Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0008724-59.2013.4.03.6000
Relator(a)
Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
12/05/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/05/2020
Ementa
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PROVENTOS
PAGOS A MAIOR MEDIANTE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. REFORMA DA
DECISÃO PROVISÓRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES: NECESSIDADE. RECURSO
PROVIDO
1. Apelação interposta por WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH contra sentença que
julgou procedente o pedido formulado pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO
GROSSO DO SUL – FUFMS para o fim de condenar os requeridos WANDERSON e WANCLER
à reposição ao erário dos valores recebidos por servidor falecido, no valor de R$ 72.935,21,
decorrente de decisão proferida em antecipação de tutela nos autos 96.0007177-2, condenou os
requeridos ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, à base de 10% sobre o valor
da condenação.
2. Impossibilidade de restituição de valores indevidamente percebidos em virtude de interpretação
errônea da lei, de erro operacional, ou de cálculo, por parte da Administração, quando existente a
boa-fé do servidor.
3. Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração.
4. No caso concreto, determinação para que o servidor recebesse reajuste remuneratório no
percentual de 47,94%, a título de 50% da variação do IRSM, é resultante de provimento
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da
apelação.
5. Devida a restituição da verba em razão de decisão judicial provisória revertida: tratando-se a
medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que recebe verbas dos
cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e provisoriedade da tutela
concedida.
6. O art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao imputar como
pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua característica inerente
é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte quando do seu cassar.
7. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento.
8. Inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição do reajuste
remuneratório no percentual de 47,94%, vez que decorrente de provimento jurisdicional de
caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do recurso de apelação.
9. Sentença mantida. Apelação improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0008724-59.2013.4.03.6000
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH
APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: WANCLER RODRIGUES FILIPOWICTH
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: RICARDO CURVO DE ARAUJO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0008724-59.2013.4.03.6000
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH
APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: WANCLER RODRIGUES FILIPOWICTH
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: RICARDO CURVO DE ARAUJO
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Trata-se de Apelação interposta por WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH contra sentença
que julgou procedente o pedido formulado pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE
MATO GROSSO DO SUL – FUFMS para o fim de condenar os requeridos WANDERSON e
WANCLER à reposição ao erário dos valores recebidos por servidor falecido, no valor de R$
72.935,21, decorrente de decisão proferida em antecipação de tutela nos autos 96.0007177-2,
bem como condenou os requeridos ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, à
base de 10% sobre o valor da condenação, nos seguintes termos:
Ante todo o exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO
INICIAL, para o fim de condenar os requeridos à reposição das verbas recebidas pelo falecido
servidor a título de reajuste remuneratório no percentual de 47,94%, sendo que cada herdeiro
responderá pelas dívidas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube, os
artigos 779 e 796, do Código de Processo Civil. Por consequência, extingo o feito com resolução
de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC.
Condeno os requeridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em 10%
sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, 3º, I, do CPC. Contudo, por ser o requerido
Wanderson beneficiário da justiça gratuita, suspendo a execução da exigibilidade da cobrança,
nos termos do disposto nos artigos 98, 3º, do NCPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Em suas razões recursais, o requerido WANDERSON pede a reforma da sentença, para que o
pedido seja julgado improcedente, pelos seguintes argumentos:
a) de início, requer a concessão da Justiça Gratuita, por não possuir condições de arcar com as
despesas processuais, sem prejuízo do seu sustento;
b) sustenta a irrepetibilidade de verbas de natureza alimentar, tendo em vista que o reajuste foi
incorporado aos vencimentos, devendo ser observada a boa-fé do servidor, que a recebeu em
razão de decisão judicial, confirmada em sentença de primeiro grau;
c) alega que os efeitos financeiros devem ser corrigidos somente a partir da decisão do Tribunal
Regional Federal, que reformou a sentença concessiva ao ponderar que não eram devidos os
valores pagos a títulos de 47,94%, tendo o servidor recebido os valores de boa-fé;
d) pede a inversão do ônus da sucumbência.
Com as contrarrazões da FUFMS, subiram os autos a esta Corte Regional.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0008724-59.2013.4.03.6000
RELATOR:Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH
APELADO: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: WANCLER RODRIGUES FILIPOWICTH
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: RICARDO CURVO DE ARAUJO
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Da admissibilidade da apelação
Tempestivo o recurso, dele conheço.
Da reposição ao erário de valores recebidos indevidamente
O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento, em sede de recurso repetitivo, sobre a
impossibilidade de devolução de valores indevidamente percebidos em virtude de interpretação
errônea da lei por parte da Administração, quando existente a boa-fé do servidor:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N.
8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE
LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO
SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC.
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos
de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em
função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos,
mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando
em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos
são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do
servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo
543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1244182/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/10/2012, DJe 19/10/2012)
Com efeito, tal silogismo restou adotado pela própria Fazenda, consoante se dessume do teor da
Súmula nº 34 da Advocacia Geral da União - que tem efeito vinculante para os procuradores
federais, ex vi do disposto no art. 28, II, da Lei Complementar nº 73/1993 -, bem como da Súmula
nº 249 do Tribunal de Contas da União:
Súmula 34/AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor
público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da
Administração Pública.
Súmula 249/TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-
fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação
de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de
orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter
alimentar das parcelas salariais.
Aliás, tais mandamentos de otimização têm aplicação no processo administrativo por expressão
disposição legal - i.e., artigo 2º, parágrafo único, XIII, da Lei nº 9.784/99 -, que veda aplicação
retroativa de novel interpretação.
Ressalte-se que, o mesmo silogismo se aplica para os casos de erro operacional ou de cálculo:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. RECEBIMENTO DE
VALORES INDEVIDOS. ADICIONAL DE TEMPO DE SERVIÇO. ERRO OPERACIONAL.
DEVOLUÇÃO. BOA-FÉ. DESCABIMENTO.
1. Incabível a devolução de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público se o pagamento
resultou de erro da administração.
Essa solução é aplicável mesmo se o equívoco for consequência de erro de cálculo ou falha
operacional. Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1704810/PE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018,
DJe 26/06/2018)
Deveras, a invalidação administrativa sofre liames em virtude dos princípios gerais do direito, seja
o princípio constitucional da segurança jurídica, seja a cláusula geral de boa-fé que irradia efeitos
em todos os segmentos do ordenamento pátrio.
Por conseguinte, nos atos administrativos ampliativos de direitos, consoante os caracteres fáticos,
deve haver um sopesamento dos princípios administrativos para averiguar se a aplicação de
efeito ex nunc à invalidação não se coaduna mais corretamente com os objetivos suprapositivos,
o que entendo ser aqui o caso. Nesse sentido é o magistério do Professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
"Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente nos autos unilaterais
restritivos de direitos da esfera jurídica dos administrados serem inválidos, todas as razões
concorrem para que sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem fora
indevidamente agravado pelo Poder Público das consequências onerosas. Pelo contrário, nos
atos unilaterais ampliativos da esfera jurídica do administrado, se este não concorreu para o vício
do ato, estando de boa-fé, sua fulminação só deve produzir efeitos ex nunc, ou seja, depois de
pronunciada".
(Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, 31ª ed., p. 488)
Isso porque a presunção de legitimidade dos atos administrativos não opera apenas efeitos
favoráveis à Administração - especialmente no âmbito probatório e da autoexecutoriedade -, mas
também estabelece limites à sua atuação, sendo vedada imputação retroativa que prejudique
administrado de boa-fé, em ofensa à proteção da confiança legítima (aspecto subjetivo da
segurança jurídica). Nesse viés, escólio de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"princípio da proteção à confiança leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que
os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e
respeitados pela própria Administração e por terceiros".
(Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 27. ed., p. 88).
Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração.
O Sindicato dos Trabalhadores Técnicos e Administrativos da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul - SISTA ajuizou em, 04.10.1996 ação declaratória n. 96.0007177-2, com o objetivo
de receber diferenças a partir de março de 1994, pelo IRSM no percentual de 47,94%, referente
ao primeiro bimestre do mesmo ano e a partir de maio de 1994, pelo IRSM no percentual de
225,46%, referente ao quadrimestre janeiro, fevereiro, março e abril de 1994 deduzidos os
percentuais do primeiro bimestre, nos termos da Lei n. 8.676/93.
Por meio de decisão datada de 22.11.1996, foi deferida a antecipação parcial da tutela para que a
FUFMS incorporasse aos vencimentos dos substituídos o percentual de 47,94%, correspondente
a 50% da variação do IRSM no bimestre janeiro/fevereiro/1994.
Em 31.03.1997, foi proferida sentença julgando procedente o pedido inicial.
Inconformado a FUFMS interpôs recurso de apelação, tendo o TRF da 3ª Região dado
provimento ao recurso, julgando improcedente a ação proposta pelo sindicato, tendo o acordão
transitado em julgado em 29.08.2008.
O servidor público WALDOMIRO FILIPOWICTH FILHO, falecido em 19.02.2010, foi beneficiado
com a decisão de antecipação de tutela, posteriormente cassada, tendo recebido os valores a
maior entre 12/1996 a 12/2004.
Assim, o FUFMS promoveu em face dos herdeiros do servidor falecido processo de reposição ao
erário de valores recebidos indevidamente pelo servidor, em razão de ação judicial, pagos no
período da vigência da liminar e sentença, posteriormente reformadas no julgamento do recurso
de apelação da FUFMS, respeitado o limite da herança que couber a cada herdeiro.
Foi apurado o valor de R$ 72.925,21, atualizado até novembro/2012, a ser restituído aos cofres
públicos, relativo aos valores indevidamente recebidos no período de dezembro/1996 a
dezembro/2004 (fls. 10/12).
Da devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada
No caso concreto, a determinação para que o servidor recebesse reajuste remuneratório no
percentual de 47,94%, a título de 50% da variação do IRSM, é resultante de provimento
jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da
apelação.
Em face do bem público em questão e da observância ao princípio da moralidade, inserto no art.
37, caput, da Constituição da República, a restituição desses valores é devida, tendo em vista a
impossibilidade de se conferir à tutela antecipada característica de provimento satisfativo.
Assim, tratando-se a medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que
recebe verbas dos cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e
provisoriedade da tutela concedida.
Com efeito, o art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao
imputar como pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua
característica inerente é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte
quando cassado o instrumento provisório.
Por outro lado, dispõe a Lei n° 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos da União):
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão
previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no
prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
(...)
§ 3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela
antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a
data da reposição.
Não obstante, o STJ havia adotado posicionamento no sentido de ser incabível o ressarcimento
de verbas de natureza alimentar, recebidas a título de antecipação de tutela, posteriormente
revogada, face ao princípio da irrepetibilidade das prestações de caráter alimentício e em face da
boa-fé da parte que recebeu a referida verba por força de decisão judicial. (AgRg no AREsp
12.844/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 2/9/2011; REsp 1255921/RJ, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, DJe 15/8/2011; AgRg no Ag 1352339/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, DJe 3/8/2011; REsp 950.382/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, DJe
10/5/2011).
Todavia, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento. Confira-se:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou
para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em
que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito
alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial.
Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso,
quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal
sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de
que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por
advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há
ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver
enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com
maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de
1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão
sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo
estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo
Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige
o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal - ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a
devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e
provido. (REsp 1401560/MT, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento:
12/02/2014, DJe: 13/10/2015).
No mesmo sentido, aplicando-se o precedente acima transcrito:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO.
VERBA RECEBIDA POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL PRECÁRIA, POSTERIORMENTE
REFORMADA. DEVOLUÇÃO. NECESSIDADE
1. A Primeira Seção, no REsp 1.401.560, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 12/2/2014 sob o
rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), pacificou o entendimento de que o litigante deve
devolver os valores percebidos em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser
posteriormente revogada.
2. Ademais, no julgamento do RE 608.482/RN, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o
demandante em juízo não pode invocar o princípio da proteção da confiança legítima, pois
conhece a precariedade da medida judicial.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1511966/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em
18/08/2015, DJe 28/08/2015).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA.
CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ REALINHADA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO
1.401.560/MT. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.401.560/MT fixou a tese de que é dever
do titular de direito patrimonial devolver valores recebidos por força de tutela antecipada
posteriormente revogada.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 494.942/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 05/08/2014).
ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO A MAIOR DE VERBA A SERVIDOR. ERRO DA
ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E DEFINITIVIDADE
DO PAGAMENTO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DESCABIMENTO NA HIPÓTESE. 1. Trata-se
de Mandado de Segurança contra o Presidente do STJ. Alega a impetrante ser ré em processo
administrativo que visa à reposição de juros de mora sobre reajuste pago indevidamente por erro
na rotina de cálculos automáticos do Sistema de Administração de Recursos Humanos (SARH).
Aduz que o pagamento a maior por erro da administração não enseja devolução pelo servidor de
boa-fé. Pede seja revogada a decisão que determinou a cobrança. 2. A Primeira Seção
consolidou o entendimento de que, tanto para verbas recebidas por antecipação de tutela
posteriormente revogada (REsp 1.384.418/SC, depois confirmado sob o rito do art. 543-C do CPC
no REsp 1.401.560/MT, estando pendente de publicação), quanto para verbas recebidas
administrativamente pelo servidor público (REsp 1.244.182/PB), o beneficiário deve comprovar a
sua patente boa-fé objetiva no recebimento das parcelas. 3. Na linha dos julgados precitados, o
elemento configurador da boa-fé objetiva é a inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do
caráter legal e definitivo do pagamento. 4. "Quando a Administração Pública interpreta
erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa
expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra
desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012). 5. Descabe ao receptor da verba alegar
que presumiu o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido, como, por
exemplo, no recebimento de auxílio-natalidade (art. 196 da Lei 8.112/1990) por servidor público
que não tenha filhos. 6. Na hipótese de pagamento por força de provimentos judiciais liminares,
conforme os mencionados REsp 1.384.418/SC e REsp 1.401.560/MT (submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008), não pode o servidor alegar boa-fé para não
devolver os valores recebidos, em razão da própria precariedade da medida concessiva, e, por
conseguinte, da impossibilidade de presumir a definitividade do pagamento. 7. In casu, todavia, o
pagamento efetuado à impetrante decorreu de puro erro administrativo de cálculo, sobre o qual se
imputa que ela tenha presumido, por ocasião do recebimento, a legalidade e a definitividade do
pagamento, o que leva à conclusão de que os valores recebidos foram de boa-fé. 8. Segurança
concedida. Agravo Regimental prejudicado.
(STJ - MS: 19260 DF 2012/0209477-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de
Julgamento: 03/09/2014, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 11/12/2014).
Nesse Tribunal Regional Federal da 3ª Região há precedente adotando-se idêntico
posicionamento:
MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTATAÇÃO DE PLANO.
NECESSIDADE. SERVIDOR. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE PROVIMENTO
JUDICIAL PROVISÓRIO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. LEI N.
8.112/90, ART. 46. 1. Para fazer jus à ordem de segurança, o impetrante deve demonstrar a
presença dos seus pressupostos específicos, que em última análise se resolvem na existência de
direito líquido e certo. 2. Os valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão
judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento
ilícito por parte dos servidores beneficiados, devendo ser observado quando da reposição o
disposto no art. 46 da Lei n. 8.112/90 (STJ, AGREsp n. 1191879, Rel. Min. Humberto Martins, j.
24.08.10; STJ, AGREsp n. 734315, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 07.07.08; STJ, REsp n. 638813,
Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.12.07 e STJ, REsp n. 467599, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j.
24.08.04). 3. Apelação desprovida. (AMS 00037030520134036000, DESEMBARGADOR
FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/12/2014).
Dessa forma, inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição do
reajuste remuneratório no percentual de 47,94%, vez que decorrente de provimento jurisdicional
de caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do recurso de apelação.
Logo, os valores recebidos a maior por força de decisão judicial precária, devem ser restituídos,
de modo que correta a cobrança do valor operado pela FUFMS.
Assim, de rigor a manutenção da sentença.
Prejudicado o pedido de concessão de gratuidade da justiça, pois, conforme mencionado na r.
sentença apelada, o requerido Wanderson era beneficiário da justiça gratuita (fl. 194v).
Das verbas sucumbenciais
Custas ex lege.
Diante da sucumbência recursal da parte autora quanto ao objeto da ação, que teve seu recurso
improvido, é de se majorar o valor dos honorários a teor do art. 85, §11, CPC/2015.
Assim, com base no art. 85 e parágrafos do CPC, devem ser majorados os honorários
advocatícios a serem pagos pela parte autora, levando em conta o trabalho adicional realizado
em grau recursal, razão pela qual majoro os honorários para 11% sobre o valor atualizado da
condenação, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, §3º, do NPC.
Dispositivo
Ante o exposto, negoprovimento ao recurso.
É o voto.
DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Peço vênia ao e. Relator para divergir de seu voto para dar provimento à apelação para
assegurar à parte apelante o direito de não ser compelida a devolver os valores recebidos por
força da concessão de tutela antecipada.
A Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça acolheu proposta de revisão do
entendimento firmado em tema repetitivo (tema 692), referente à obrigatoriedade da devolução
dos benefícios previdenciários recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada
(Questão de Ordem no REsp 1.734.698/SP, Relator Ministro Og Fernandes).
Nesse sentido, como a questão foi reavivada pela Corte Superior e é aplicável ao caso em
exame, reafirmo meu posicionamento no sentido de que o caráter alimentar da verba recebida,
ainda que por força de antecipação de tutela ou liminar, retira a obrigatoriedade de sua devolução
no caso de reversão da medida.
É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PROVENTOS
PAGOS A MAIOR MEDIANTE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. REFORMA DA
DECISÃO PROVISÓRIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES: NECESSIDADE. RECURSO
PROVIDO
1. Apelação interposta por WANDERSON RODRIGUES FILIPOWICTH contra sentença que
julgou procedente o pedido formulado pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO
GROSSO DO SUL – FUFMS para o fim de condenar os requeridos WANDERSON e WANCLER
à reposição ao erário dos valores recebidos por servidor falecido, no valor de R$ 72.935,21,
decorrente de decisão proferida em antecipação de tutela nos autos 96.0007177-2, condenou os
requeridos ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, à base de 10% sobre o valor
da condenação.
2. Impossibilidade de restituição de valores indevidamente percebidos em virtude de interpretação
errônea da lei, de erro operacional, ou de cálculo, por parte da Administração, quando existente a
boa-fé do servidor.
3. Contudo, no caso em tela, não se trata de valores indevidamente percebidos em virtude de
interpretação errônea da lei por parte da Administração.
4. No caso concreto, determinação para que o servidor recebesse reajuste remuneratório no
percentual de 47,94%, a título de 50% da variação do IRSM, é resultante de provimento
jurisdicional de caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do mérito da
apelação.
5. Devida a restituição da verba em razão de decisão judicial provisória revertida: tratando-se a
medida liminar de provimento jurisdicional de caráter provisório, aquele que recebe verbas dos
cofres públicos com base em tal título judicial sabe da fragilidade e provisoriedade da tutela
concedida.
6. O art. 273, §2º, do CPC/1973 (atual art. 300, §3º do CPC/2015) é inequívoco ao imputar como
pressuposto da antecipação da tutela a reversibilidade da medida, pois sua característica inerente
é a provisoriedade (§4º), de tal sorte que não há alegar boa-fé da parte quando do seu cassar.
7. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.401.560/MT, realizado sob o rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C, do Código de Processo Civil, e Resolução STJ 8/2008), veio a
alterar o entendimento anterior e a estabelecer que, na hipótese de pagamento por força de
provimentos judiciais liminares, ainda que em se tratando de verbas decorrentes de benefícios
previdenciários, não pode o beneficiário alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos,
tendo em vista a precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, a impossibilidade de se
presumir a definitividade do pagamento.
8. Inobstante o caráter alimentar da verba recebida, mostra-se cabível a restituição do reajuste
remuneratório no percentual de 47,94%, vez que decorrente de provimento jurisdicional de
caráter provisório, não confirmado por ocasião do julgamento do recurso de apelação.
9. Sentença mantida. Apelação improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por maioria, negou
provimento ao recurso, nos termos do voto do relator Des. Fed. Helio Nogueira, acompanhado
pelos Desembargadores Cotrim Guimarães e Carlos Francisco e pela Juíza Federal Convocada
Noemi Martins, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava provimento à apelação para
assegurar à parte apelante o direito de não ser compelida a devolver os valores recebidos por
força de concessão de tutela antecipada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
