Processo
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP
5001668-95.2020.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
16/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 23/04/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. LOAS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA PERCEPÇÃO DO
BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS
VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979/STJ. CORRETA A SUSPENSÃO DO
PROCESSO.
1. Houve decisão parcial do mérito, com improcedência do pedido de restabelecimento do
benefício de prestação continuada e declaração de boa fé da agravante no seu recebimento.
Ainda está pendente a análise do pedido de declaração da inexigibilidade de devolução dos
valores recebidos, o qual foi suspenso pelo d. magistrado a quo, até o julgamento do Tema 979
pelo STJ. Desta forma, afigura-se cabível o agravo de instrumento nos termos do art. 356, § 5º,
do CPC.
2. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
3. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4. A agravante completou 65 anos de idade em 17/10/2008, conforme demonstra a cópia de sua
Cédula de Identidade. Cumpre, portanto, o requisito da idade para a concessão do benefício
assistencial, nos termos do art. 20, caput da LOAS.
5. A agravante possui três filhos que, embora com ela não residam, têm o dever legal de prestar-
lhe alimentos, pois, nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, "os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nestes termos, a
responsabilidade dos filhos pelos pais é primária, sendo a do Estado subsidiária.
6. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a tese que "o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção" (processo n.
0517397-48.2012.4.05.8300)
7. Considerando a condição econômica dos filhos da agravante de lhe proverem auxílio e o fato
de esta possuir imóvel em boas condições, entendo que não restou comprovado nos autos o
estado de miserabilidade. Verificam-se sinais de riqueza incompatíveis com a situação de
miserabilidade.
8. O benefício de prestação continuada não serve de complementação de renda e sim para casos
de extrema necessidade, é de rigor a manutenção da decisão.
9. Quanto à necessidade de devolução dos valores já recebidos pela agravante, entendo que agiu
corretamente o d. magistrado a quo ao determinar que o seu julgamento deve ser suspenso até o
julgamento final, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial n. 1381734/RN,
selecionado como Representativo da Controvérsia –Tema 979 -, que trata da devolução ou não
de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
10. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
dap
Acórdao
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5001668-95.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: VALDELICE NASCIMENTO DE MELO
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5001668-95.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: VALDELICE NASCIMENTO DE MELO
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-sede agravo de instrumento interposto por VALDELICE NASCIMENTO DE MELO em face
de sentença parcial de mérito proferida no processo n. 5000864-75.2017.4.03.6130, a qual (i)
julgou improcedente o pedido de restabelecimento de benefício de prestação continuada, (ii)
declarou a boa-fé da agravante no recebimento deste benefício, e (iii) quanto à necessidade de
devolução das parcelas recebidas, determinou a suspensão do processo até julgamento pelo STJ
do Tema 979 (ID 25895951 do feito originário).
Sustenta a agravante que faz jus ao benefício de prestação continuada, por ser idosa e se
encontrar em situação de vulnerabilidade social. Afirma que a única renda familiar advém de
aposentadoria recebida por seu marido, também idoso, no valor de um salário mínimo, a qual não
deve ser considerada no cálculo da renda per capita familiar, e que tal renda familiar é insuficiente
para garantir suas necessidades básicas.
Aduz ainda que, uma vez reconhecida a ausência de má fé no recebimento do benefício, deveria
ter sido declarada a própria inexigibilidade do débito, em decisão de mérito, ainda mais quando
considerada a natureza alimentar do benefício. Finalmente, sustenta que, caso reconhecida a
necessidade de devolução, deve-se reconhecer também a prescrição parcial do débito.
Sem contraminuta (ID 133833179).
À ID 152534005, o Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do
recurso.
É o relatório.
dap
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5001668-95.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
AGRAVANTE: VALDELICE NASCIMENTO DE MELO
AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Consoante decisão agravada, houve decisão parcial do mérito, com improcedência do pedido de
restabelecimento do benefício de prestação continuada e declaração de boa fé da agravante no
seu recebimento. Ainda está pendente a análise do pedido de declaração da inexigibilidade de
devolução dos valores recebidos, o qual foi suspenso pelo d. magistrado a quo, até o julgamento
do Tema 979 pelo STJ.
Desta forma, afigura-se cabível o agravo de instrumento nos termos do art. 356, § 5º, do CPC.
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.”
Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é, o
efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social
(“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à implementação do
benefício assistencial de prestação continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do
idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§7oNa hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.
§8oA renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste
artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros
elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
A agravante completou 65 anos de idade em 17/10/2008, conforme demonstra a cópia de sua
Cédula de Identidade (ID 1251598).
Cumpre, portanto, o requisito da idade para a concessão do benefício assistencial, nos termos do
art. 20, caput da LOAS.
A LOAS prevê que há miserabilidade quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ de
um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa
renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto,
os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o
mesmo teto” (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte redação:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), por sua vez, traz a previsão de que benefício assistencial já
concedida a idoso membro da família não pode ser computado para os fins do cálculo da renda
familiar per capita:
“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover
sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1
(um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não
será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.”
Também privilegiando a necessidade de critérios mais razoáveis e compatíveis com cada caso
concreto para a aferição da situação de miserabilidade, o STF decidiu pela declaração de
inconstitucionalidade parcial por omissão do art. 34, p.u. acima reproduzido, determinando que a
exclusão por ele prevista também deve se aplicar aos benefícios assistenciais já concedidos a
membros da família deficientes e aos benefícios previdenciários de até um salário mínimo
recebidos por idosos. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225
DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
É de se notar que, diante da consolidação jurisprudencial nesse sentido, já foi inclusive editada a
Instrução Normativa nº 02/2014 pela Advocacia Geral da União, autorizando a desistência e a
não interposição de recursos de decisões que excluam os benefícios assistenciais recebidos por
idosos e deficientes membros da família do requerente de novo benefício:
“Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que,
conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003,
determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes casos:
I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na
aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93:
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos
ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência,
que faça parte do mesmo núcleo familiar;
c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por
idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça
parte do mesmo núcleo familiar;
II) quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per
capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 o benefício assistencial:
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou
mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência,
que faça parte do mesmo núcleo familiar.”
No caso dos autos, conforme o estudo social (ID 15483100), a agravante reside somente com
seu marido, que também é idoso. A única renda do casal advém de aposentadoria por invalidez
recebida pelo marido da agravante, no valor de um salário mínimo.
É verdade que tal benefício não deve ser considerado no cálculo da renda per capita familiar.
Contudo, a agravante possui três filhos que, embora com ela não residam, têm o dever legal de
prestar-lhe alimentos, pois, nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, "os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nestes termos, a
responsabilidade dos filhos pelos pais é primária, sendo a do Estado subsidiária.
Corroborando este entendimento, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais (TNU) fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser
indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem
prejuízo de sua manutenção" (processo n. 0517397-48.2012.4.05.8300)
No caso dos autos, esta possibilidade restou cabalmente demonstrada.
Segundo a própria agravante revelou à assistente social por ocasião do estudo socioeconômico,
“os três filhos auxiliam com pagamento das despesas fixas, fornecem produtos de origem animal
e eventualmente valor em dinheiro”. Seu marido informou ainda que “foram os filhos que
edificaram sua habitação e estão construindo outro imóvel no 2º andar”.
Ainda, o casal reside em imóvel próprio, no qual há ainda um pequeno comércio com venda de
material de limpeza, alguns itens de alimentação e sorvetes no térreo (os rendimentos deste
pequeno negócio não foram informados à assistente social). A moradia possui infraestrutura
adequada e está em excelente estado geral, praticamente nova, com quarto, sala / cozinha,
banheiro, área de serviço, varanda e outro andar em construção.
Destaco, ainda, que as despesas de subsistência informadas eram apenas pouco superiores à
renda familiar, mesmo sem considerar o auxílio dos filhos e o rendimento do comércio.
Assim, considerando a condição econômica dos filhos da agravante de lhe proverem auxílio e o
fato de esta possuir imóvel em boas condições, entendo que não restou comprovado nos autos o
estado de miserabilidade. Verificam-se sinais de riqueza incompatíveis com a situação de
miserabilidade.
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PARTE AUTORA
PORTADORA DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGUARDA. MISERABILIDADE NÃO
APURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. FAMÍLIA. DEVER DE SUSTENTO.
ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 8 (OITO) FILHOS TRABALHANDO.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA. REANÁLISE DA QUESTÃO
DECORRENTE DE RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO MANTIDO.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011. - A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição
Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da
assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as
hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por
sua família. - Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, não está
patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
- Quanto a essa questão, verifica-se, mediante o exame do estudo social (fls. 89/90), que a parte
autora reside com seu marido, também idoso. A renda familiar é constituída pela aposentadoria
por idade recebida pelo cônjuge, no valor de R$ 681,37 (seiscentos e oitenta e um reais e trinta e
sete centavos), referente a abril de 2011, conforme consulta às informações do
CNIS/DATAPREV.
- Além disso, o casal recebe ajuda dos filhos para custear suas despesas, conforme afirmado
pela parte autora (f. 90). A autora possui 8 (oito) filhos, todos eles com obrigação primária de
auxílio dos pais. São 3 (três) mulheres e 5 (cinco) homens, todos trabalhando, conquanto
possuam suas respectivas famílias.
- Ocorre que o fato de possuírem famílias não lhes afasta o dever constitucionais de amparar os
pais. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade." A propósito, recentemente, a Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização
do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de
prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem
prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão
realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a
interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203,
V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência
social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da
pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em
obediência ao princípio da subsidiariedade".
- De fato, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 20, § 3º, da LOAS, que cuida
do critério da miserabilidade, não ser interpretado taxativamente (STF, RE n. 580963, Tribunal
Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). Logo, também o artigo 20, § 1º, da
mesma lei, que discrimina o conceito de família (e com isso influi na apuração da presença ou
não da miserabilidade), igualmente não pode ser interpretado literalmente, sob pena de prática de
grave distorção e inversão de valores, geradora de concessões ou denegações indevidas
conforme o caso.
- E mais, depreende-se do estudo socioeconômico que o montante das despesas não ultrapassa
os rendimentos do núcleo familiar, o que afasta a conclusão de que o casal vivencia a condição
de miserabilidade que enseja a percepção do benefício.
- Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se
encontrando em situação de total "desamparo". Cumpre salientar que o benefício de prestação
continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os
desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam
possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser
essa insignificante.
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo
porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do
indivíduo. Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL".
- Adotado como razão de decidir o entendimento determinado pelo E. STJ, sem, contudo, alterar
o resultado do julgamento que negou provimento ao agravo, restando mantida a improcedência
do pedido.
(AC 00055850420114039999, JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, TRF3 - NONA
TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Dessa forma, como o benefício de prestação continuada não serve de complementação de renda
e sim para casos de extrema necessidade, é de rigor a manutenção da decisão.
Quanto à necessidade de devolução dos valores já recebidos pela agravante, entendo que agiu
corretamente o d. magistrado a quo ao determinar que o seu julgamento deve ser suspenso até o
julgamento final, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial n. 1381734/RN,
selecionado como Representativo da Controvérsia –Tema 979 -, que trata da devolução ou não
de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento da autora.
Intimem-se as partes.
dap
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. LOAS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA PERCEPÇÃO DO
BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS
VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979/STJ. CORRETA A SUSPENSÃO DO
PROCESSO.
1. Houve decisão parcial do mérito, com improcedência do pedido de restabelecimento do
benefício de prestação continuada e declaração de boa fé da agravante no seu recebimento.
Ainda está pendente a análise do pedido de declaração da inexigibilidade de devolução dos
valores recebidos, o qual foi suspenso pelo d. magistrado a quo, até o julgamento do Tema 979
pelo STJ. Desta forma, afigura-se cabível o agravo de instrumento nos termos do art. 356, § 5º,
do CPC.
2. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
3. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
4. A agravante completou 65 anos de idade em 17/10/2008, conforme demonstra a cópia de sua
Cédula de Identidade. Cumpre, portanto, o requisito da idade para a concessão do benefício
assistencial, nos termos do art. 20, caput da LOAS.
5. A agravante possui três filhos que, embora com ela não residam, têm o dever legal de prestar-
lhe alimentos, pois, nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, "os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nestes termos, a
responsabilidade dos filhos pelos pais é primária, sendo a do Estado subsidiária.
6. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a tese que "o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção" (processo n.
0517397-48.2012.4.05.8300)
7. Considerando a condição econômica dos filhos da agravante de lhe proverem auxílio e o fato
de esta possuir imóvel em boas condições, entendo que não restou comprovado nos autos o
estado de miserabilidade. Verificam-se sinais de riqueza incompatíveis com a situação de
miserabilidade.
8. O benefício de prestação continuada não serve de complementação de renda e sim para casos
de extrema necessidade, é de rigor a manutenção da decisão.
9. Quanto à necessidade de devolução dos valores já recebidos pela agravante, entendo que agiu
corretamente o d. magistrado a quo ao determinar que o seu julgamento deve ser suspenso até o
julgamento final, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial n. 1381734/RN,
selecionado como Representativo da Controvérsia –Tema 979 -, que trata da devolução ou não
de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
10. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
dap ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo de instrumento da autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA