Processo
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP
5019855-59.2017.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
11/12/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/12/2018
Ementa
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. TUTELA ANTECIPADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA. RECURSO DA AUTORA PROVIDO.
1.Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
2. Quanto à miserabilidade, a LOAS prevê que ela existe quando a renda familiar mensal per
capita é inferior a ¼ de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como "família"
para aferição dessa renda "o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto" (art. 20, §1º).Embora esse requisito tenha sido
inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de
Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela jurisprudência daquele Tribunal.
3. Caso em que olaudo médico pericial produzido no feito digital principal (consoante consulta ao
andamento em primeira instância), atestou em conclusão que a autora, do ponto de vista médico,
faz jus ao pleiteado e que orelatório do Estudo socialdenotaque o núcleo familiar da requerente
vive em uma casa, recém construída nos fundos do terreno da residência do avô e avó maternos
e quea única renda da família é proveniente do programa governamental “Bolsa Família”, pois a
genitora da requerente não pode trabalhar para lhe prestar cuidados diários.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4. Agravo de instrumento provido.
Acórdao
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019855-59.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: MARIA VITORIA PLACIDINO LEITE
Advogado do(a) AGRAVANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379-N
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019855-59.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: MARIA VITORIA PLACIDINO LEITE
Advogado do(a) AGRAVANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
Trata-sede Agravo de Instrumento interposto por Maria Vitória Placidino Leite, menor, em face da
decisão contida no documento n.º 1236453, que, em ação previdenciária ajuizada com vistas a
obter benefício assistencial, indeferiu o pedido de tutela antecipada.
Alega a agravante, em síntese, preencher os requisitos necessários à antecipação da tutela.
Acrescenta que o benefício foi-lhe negado administrativamente.
Aduz que nasceu aos 05 de dezembro de 2015, e que é portadora de transtorno específico misto
do desenvolvimento, cardiopatia C.I.V, subaortica perimembranosa com moderada repercussão
hemodinâmica”, realizando tratamento com cardiologista, neuropediatra, e multidisciplinar
(fonoaudiológico, terapia ocupacional, e fisioterapêutico) na APAE - Associação dos Pais e
Amigos dos Excepcionais, conforme relatório médico constante dos autos.
Ressalta que suas atividades não são compatíveis com sua idade, tendo em vista seu atraso e
que o sopro no coração lhe causa grande cansaço e falta de ar, além da perda de peso.
Acrescenta que o núcleo familiar é composto pela sua mãe, sua irmã gêmea, as quais moram nos
fundos da casa de sua avó, tendo o seu genitor abandonado o lar após o nascimento das filhas
(consoante declarou sua genitora no documento id. nº 1236448), de forma que não possuem
renda, já que a mãe da agravante encontra dificuldades para trabalhar, tendo em vista a atenção
demandada com a alegada doença.
A tutela antecipada recursal fora deferida - documento id. n.º 13070183.
Intimado, o INSS não ofereceu contrarrazões.
Em parecer exarado no documento id. n.º 1936403 o Ministério Público Federal opinou pelo
provimento do agravo de instrumento.
É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019855-59.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: MARIA VITORIA PLACIDINO LEITE
Advogado do(a) AGRAVANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A decisão agravada vem assim fundamentada:
“No caso em voga, pretende a autora a imediata percepção do benefício assistencial previsto no
artigo 203, V, da Constituição Federal. Os documentos trazidos com a inicial são mesmo hábeis a
sugerir aquela moléstia anunciada.
Deles não se extrai, todavia, motivo bastante para a antecipação pretendida.
A uma, pois a incapacidade da autora prover a própria subsistência não parece advir da
deficiência anunciada, senão da tenra idade (um ano).
A duas, pois o benefício postulado pressupõe não apenas a incapacidade da interessada prover a
própria subsistência, mas também de tê-la provida por sua família. E ausente segura
comprovação da renda familiar, não há como inferir, desde logo, aquela destacada carência
financeira (renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo) prevista na legislação de regência.”
A Constituição Federal, em seu artigo 203, inciso V, garante àpessoa portadora de deficiênciae
ao idosoque comprove não possuir meios de prover sua própria manutençãoo pagamento de um
salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial que deve ser provido aos
que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social.
A Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social ("LOAS"), entre outras coisas,
disciplinou os requisitos necessários à implementação do benefício assistencial de prestação
continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
(...)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.
(...)
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
Quanto à miserabilidade, a LOAS prevê que ela existe quando a renda familiar mensal per capita
é inferior a ¼ de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como "família" para
aferição dessa renda "o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta
ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde
que vivam sob o mesmo teto" (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele Tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, do art. 20, §3º da LOAS.
Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte redação:
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros
elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), por sua vez, traz a previsão de que benefício assistencial já
concedida a idoso membro da família não pode ser computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover
sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1
(um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não
será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Também privilegiando a necessidade de critérios mais razoáveis e compatíveis com cada caso
concreto para a aferição da situação de miserabilidade, o STF decidiu pela declaração de
inconstitucionalidade parcial por omissão do art. 34, p.u. acima reproduzido, determinando que a
exclusão por ele prevista também deve se aplicar aos benefícios assistenciais já concedidos a
membros da família deficientes e aos benefícios previdenciários de até um salário mínimo
recebidos por idosos. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225
DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
É de se notar que, diante da consolidação jurisprudencial nesse sentido, já foi inclusive editada a
Instrução Normativa nº 02/2014 pela Advocacia Geral da União, autorizando a desistência e a
não interposição de recursos de decisões que excluam os benefícios assistenciais recebidos por
idosos e deficientes membros da família do requerente de novo benefício:
Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que,
conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003,
determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes casos:
I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na
aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93:
(...)
c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por
idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça
parte do mesmo núcleo familiar;
(...).
Conforme narrado pela agravante, representada por sua genitora, através do Núcleo de
Assistência Judiciária da Faculdade Santa Lúcia, não existe renda familiar. Em consulta ao CNIS,
se verifica que a genitora da autora trabalhava como embaladora, cujo contrato se iniciou em
23.12.2013 e cessou em 06.2016, após o retorno de afastamento temporário, por motivo de
licença maternidade em 04.2016, por iniciativa do empregador.
Acrescente-se a estes fundamentos, que o laudo médico pericial à fl. 298-303 do feito digital
principal (consoante consulta ao andamento em primeira instância), atestou em conclusão que a
autora, do ponto de vista médico, faz jus ao pleiteado.
O relatório do Estudo social foi juntado as fls. 102/107, em 27.11.2017, denotando que o núcleo
familiar da requerente vive em uma casa, recém construída nos fundos do terreno da residência
do avô e avó maternos e quea única renda da família é proveniente do programa governamental
“Bolsa Família”, pois a genitora da requerente não pode trabalhar para lhe prestar cuidados
diários.
O Novo Código de Processo Civil estabelece, no art. 300, que a tutela de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou risco ao resultado útil do processo.
O conjunto demonstra, a hipossuficiência econômica da agravante e a miserabilidade por ela
vivenciada, devendo ser reconhecida a verossimilhança das alegações.
Na hipótese, além de evidenciada a probabilidade do direito, denota-se que, quanto ao perigo de
dano, o dano possível ao INSS é proporcionalmente menor do que para a autora, que carece do
benefício. Ressalte-se a natureza assistencial do benefício pleiteado e a natureza nitidamente
alimentar das parcelas.
Ademais, de acordo com o parecer ministerial neste feito:
"Os documentos carreados pela autora evidenciam sua condição de pessoas com deficiência,
somando-se a isso a necessidade de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos
fundamentais da criança.
Com efeito, segundo o artigo 227 da Constituição Federal, a cooperação entre família,
comunidade e Estado, quando os sujeitos de direitostratados são crianças portadoras de
deficiência, deve se mostrar em plena eficiência, sendo que somente o atendimento integral e de
forma priorizada da criança é que assegurará a passagem para a vida adulta com qualidade de
vida e dignidade. Deste modo, nos casos em que há impossibilidade de a família fazer frente às
necessidades materiais da criança com deficiência, surge a responsabilidade do Estado em
prover o propício crescimento desta."
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. TUTELA ANTECIPADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA. RECURSO DA AUTORA PROVIDO.
1.Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
2. Quanto à miserabilidade, a LOAS prevê que ela existe quando a renda familiar mensal per
capita é inferior a ¼ de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como "família"
para aferição dessa renda "o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto" (art. 20, §1º).Embora esse requisito tenha sido
inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de
Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela jurisprudência daquele Tribunal.
3. Caso em que olaudo médico pericial produzido no feito digital principal (consoante consulta ao
andamento em primeira instância), atestou em conclusão que a autora, do ponto de vista médico,
faz jus ao pleiteado e que orelatório do Estudo socialdenotaque o núcleo familiar da requerente
vive em uma casa, recém construída nos fundos do terreno da residência do avô e avó maternos
e quea única renda da família é proveniente do programa governamental “Bolsa Família”, pois a
genitora da requerente não pode trabalhar para lhe prestar cuidados diários.
4. Agravo de instrumento provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
