial precária,
posteriormente revogada, tem o dever de buscar o seu ressarcimento, em atenção aos princípios
da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, sob pena de responsabilidade;
b) a sentença contraria frontalmente a coisa julgada exarada nos autos do writ n.º 0021060-
67.2005.4.03.6100 (ação com as mesmas partes) que reconhecendo tal exigibilidade;
c) inaplicabilidade do tema 531 ao presente caso, pois não houve “erro na interpretação de lei
pela administração pública” tampouco “erro operacional”, mas sim obediência à “decisão judicial
provisória”;
d) a restituição dos valores recebidos indevidamente por servidores públicos encontra previsão no
art. 46, caput e §3º da Lei n. 8.112/90;
e) a proposta de revisão do Tema 692/STJ, que trata da devolução de valores recebidos por
beneficiário do RPGS em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, não
atingirá ocaso em tela, que trata da situação do servidor público federal submetido ao regime da
Lei n. 8.112/90, a qual determina expressamente, por força do art. 46, § 3º, a devolução dos
valores recebidos por decisão precária posteriormente revogada;
f) a jurisprudência do STJ e do TRF3 é no sentido de que os servidores públicos federais que
receberem valores decorrentes de decisão judicial precária deverão restitui-los ao erário no caso
de posterior revogação, não sendo correta a decisão quando afasta previsão legal expressa com
a mera invocação do princípio da boa-fé objetiva sem declarar violação ao texto constitucional.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte Regional.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000505-50.2019.4.03.6100
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL
APELADO: JOSE MORETZSOHN DE CASTRO
Advogados do(a) APELADO: JULIANA LAZZARINI - SP201810-A, SERGIO LAZZARINI -
SP18614-A, LUCIANO LAZZARINI - SP336669-A, RENATO LAZZARINI - SP151439-A,
EDUARDO COLLET E SILVA PEIXOTO - SP139285-A, PATRICIA DAHER LAZZARINI -
SP153651-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Da admissibilidade da apelação
Tempestivo o recurso, dele conheço.
Da revisão dos atos administrativos
A Administração pode e deve anular e revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidade e
vícios, em razão do exercício da autotutela e em consonância com a Súmula 473 do STF.
Até a edição da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal, o poder-dever da Administração de rever os próprios atos quando eivados de
ilegalidade, podia ser exercido a qualquer tempo, nos termos do art. 114 da Lei nº 8.112/90, em
sintonia com a posição jurisprudencial do STF, expressa nas Súmulas 346 e 473, descritas a
seguir:
Súmula 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência
ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial.
Com a edição da Lei nº 9.784/99, o poder-dever de a Administração rever os atos praticados
passou a ter prazo decadencial, qual seja, cinco anos, in verbis:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e
pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos
favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados,
salvo comprovada má-fé.
§1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção
do primeiro pagamento.
§2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que
importe impugnação à validade do ato.
A regulamentação legal objetiva proporcionar segurança às relações jurídicas que acabaram por
sedimentar-se em virtude do fator tempo. Salvo casos de má-fé, afirmando-se na confiança
legítima que deriva da segurança jurídica, se o ato, a despeito do vício, produziu efeitos
favoráveis ao beneficiário durante todo o quinquênio, sem que tenha havido iniciativa da
Administração para anulá-lo, deve ser alvo de convalidação, impedindo-se, então, seja exercida a
autotutela.
Da reposição ao erário de valores recebidos indevidamente
O Superior Tribunal de Justiça fixou sedimentou entendimento, em sede de recurso repetitivo,
sobre a impossibilidade de devolução de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração, quando existente a boa-fé do servidor:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N.
8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE
LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO
SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC.
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos
de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em
função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos,
mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando
em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos
são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do
servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo
543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1244182/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/10/2012, DJe 19/10/2012)
Com efeito, tal silogismo restou adotado pela própria Fazenda, consoante se dessume do teor da
Súmula nº 34 da Advocacia Geral da União - que tem efeito vinculante para os procuradores
federais, ex vi do disposto no art. 28, II, da Lei Complementar nº 73/1993 -, bem como da Súmula
nº 249 do Tribunal de Contas da União:
Súmula 34/AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor
público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da
Administração Pública.
Súmula 249/TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-
fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação
de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de
orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter
alimentar das parcelas salariais.
Aliás, tais mandamentos de otimização têm aplicação no processo administrativo por expressão
disposição legal - i.e., artigo 2º, parágrafo único, XIII, da Lei nº 9.784/99 -, que veda aplicação
retroativa de novel interpretação.
Ressalte-se que, o mesmo silogismo se aplica para os casos de erro operacional ou de cálculo:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. RECEBIMENTO DE
VALORES INDEVIDOS. ADICIONAL DE TEMPO DE SERVIÇO. ERRO OPERACIONAL.
DEVOLUÇÃO. BOA-FÉ. DESCABIMENTO.
1. Incabível a devolução de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público se o pagamento
resultou de erro da administração.
Essa solução é aplicável mesmo se o equívoco for consequência de erro de cálculo ou falha
operacional. Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1704810/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018,
DJe 26/06/2018)
Deveras, a invalidação administrativa sofre liames em virtude dos princípios gerais do direito, seja
o princípio constitucional da segurança jurídica, seja a cláusula geral de boa-fé que irradia efeitos
em todos os segmentos do ordenamento pátrio.
Por conseguinte, nos atos administrativos ampliativos de direitos, consoante os caracteres fáticos,
deve haver um sopesamento dos princípios administrativos para averiguar se a aplicação de
efeito ex nunc à invalidação não se coaduna mais corretamente com os objetivos suprapositivos,
o que entendo ser aqui o caso. Nesse sentido é o magistério do Professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
"Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente nos autos unilaterais
restritivos de direitos da esfera jurídica dos administrados serem inválidos, todas as razões
concorrem para que sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem fora
indevidamente agravado pelo Poder Público das consequências onerosas. Pelo contrário, nos
atos unilaterais ampliativos da esfera jurídica do administrado, se este não concorreu para o vício
do ato, estando de boa-fé, sua fulminação só deve produzir efeitos ex nunc, ou seja, depois de
pronunciada".
(Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, 31ª ed., p. 488)
Isso porque a presunção de legitimidade dos atos administrativos não opera apenas efeitos
favoráveis à Administração - especialmente no âmbito probatório e da autoexecutoriedade -, mas
também estabelece limites à sua atuação, sendo vedada imputação retroativa que prejudique
administrado de boa-fé, em ofensa à proteção da confiança legítima (aspecto subjetivo da
segurança jurídica). Nesse viés, escólio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"princípio da proteção à confiança leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que
os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e
respeitados pela própria Administração e por terceiros".
(Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 27. ed., p. 88).
Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei ou de erro operacional por parte da Administração.
Do Mandado de Segurança n. 98.0030481-9 (Apelação/Reexame Necessário n.
2001.03.99.036973-2 – numeração CNJ 0030481-28.1998.4.03.6100)
O autor, juntamente com mais onze Procuradores do Banco Central impetraram em 22.07.1998 o
Mandado de Segurança nº 98.0030481-9 em face do Banco Central do Brasil, com pedido de
reconhecimento ao direito de gozo de férias anuais de 60 (sessenta) dias, acrescidos do abono
de 1/3 (um terço) sobre a totalidade dos vencimentos mensais, nos moldes do previsto pela
legislação antes da edição das Medidas Provisórias nº 1.522, 1.573, 1.594 e 1.595, e reedições,
convertida esta última na Lei n.º 9.527, de 1997.
O pedido de liminar foi indeferido em 01.09.1998 em primeiro grau de jurisdição e posteriormente
concedido em 25.09.1998 por força de agravo de instrumento interposto pelos impetrantes
(agravo de instrumento n. 98.03.079899-5), tendo o TRF, permitindo aos impetrantes o gozo das
férias de 60 dias.
Assim, o autor usufruiu o período de 60 (sessenta) dias de férias, concernente ao período
aquisitivo de 1998, sendo o segundo período de 30 (trinta) dias gozado entre os dias 05.07.1999
e 03.08.1999, tendo a autarquia efetuado o pagamento relativos aos vencimentos integrais do
autor, acrescidos do adicional de 1/3 (um terço) de férias.
Em 12.01.2001, foi proferida sentença nos autos do Mandado de Segurança n. 98.0030481-9,
julgando parcialmente procedente o pedido, concedendo a segurança “tão somente, para o fim de
assegurar, aos impetrantes, o direito à fruição de férias anuais de sessenta dias, em relação aos
períodos aquisitivos completados antes de 14.11.97, data da publicação da Medida Provisória n.
1.595-14, convertida na Lei nº 9.527/97”.
Recorreram os impetrantes pugnando pela reforma da sentença e concessão integral da ordem
pleiteada. Aduzem ter os mesmos direitos que os membros da Advocacia Geral da União, da
Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal, bem como não ter sido revogada a
Lei nº 2.642/55, que instituiu o direito ao gozo de 60 dias de férias anuais.
O Banco Central do Brasil também recorreu da sentença sustentando a denegação da ordem
concedida sob o fundamento da revogação do direito dos impetrantes ao gozo de 60 dias de
férias anuais com a edição da Lei nº 9.527/97. Afirma que somente o primeiro período aquisitivo
de férias exige o cumprimento de 12 meses, ficando o subsequente adquirido no primeiro dia do
ano seguinte e assim sucessivamente. Aduziu que os efeitos da revogação do direito aos 60 dias
de férias anuais teve início em 01/01/1977 para os servidores que já possuíam mais de 12 meses
de efetivo exercício. Bem como, teria sido postergada a revogação para o mês seguinte ao
cumprimento do primeiro período de 12 meses de exercício para os servidores que ingressaram
em 1996.
Em 17.08.2011, o TRF da 3ª Região deu provimento à apelação do Banco Central do Brasil e à
remessa oficial e negou provimento ao recurso dos impetrantes, consignando que
“Particularmente no que toca à obrigação de devolver os valores equivalentes às férias fruídas
após a entrada em vigor da Medida Provisória 1.522/96, cumpre observar que a jurisprudência
pátria é firme no sentido de que não cabe a reposição de valores recebidos do boa fé pelo
servidor público...(sic)":
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCURADOR AUTARQUICO. FÉRIAS DE 60
DIAS. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.522/96. REDUÇÃO PARA TRINTA DIAS. VALIDADE.
1. A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já pacificou-se no sentido de que nos termos
do art. 4º da Medida Provisória nº 1.522/96, posteriormente convertida na Lei nº 9.527/97, os
procuradores autárquicos federais passaram a fazer jus a 30 dias de férias anuais, a partir do
período aquisitivo de 1997.
2. Forçoso reconhecer que os impetrantes só têm direito a sessenta dias de férias quanto ao
período aquisitivo de 1996. A partir do ano de 1997, já passou a vigorar o direito a 30 dias de
férias, em face da referida medida provisória, porquanto se tratava de novo período aquisitivo,
sujeito às novas regras, que já não dependia do exercício da função por 12 meses, mas do
simples início do ano calendário no exercício dela.
3. Particularmente no que toca à obrigação de devolver os valores equivalentes às férias fruídas
após a entrada em vigor da Medida Provisória 1.522/96, cumpre observar que a jurisprudência
pátria é firme no sentido de que não cabe a reposição de valores recebidos do boa fé pelo
servidor público.
4. Apelação do Banco Central do Brasil e remessa oficial providas.
5. Apelação dos autores improvida.”
Opostos embargos de declaração pelo Banco Central do Brasil apontando o vício de obscuridade
no julgado ao ter consignado disposição acerca de pedido não formulado nos autos no que diz
respeito aos eventuais ressarcimentos ao erário no caso dos servidores que receberam valores
equivalentes às férias fruídas em desacordo com a nova norma, foram rejeitados na sessão de
julgamento de 22.3.2012.
O BACEN interpôs Recurso Especial contra o acórdão dos embargos, autuado sob o n.º
1.531.190-SP.
Em 19.05.2015, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a existência de omissão na decisão do
Tribunal Regional quanto a alegação de julgamento extra petita, dando parcial provimento ao
recurso especial, para anular o acórdão proferido e determinou a nova apreciação dos embargos
de declaração para sanar a omissão apontada pelo Banco Central do Brasil acerca do julgamento
extra petita
Com o retorno dos autos ao TRF, foi realizado novo julgamento dos Embargos de Declaração em
26.01.2016, os quais foram acolhidos para sanar obscuridade, sendo excluído do voto e acórdão
trechos que dispuseram sobre pedido inexistente nos autos, que extrapolaram o alcance da
ordem concedida, concernente à reposição de valores eventualmente recebidos pelos servidores
a título de fruição dos 60 dias de férias em desacordo com a nova norma, consoante se extrai do
voto do Relator:
Com razão o embargante no pedido de exclusão da disposição no acórdão acerca da
impossibilidade do erário exigir a reposição dos valores eventualmente recebidos pelos servidores
a título de fruição dos 60 dias de férias em desacordo com a nova norma.
De fato, não houve pedido envolvendo efeitos financeiros do gozo de férias.
Incorreu o acórdão no vício da obscuridade ao dispor sobre pedido inexistente nos autos
extrapolando o alcance da ordem concedida.
Deve ser excluído do voto proferido os seguintes trechos:
"Particularmente no que toca à obrigação de devolver os valores equivalentes às férias fruídas
após a entrada em vigor da Medida Provisória 1.522/96, cumpre observar que a jurisprudência
pátria é firme no sentido de que não cabe a reposição de valores recebidos do boa fé pelo
servidor público, do que é exemplo o seguinte acórdão:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESCONTO DE VALORES
RECEBIDOS DO BOA-FÉ POR SERVIDOR PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DE LIMINAR
OBTIDA EM AÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. O requisito estabelecido pela jurisprudência, para a não devolução de valores recebidos
indevidamente pelo servidor, não corresponde ao erro da Administração, mas, sim, ao
recebimento de boa fé.
2. Mesmo que o servidor tenha recebido determinado valor, de maneira indevida, por força de
decisão judicial, se acreditou que o recebimento era legítimo - e ressalta-se que a boa fé é
presumível, enquanto o dolo há de ser comprovado - não cabe falar em dever de restituição.
...
4. Recurso Ordinário provido.
(STJ - Sexta Turma - RMS 18.121/RS - Relator Ministro Paulo Medina)"
Bem como, deve ser excluído o item 3 do acórdão:
"3. Particularmente no que toca à obrigação de devolver os valores equivalentes às férias fruídas
após a entrada em vigor da Medida Provisória 1.522/96, cumpre observar que a jurisprudência
pátria é firme no sentido de que não cabe a reposição de valores recebidos do boa fé pelo
servidor público."
Com tais considerações, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO aos embargos de declaração para
sanar a obscuridade apontada, determinando a exclusão dos trechos destacados do voto e do
acórdão de fls. 570/572.
A decisão proferida no MS que assegurou aos impetrantes o direito à fruição de férias anuais de
60 dias, em relação aos períodos aquisitivos completados antes da publicação da Medida
Provisória nº 1.595-14, em 14/11/1997, convertida na Lei nº 9.527/97, tornou definitiva em
23.06.2016, ocasião em que também restou decidido que a segurança não abarcava eventuais
ressarcimentos ao erário no caso dos servidores que receberam valores equivalentes às férias
fruídas em desacordo com a nova norma.
Assim, o Banco Central instaurou o Processo Administrativo PE nº 126.246, de reposição ao
erário de valores recebidos indevidamente pelo servidor, em razão de ação judicial, pagos no
período da vigência da liminar e sentença, posteriormente reformadas no julgamento do recurso
de apelação do BACEN.
Do Mandado de Segurança n. 2005.61.00.021060-1 (0021060-67.2005.4.03.6100/SP)
Prolatada a sentença nos autos do MS 98.0030481-9, reconhecendo o direito à fruição de férias
anuais de sessenta dias, em relação aos períodos aquisitivos completados antes de 14.11.97, o
Banco Central entendeu inexistir qualquer outra ordem judicial no sentido de se manter o
pagamento da vantagem obtida quando da apreciação da liminar no agravo de instrumento, e que
a apelação interposta no mandado de segurança era insuscetível de manter o quadro instaurado
com a execução provisória do julgado, em sentido amplo.
Dessa forma, o Banco Central tentou exigir do autor no âmbito administrativo, por meio da Carta
ADSPA/COPES05/079 de 25.04.2005, a reposição dos valores referentes ao período de
descanso usufruído indevidamente, ou a devolução dos valores pagos a título de ressarcimento,
no mesmo período, com base no artigo 46, § 3º, da Lei n. 8.112/90.
Assim, o autor e demais colegas impetraram o segundo Mandado de Segurança n.
2005.61.00.021060-1 em 20.09.2005, visando impedir os descontos em seus vencimentos
relativos a devolução de pagamento da vantagem obtida judicialmente (períodos de férias
gozadas em descanso).
Em 22.9.2005 foi deferida a liminar para suspender o desconto em folha das parcelas de
reposição, até a decisão final no mandado de segurança n. 98.0030481-9.
Em 31.08.2009 foi proferida sentença nos autos do MS 2005.61.00.021060-1, julgando
procedente o pedido, confirmando a liminar concedida, por entender que a determinação de
devolução de valores antes do trânsito em julgado da decisão que fixar o direito a ser exercido
configura ato coator
Os autos subiram ao Tribunal por força do reexame necessário.
Em 27.05.2013, o TRF julgou o Reexame Necessário Cível n. 0021060-67.2005.4.03.6100
relativo ao segundo mandado de segurança, dando parcial provimento à remessa oficial, ao
ponderar que “é devido o ressarcimento dos valores, já que usufruíram das férias por força de
liminar, posteriormente cassada”, devendo ser instaurado o “prévio procedimento administrativo
para que seja efetuado desconto na folha de servidor público”.
Os impetrantes interpuseram agravo legal contra referida decisão, tendo o TRF negado
provimento na sessão de julgamento de 23.06.2016, em acórdão assim ementado:
AGRAVO LEGAL. ART. 557. FÉRIAS DE 60 DIAS RECEBIDAS POR FORÇA DE LIMINAR
REVOGADA POSTERIORMENTE. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. DESCONTO EM FOLHA.
DEVIDO PROCESSO LEGAL. NECESSIDADE.
A decisão agravada reconheceu a exigibilidade de valores, recebidos a título do usufruto de férias
concedidas por força de liminar, posteriormente cassada, ressalvando-se a necessidade de
Procedimento Administrativo próprio que assegure a observância do devido processo legal. A
questão restou devidamente apreciada na decisão agravada, em consonância com a
jurisprudência dominante acerca da matéria. Assim, não há razão para reformar a decisão
agravada.
O agravo legal, em especial, visa submeter ao órgão colegiado a legalidade da decisão
monocrática proferida, afora isso, não se prestando à rediscussão de matéria já decidida.
Agravo legal a que se nega provimento.
Os embargos de declaração opostos pelos impetrantes foram rejeitados em 10.09.2013, tendo a
decisão transitado em julgado em 05.11.2013.
Da presente reposição ao erário de valores recebidos indevidamente pelo servidor
Conforme mencionado acima, no segundo Mandado de Segurança n. 2005.61.00.021060-1 foi
concedida ordem para que o BACEN não efetuasse os descontos nos vencimentos relativos a
devolução de pagamento da vantagem obtida judicialmente antes do trânsito em julgado da
decisão do primeiro mandado de segurança, acerca do direito ao gozo de 60 (sessenta) dias de
férias por ano, restando consignado a possibilidade de o ressarcimento dos valores, já que
usufruíram das férias por força de liminar, posteriormente cassada, após o devido procedimento
administrativo.
Já no primeiro Mandado de Segurança 98.0030481-9, foi concedida a ordem apenas para
assegurar o direito à fruição de férias anuais de 60 dias, em relação aos períodos aquisitivos
completados até 14.11.1997, restando consignado que decisão judicial não abarcava eventuais
ressarcimentos ao erário de valores referentes às férias usufruídas em desacordo com a nova
norma.
Assim, o Banco Central instaurou o Processo Administrativo de reposição ao erário de valores
recebidos indevidamente pelo servidor, em razão de ação judicial, pagos no período da vigência
da liminar e sentença, posteriormente reformadas no julgamento do recurso de apelação do
BACEN.
Foi apurado o valor de R$ 36.994,47 a ser restituído aos cofres públicos, atualizados até
31.03.2018, relativo aos valores indevidamente recebidos pelo segundo período de férias de
1998, decorrente de decisão liminar que foi posteriormente revogada.
Após o indeferimento do recurso administrativo, foi expedido boleto para quitação do debito, com
vencimento em 10.01.2019 no valor de R$ 37.859,53.
Em 17.01.2019, o autor ajuizou a presente ação anulatória da decisão administrativa, sustentando
a ocorrência da prescrição da pretensão de cobrança da parte ré, cerceamento de defesa e
nulidade do procedimento administrativo, ilegitimidade da parte, as quais foram rechaçadas pelo
juiz a quo, não havendo insurgência das partes quanto ao ponto.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, “para tornar sem efeitos a decisão
administrativa OFÍCIO 24317/2018-BCB/ADSPA, de 04/12/2018, que determinou a restituição ao
erário dos valores recebidos pelo autor em decorrência da liminar concedida no mandado de
segurança nº 98.0030481-9”.
A Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União,
autarquias e fundações públicas federais, possui previsão acerca da possibilidade de devolução,
pelo servidor, de valores indevidamente recebidos, nos seguintes termos:
(...)
Entretanto, referido artigo deve ser interpretado com alguns temperamentos, especialmente em
decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento em relação à
possibilidade de afastamento do dever de devolução de valores indevidamente recebidos por
servidor público, desde que as verbas sejam de natureza alimentar, bem como, que o titular do
direito tenha recebido com boa-fé objetiva, evidenciada pela “legítima confiança ou justificada
expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram
em definitivo seu patrimônio” (AgRg no REsp 1.263.480/CE e REsp 1244182/PB – Tema 531).
No presente caso, verifica-se que nos autos do Mandado de Segurança nº 98.0030481-9, o
Tribunal Regional Federal da 3ª Região atribuiu efeito suspensivo ao agravo de instrumento,
permitindo aos impetrantes o gozo de férias de 60 dias, entendimento posteriormente reformulado
em sede de Apelação, reconhecendo-se o direito ao gozo das férias anuais de sessenta dias
somente em relação aos períodos adquiridos anteriormente a 14.11.1997 (ID 13637089).
Assim, verifica-se que, com respaldo em decisão liminar o autor gozou do 2º período de férias, e
o réu, em cumprimento a esta decisão, pagou os valores correspondentes.
Nessas hipóteses, a má-fé do servidor não pode ser presumida - desde que não tenha tido
ingerência no ato praticado pela Administração, deve prevalecer a presunção de legalidade de
seus atos e o reconhecimento do recebimento de boa-fé.
Portanto, descabida a devolução dos valores recebidos por força de decisão judicial precária,
ante o caráter alimentar da verba, bem como a boa-fé por parte do servidor público, ora
requerente.
Da devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada
No caso concreto, a determinação para que o autor usufruísse do segundo período de férias no
período aquisitivo 1998, é resultante de provimento jurisdicional de caráter provisório, não
confirmado por ocasião do julgamento do mérito da apelação.
Em face do bem público em questão e da observância ao princípio da moralidade, inserto no art.
37, caput, da Constituição da República, a restituição desses valores é devida, tendo em vista a
impossibilidade de se conferir à tutela antecipada característica de provimento satisfativo.
Assim, tratando-se a medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que
recebe verbas dos cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e
provisoriedade da tutela concedida.
Com efeito, o art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao
imputar como pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua
característica inerente é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte
quando cassado o instrumento provisório.
Por outro lado, dispõe a Lei n° 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos da União):
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão
previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no
prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
(...)
§ 3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela
antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a
data da reposição.
Não obstante, o STJ havia adotado posicionamento no sentido de ser incabível o ressarcimento
de verbas de natureza alimentar, recebidas a título de antecipação de tutela, posteriormente
revogada, face ao princípio da irrepetibilidade das prestações de caráter alimentício e em face da
boa-fé da parte que recebeu a referida verba por força de decisão judicial. (AgRg no AREsp
12.844/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 2/9/2011; REsp 1255921/RJ, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, DJe 15/8/2011; AgRg no Ag 1352339/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 3/8/2011; REsp 950.382/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, DJe
10/5/2011).
Todavia, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento. Confira-se:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou
para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em
que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito
alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial.
Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso,
quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal
sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de
que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por
advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há
ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver
enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com
maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de
1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão
sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo
estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo
Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige
o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal - ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a
devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e
provido. (REsp 1401560/MT, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento:
12/02/2014, DJe: 13/10/2015).
No mesmo sentido, aplicando-se o precedente acima transcrito:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO.
VERBA RECEBIDA POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA, POSTERIORMENTE
REFORMADA. DEVOLUÇÃO. NECESSIDADE
1. A Primeira Seção, no REsp 1.401.560, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 12/2/2014 sob o
rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), pacificou o entendimento de que o litigante deve
devolver os valores percebidos em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser
posteriormente revogada.
2. Ademais, no julgamento do RE 608.482/RN, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o
demandante em juízo não pode invocar o princípio da proteção da confiança legítima, pois
conhece a precariedade da medida judicial.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1511966/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em
18/08/2015, DJe 28/08/2015).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA.
CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ REALINHADA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO
1.401.560/MT. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.401.560/MT fixou a tese de que é dever
do titular de direito patrimonial devolver valores recebidos por força de tutela antecipada
posteriormente revogada.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 494.942/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 05/08/2014).
ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO A MAIOR DE VERBA A SERVIDOR. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E DEFINITIVIDADE
DO PAGAMENTO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DESCABIMENTO NA HIPÓTESE. 1. Trata-se
de Mandado de Segurança contra o Presidente do STJ. Alega a impetrante ser ré em processo
administrativo que visa à reposição de juros de mora sobre reajuste pago indevidamente por erro
na rotina de cálculos automáticos do Sistema de Administração de Recursos Humanos (SARH).
Aduz que o pagamento a maior por erro da administração não enseja devolução pelo servidor de
boa-fé. Pede seja revogada a decisão que determinou a cobrança. 2. A Primeira Seção
consolidou o entendimento de que, tanto para verbas recebidas por antecipação de tutela
posteriormente revogada (REsp 1.384.418/SC, depois confirmado sob o rito do art. 543-C do CPC
no REsp 1.401.560/MT, estando pendente de publicação), quanto para verbas recebidas
administrativamente pelo servidor público (REsp 1.244.182/PB), o beneficiário deve comprovar a
sua patente boa-fé objetiva no recebimento das parcelas. 3. Na linha dos julgados precitados, o
elemento configurador da boa-fé objetiva é a inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do
caráter legal e definitivo do pagamento. 4. "Quando a Administração Pública interpreta
erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa
expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra
desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012). 5. Descabe ao receptor da verba alegar
que presumiu o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido, como, por
exemplo, no recebimento de auxílio-natalidade (art. 196 da Lei 8.112/1990) por servidor público
que não tenha filhos. 6. Na hipótese de pagamento por força de provimentos judiciais liminares,
conforme os mencionados REsp 1.384.418/SC e REsp 1.401.560/MT (submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008), não pode o servidor alegar boa-fé para não
devolver os valores recebidos, em razão da própria precariedade da medida concessiva, e, por
conseguinte, da impossibilidade de presumir a definitividade do pagamento. 7. In casu, todavia, o
pagamento efetuado à impetrante decorreu de puro erro administrativo de cálculo, sobre o qual se
imputa que ela tenha presumido, por ocasião do recebimento, a legalidade e a definitividade do
pagamento, o que leva à conclusão de que os valores recebidos foram de boa-fé. 8. Segurança
concedida. Agravo Regimental prejudicado. (STJ - MS: 19260 DF 2012/0209477-0, Relator:
Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 03/09/2014, CE - CORTE ESPECIAL, Data
de Publicação: DJe 11/12/2014).
Nesse Tribunal Regional Federal da 3ª Região há precedente adotando-se idêntico
posicionamento:
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTATAÇÃO DE PLANO.
NECESSIDADE. SERVIDOR. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE PROVIMENTO
JUDICIAL PROVISÓRIO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. LEI N.
8.112/90, ART. 46. 1. Para fazer jus à ordem de segurança, o impetrante deve demonstrar a
presença dos seus pressupostos específicos, que em última análise se resolvem na existência de
direito líquido e certo. 2. Os valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão
judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento
ilícito por parte dos servidores beneficiados, devendo ser observado quando da reposição o
disposto no art. 46 da Lei n. 8.112/90 (STJ, AGREsp n. 1191879, Rel. Min. Humberto Martins, j.
24.08.10; STJ, AGREsp n. 734315, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 07.07.08; STJ, REsp n. 638813,
Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.12.07 e STJ, REsp n. 467599, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j.
24.08.04). 3. Apelação desprovida. (AMS 00037030520134036000, DESEMBARGADOR
FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/12/2014).
Dessa forma, inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição do
valor relativo ao segundo período de férias de (60) sessenta dias no ano de 1998, usufruído em
razão de decisão liminar em mandado de segurança posteriormente revogada, não confirmado
por ocasião do julgamento do recurso de apelação.
Logo, os valores recebidos a maior por força de decisão judicial precária, devem ser restituídos.
Assim, correta a cobrança do valor operado pelo BACEN.
Logo, de rigor a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido.
Registre-se por fim, não ser o caso de aplicação dos temas 531 e 692 do STJ, por não se tratar
da hipótese de devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público quando
pagos indevidamente em função de interpretação equivocada de lei ou de por erro operacional da
Administração Pública.
De igual forma, não se trata da hipótese de sobrestamento do processo por conta da a proposta
de revisão de entendimento do Tema 692/STJ, que trata da devolução de valores recebidos por
beneficiário do RPGS em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, ao passo
que o caso em tela cuida de servidor público federal submetido ao regime da Lei n. 8.112/90.
Da verba honorária
Em relação à verba de sucumbência, o art. 85 do Código de Processo Civil/2015 é claro ao
estabelecer que a sentença deverá condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou e os honorários advocatícios.
A fixação da verba honorária deve observar o princípio da causalidade, segundo o qual aquele
que deu causa à instauração do processo ou ao incidente processual deve se responsabilizar
pelas despesas dele decorrente.
Ademais, a condenação em honorários advocatícios e despesas processuais é consequência da
sucumbência. Com efeito, cabe ao Juiz a fixação dos honorários advocatícios, nos termos do
artigo 20 do Código de Processo Civil/73 (art. 85 do CPC/2015). Esse é o entendimento
jurisprudencial, conforme anota Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação
processual em vigor, Ed.Saraiva, 38a ed., nota 27 ao citado artigo 20 do CPC/73:
O arbitramento da honorária, em razão do sucumbimento processual, está sujeito a critérios de
valoração, perfeitamente delineados na lei processual (art.20, 3°, do CPC); e sua fixação é ato do
juiz e não pode ser objeto de convenção das partes (RT 509/169). No mesmo sentido, quanto à
impossibilidade de fixação do valor dos honorários advocatícios pelas partes: RT 828/254.
Nesses termos, considerada a improcedência do pedido da parte autora, inverto o ônus da
sucumbência para condená-la ao pagamento de honorários advocatícios em favor do INSS que
ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizado, observado os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e atentando às peculiaridades da presente
demanda.
Custas ex lege.
Dispositivo
Ante o exposto, douprovimento ao recurso do BACEN para julgar improcedente o pedido.
É o voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PROVENTOS
PAGOS A MAIOR MEDIANTE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. REFORMA DA
DECISÃO PROVISÓRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES: NECESSIDADE. RECURSO
PROVIDO
1. Apelação interposta pelo Banco Central do Brasil contra sentença que julgou parcialmente
procedente a ação, para o fim de declarar a inexigibilidade do débito relativo à reposição ao erário
dos valores recebidos pelo autor em decorrência da liminar concedida no mandado de segurança
nº 98.0030481-9 e condenou o réu ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, à
base de 10% sobre o valor da causa atualizado.
2. A Administração pode e deve anular e revogar seus próprios atos, quando eivados de nulidade
e vícios, em razão do exercício da autotutela e em consonância com a Súmula 473 do STF.
3. Até a edição da Lei nº 9.784/99 o poder-dever da Administração de rever os próprios atos
quando eivados de ilegalidade, podia ser exercido a qualquer tempo, nos termos do art. 114 da
Lei nº 8.112/90. Intelecção das Súmulas 346 e 473 do STF. Com a edição da Lei nº 9.784/99, o
poder-dever de a Administração rever os atos praticados passou a ter prazo de cinco anos.
4. Impossibilidade de restituição de valores indevidamente percebidos em virtude de interpretação
errônea da lei, de erro operacional, ou de cálculo, por parte da Administração, quando existente a
boa-fé do servidor.
5. Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração.
6. No caso concreto, a determinação para que a autora mantivesse a jornada semanal de 30
horas sem redução de vencimentos, é resultante de provimento jurisdicional de caráter provisório,
não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da apelação.
7. Devida a restituição da verba em razão de decisão judicial provisória revertida: tratando-se a
medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que recebe verbas dos
cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e provisoriedade da tutela
concedida.
8. O art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao imputar como
pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua característica inerente
é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte quando do seu cassar.
9. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento.
10. Inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição da diferença
entre os proventos integrais e os proventos proporcionais à jornada de trabalho reduzida, vez que
decorrente de provimento jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do
julgamento do recurso de apelação.
11. Inaplicabilidade dos temas 531 e 692 do STJ, por não se tratar da hipótese de devolução ao
Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público quando pagos indevidamente em
função de interpretação equivocada de lei ou de por erro operacional da Administração Pública.
12. De igual forma, não se trata da hipótese de sobrestamento do processo por conta da a
proposta de revisão de entendimento do Tema 692/STJ, que trata da devolução de valores
recebidos por beneficiário do RPGS em virtude de decisão judicial precária posteriormente
revogada, ao passo que o caso em tela cuida de servidor público federal submetido ao regime da
Lei n. 8.112/90.
13. Sentença reformada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, deu
provimento à apelação do BACEN para julgar improcedente o pedido, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
