Processo
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP
5025395-49.2021.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 23/02/2022
Ementa
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. TUTELA DE URGÊNCIA.NÃO
COMPROVAÇÃO DOFUMUS BONI IURIS. RECURSO DESPROVIDO.
I.Nos termos do artigo 294 do CPC, “a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência”, sendo que, conforme preveem os artigos 300 e 311 do CPC:Art. 300.A tutela de
urgênciaserá concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1oPara a concessão da tutela de
urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os
danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte
economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2º A tutela de urgência pode ser
concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3º A tutela de urgência de natureza
antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
(g.n.)Art. 311.A tutela da evidênciaserá concedida, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:I - ficar caracterizado o abuso
do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;II - as alegações de fato
puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de
casos repetitivos ou em súmula vinculante;III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em
prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de
entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;IV - a petição inicial for instruída com
prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
prova capaz de gerar dúvida razoável.Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz
poderá decidir liminarmente.(g.n.)
II. Nesse sentido, tratando-se o pedido formulado pela agravante de tutela de urgência, mister se
faz a demonstração, pela parte postulante, da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do
risco ao resultado útil do processo.
II. Por probabilidade do direito, deve-se entender a subsunção clara e inequívoca da norma geral
e abstrata ao caso individual e concreto debatido nos autos, não dispensando ao órgão julgador
maiores aprofundamentos sobre a matéria, mormente porquanto a análise que se faz, em tal
momento, é de cognição sumária do mérito.Cumpre destacar que a finalidade precípua de tal
remédio processual é, em apertada síntese, assegurar que a parte que efetua o pedido
potencialmente procedente não será prejudicada por eventual morosidade dos trâmites
processuais, evitando, assim, que, neste ínterim, obtenha algum dano ou que haja prejuízo à
tutela final.
III. Consigne-se, ainda, que a norma processual civil estabelece mais um requisito para a
concessão da tutela de urgência, qual seja, a reversibilidade dos efeitos da decisão (artigo 300,
parágrafo 3º, CPC), sendo possível, em determinadas hipóteses, a responsabilização por
prejuízos que a efetivação da tutela causar à parte adversa (artigo 302 do CPC).
IV. De todo o exposto, conclui-se que a tutela antecipada em caráter de urgência se configura
medida excepcional no sistema jurídico vigente, razão pela qual deve ser deferida somente em
hipóteses restritas, nas quais restar demonstrada, de forma patente, o preenchimento dos
requisitos retromencionados.
V. No caso dos autos, em análise perfunctória, como é próprio em avaliação de tutela antecipada,
não se constata a probabilidade do direito de forma inequívoca, inexistindo provas contundentes
da ocorrência de fraude na contratação de empréstimos consignados, registrando-se que a
questão posta sob análise demanda avaliação das provas, respeito ao contraditório e à ampla
defesa e cognição exauriente para que o Poder Judiciário possa, somente então, definir sobre a
procedência ou não do pleito formulado em petição inicial.Sobreleva assinalar que não se trata de
negativa ao pedido efetuado pela parte, mas reconhecimento de que, em sede de urgência,
através de cognição sumária, não se encontra preenchida a necessidade de tutela judicial
antecipada.
VI. Agravo de instrumento desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5025395-49.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
AGRAVANTE: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVANTE: VALTER PIETROBOM JUNIOR - SP392366
AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5025395-49.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
AGRAVANTE: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVANTE: VALTER PIETROBOM JUNIOR - SP392366
AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo de instrumento interposto por MARIA JOSÉ DOS SANTOS em face
dedecisão interlocutória que indeferiu a antecipação de tutela.
A parte agravante alega, em síntese, que por ter sido vítima de um golpe, foi levada a entregar
seu cartão do banco para terceiros. Aduz que, a partir de então, verificou terem sido realizadas
operações bancárias sem o seu conhecimento e autorização, tais como PIX, TED, DOC da sua
conta poupança, além de empréstimos consignados.
Pleiteia a determinação para que “a instituição financeira, expeça oficio ao INSS em regime de
urgência, a fim de que cesse descontos que estão sendo realizados no benefício previdenciário
da autora número: nº 147465290-2, referente a contratos de Empréstimos Consignados
liberados mediante fraude 25.2839.110.0022449/90, 25.2839.110.0022450/23,
25.2839.110.0022451/04, 25.839.110.002245/04, no valor mensal de R$ 472,41 (quatrocentos
e setenta e dois reais e quarenta e um centavos) e que se abstenha, conjuntamente, de anotar
o CPF da autora nos órgãos de proteção ao crédito, protestos, cobranças, dos contratos
mencionados, a fim de não potencializar ainda mais os danos já causados a autora, sob pena
de não o fazendo, ser imposta multa diária no valor de R$ 1.000,00(um mil reais)”.
O pedido de antecipação da tutela recursal foi indeferido.
Com contraminuta.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região1ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5025395-49.2021.4.03.0000
RELATOR:Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
AGRAVANTE: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVANTE: VALTER PIETROBOM JUNIOR - SP392366
AGRAVADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Ao analisar o pedido de concessão de efeito suspensivo, foi proferida a seguinte decisão:
"Nos termos do artigo 294 do CPC, “a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência”, sendo que, conforme preveem os artigos 300 e 311 do CPC:
Art. 300.A tutela de urgênciaserá concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1oPara a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a
caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão. (g.n.)
Art. 311.A tutela da evidênciaserá concedida, independentemente da demonstração de perigo
de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese
firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de
depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do
direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.(g.n.)
Nesse sentido, tratando-se o pedido formulado pela agravante de tutela de urgência, mister se
faz a demonstração, pela parte postulante, da probabilidade do direito e do perigo de dano ou
do risco ao resultado útil do processo.
Por probabilidade do direito, deve-se entender a subsunção clara e inequívoca da norma geral e
abstrata ao caso individual e concreto debatido nos autos, não dispensando ao órgão julgador
maiores aprofundamentos sobre a matéria, mormente porquanto a análise que se faz, em tal
momento, é de cognição sumária do mérito.
Cumpre destacar que a finalidade precípua de tal remédio processual é, em apertada síntese,
assegurar que a parte que efetua o pedido potencialmente procedente não será prejudicada por
eventual morosidade dos trâmites processuais, evitando, assim, que, neste ínterim, obtenha
algum dano ou que haja prejuízo à tutela final.
Consigne-se, ainda, que a norma processual civil estabelece mais um requisito para a
concessão da tutela de urgência, qual seja, a reversibilidade dos efeitos da decisão (artigo 300,
parágrafo 3º, CPC), sendo possível, em determinadas hipóteses, a responsabilização por
prejuízos que a efetivação da tutela causar à parte adversa (artigo 302 do CPC).
De todo o exposto, conclui-se que a tutela antecipada em caráter de urgência se configura
medida excepcional no sistema jurídico vigente, razão pela qual deve ser deferida somente em
hipóteses restritas, nas quais restar demonstrada, de forma patente, o preenchimento dos
requisitos retromencionados.
No caso dos autos, em análise perfunctória, como é próprio em avaliação de tutela antecipada,
não se constata a probabilidade do direito de forma inequívoca, eis que a questão posta sob
análise demanda avaliação das provas, respeito ao contraditório e à ampla defesa e cognição
exauriente para que o Poder Judiciário possa, somente então, definir sobre a procedência ou
não do pleito formulado em petição inicial.
Bem decidiu o magistrado “a quo”:
“A concessão de tutela de urgência está condicionada à presença dos requisitos previstos no
art. 300, do Código de Processo Civil, que são: a evidência da probabilidade do direito e o
perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
O Autor requer a tutela de urgência a fim de que a requerida cesse imediatamente os descontos
que estão sendo realizados no benefício previdenciário nº 147465290-2, referente a contratos
de Empréstimos Consignados liberados mediante fraude 25.2839.110.0022449/90,
25.2839.110.0022450/23, 25.2839.110.0022451/04, 25.839.110.002245/04 , no valor mensal de
R$ 472,41 (quatrocentos e setenta e dois reais e quarenta e um centavos) e que se abstenha
de anotar o nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito, protestos, cobranças, dos
contratos.
O caso dos autos refere-se à responsabilidade extracontratual no âmbito de relação de
consumo. A Caixa Econômica Federal por ser instituição financeira que fornece serviços o
âmbito de relações jurídicas de consumo, está sujeita à responsabilidade civil objetiva por força
do disposto no art. 3º, §2º, combinado com o art. 14, ambos da Lei nº 8.078/1990.
A responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras, por força do Código de Defesa do
Consumidor, já foi afirmada pelo E.STJ, na Súmula 297: “O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às instituições financeiras".
É certo que para caracterizar a responsabilidade civil extracontratual e objetiva, devem ser
comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do
interessado, por ato ou fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CEF (ou de
terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação
ou omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure
desconforto), ou em caso ato ou fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor
ou deterceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva.
No caso em tela,a parte autora ajuizou a presente ação, narrando, em síntese, que foi vítima de
fraude bancária. Afirma que recebeu ligação telefônica no dia 13 de maio de 2021, por pessoa
que se identificou ser funcionária do banco requerido, indagando se a requerente havia
realizada a compra no valor de R$ 2.800,00 nas lojas Americanas.
Narra, ainda, que ficou transtornada com tal informação e que a pessoa que se identificou como
funcionário da CEF, prontamente esclareceu que seria necessário retirar o cartão de débito no
seu endereço e que o Banco enviaria um novo cartão em breve pelo Correio. E assim, tendo
comparecido em sua residência um funcionário com crachá de identificação da CEF a autora
entregou o cartão magnético ao prestador de serviço.
Esclarece, que tendo em vista que não chegou seu novo cartão, em 21 de maio de 2021 foi até
a agência 2839, da CEF em Boituva, para questionar acerca da demora na entrega do cartão,
quando tomou conhecimento que foi vítima de fraude bancária, e que foram realizadas várias
transações bancárias e empréstimos consignados em seu nome.
Sustenta que entrou em contato com o banco requerido com vistas a obter informações sobre a
contestação dos valores movimentados indevidamente, todavia, não obteve êxito. Aduz que
somente após quatro após a autora comparecer na agência houve o bloqueio de forma tardia.
Em decorrência dessa situação, após todas as indevidas movimentações bancárias, a conta
poupança que contava com R$ 178.000,00 (cento e setenta e oito mil), atualmente possui um
saldo de R$ 6,29 (seis reais e vinte e nove centavos), além dos empréstimos realizados.
Para comprovar suas alegações a parte autora apresentou demonstrativo mensal,
comprovando as transações bancárias, a contestações de movimentação – “comunicado de
parecer SEM indícios de fraude eletrônica” e boletim de ocorrência nº 1113/2021 (Ids 84430831
a 84431033).
Nessa análise sumária, não é possível a constatação da responsabilidade da instituição
financeira pela falha na prestação de serviço, devendo a pretensão da parte autora ser melhor
aferida no decorrer deste processo de conhecimento, respeitando-se o princípio do
contraditório, sendo que à primeira vista não está bem discernido o direito, e consequentemente
não há o convencimento do Juízo da verossimilhança das alegações.
Tratando-se de evidente relação consumeirista, na qual a autora demonstra ser hipossuficiente
em relação à instituição financeira, determino, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, da Lei n.º
8078/90, a inversão do ônus da prova.
Todavia, a mera alegação de que tais débitos foram oriundos de fraude não se mostra
verossímil, independentemente da inversão do ônus da prova e da dificuldade da produção de
prova negativa.
Assim, os documentos anexados aos autos eletrônicos, neste exame inicial, não demonstram
de pronto, o direito do autor à suspensão da exigibilidade do crédito.
Ressalte-se que não se trata aqui de pôr em dúvida as alegações do autor, mas apenas
constatar que o ônus da prova dos fatos alegados na inicial não foi cumprido.
Ante o exposto, INDEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA jurisdicional requerida.”
Cite-se o seguinte julgado nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA MEDIANTE FRAUDE. ANÁLISE QUE EXIGE A
FORMAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. 1. A natureza do dissenso
instalado nos autos desautoriza o reconhecimento em sede de agravo de instrumento de que os
empréstimos consignados contratos em nome do agravante são fraudulentos. 2. Os
documentos carreados pelo agravante não se afiguram suficientes à comprovação, neste
momento processual, de que a conta bancária aberta em nome da agravante junto à agravada
decorre de fraude, o que somente será possível verificar após a devida instrução probatória,
indispensável ao esclarecimento dos fatos narrados. 3. Agravo de instrumento improvido.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5003944-65.2021.4.03.0000,
Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 29/09/2021, DJEN DATA:
04/10/2021)
Sobreleva assinalar que não se trata de negativa ao pedido efetuado pela parte, mas
reconhecimento de que, em sede de urgência, através de cognição sumária, não se encontra
preenchida a necessidade de tutela judicial antecipada.
Com tais considerações, indefiro a antecipação da tutela recursal."
Assim sendo, em nova análise, este Relator confirma o acerto da r. decisão monocrática, que
apreciou o mérito do agravo de instrumento.
Ante o exposto,nego provimento ao agravo de instrumento,nos termos da fundamentação.
É o voto.
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Peço vênia para divergir do voto proferido pelo E. Relator.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por MARIA JOSÉ DOS SANTOS em face de
decisão que indeferiu a tutela antecipada para determinar à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL a
suspensão dos descontos efetuados em seu benefício previdenciário, os quais alega serem
provenientes de empréstimos contratados após ser vítima de golpe.
Pois bem. Para a concessão da tutela de urgência, devem estar presentes os requisitos
exigidos pelo art. 300, caput e § 3º, do Código de Processo Civil, quais sejam: a probabilidade
do direito da parte, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e a ausência de
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Com relação à responsabilidade das instituições financeiras pelos danos decorrentes de fraude
bancária, esta foi definitivamente assentada com a edição da Súmula 479 do STJ: “As
instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno
relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Trata-se de responsabilidade na modalidade objetiva, à luz do artigo 14 do Código de Defesa
do Consumidor, uma vez que a fraude nas operações bancárias constitui risco da atividade
exercida por tais instituições, a quem compete zelar pela segurança do serviço prestado (§ 1º
do citado artigo). Sendo esta insuficiente, e disso resultando prejuízos ao consumidor,
caracteriza-se a falha na prestação do serviço, ainda que se evidencie a atuação concorrente
de terceiros. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO
DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL. ABERTURA DE CONTA CORRENTE E
FORNECIMENTO DE TALONÁRIOS DE CHEQUES MEDIANTE FRAUDE. FALHA DO
BANCO. RISCO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. FORTUITO INTERNO. DEVER DE
INDENIZAR. PRECEDENTES. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS. SÚMULA
7/STJ. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. QUESTÃO QUE NÃO FOI SUSCITADA
EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. PRECLUSÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE
NEGA PROVIMENTO. 1 - No que toca à alegação de que os supostos danos ocorreram em
razão da ação ilícita de estelionatários, cumpre assinalar que, nos termos da orientação
sedimentada nesta Corte, à luz da teoria do risco profissional, a responsabilidade das
instituições financeiras não é elidida em situações como a ora retratada, por consistir em risco
inerente à atividade econômica por elas exercidas, caracterizando o chamado fortuito interno,
que não tem o condão de romper o nexo de causalidade entre a atividade e o evento danoso. 2
- Para se chegar à conclusão de que a prova cuja produção foi requerida pela parte é, ou não,
indispensável à solução da controvérsia, seria realmente necessário o reexame das questões
fáticas dos autos. 3 - É vedado à parte inovar nas razões do agravo interno, tendo em vista a
ocorrência da preclusão como consequência de a questão não ter sido tratada oportunamente
em sede de recurso especial. 4 - Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no
REsp n. 1.215.107/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª Turma, J. 18/08/2011, DJe 19/09/2011)
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E EXTRACONTRATUAL. CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO BANCÁRIO. MOVIMENTAÇÕES
BANCÁRIAS IRREGULARES. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. FRAUDE. DANO
MATERIAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO MODERADA. - A Caixa Econômica Federal (CEF)
está sujeita à responsabilidade civil objetiva por força do contido no art. 3º, § 2º, combinado com
o art. 14, ambos da Lei nº 8.078/1990, e entendimento consolidado na Súmula 297 do E.STJ.
Compreendida como inerente ao risco do empreendimento e alcançando não só os serviços
executados mas também a estrutura operacional criada para sua implementação, é irrelevante
discutir a má-fé ou culpa subjetiva da CEF no evento danoso para fins de responsabilidade civil
objetiva, assim como de prestadores de serviço por ela contratados para compor a execução de
suas operações - Para caracterizar a responsabilidade civil objetiva e extracontratual, devem
ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do
interessado, por ato ou fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CEF (ou de
terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação
ou omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure
desconforto), ou em caso ato ou fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor
ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva -
Houve fraude, reconhecida em processo administrativo formalizado pela CEF, fraude essa que
deu origem à instauração de inquérito policial em face da ex-gerente da CEF, do intermediário
(e corréu) Igor e da mãe do intermediário (que recebia depósitos em sua conta corrente) (...)
(TRF3 – ApCiv n. 0026736-59.2006.4.03.6100/SP, Rel. Des. Federal JOSÉ CARLOS
FRANCISCO, 2ª Turma, J. 25/02/2021, e-DJF3 03/03/2021)
Apesar de sua amplitude, tal responsabilidade pode ser afastada à luz do § 3º do art. 14 do
CDC, que prevê três causas excludentes: a inexistência do defeito no serviço (inciso I) e a
presença de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (ambas no inciso II). Nesses casos,
na primeira hipótese, é ausente o ato ilícito, ante a demonstração de que o serviço foi prestado
de forma regular; na segunda e na terceira, inexiste nexo de causalidade entre o dano e a
conduta da fornecedora, pois se evidencia que aquele decorre de culpa exclusiva da própria
vítima ou de terceiro alheio à relação de consumo. Em todos os casos, porém, o ônus da prova
dessa causa excludente é da fornecedora, independentemente de inversão, considerando que
trata-se de fato impeditivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC).
Pois bem. Na espécie, a autora alega que, em 13/05/2021, recebeu uma ligação de um suposto
funcionário da CEF informando a ocorrência de uma compra de R$ 2.800,00 com seu cartão, a
qual não efetuou. Relatou que, após informar que havia cancelado a transação e confirmar o
saldo de sua poupança, o funcionário a orientou a entregar o cartão a outro funcionário que foi
buscá-lo em sua casa, devidamente uniformizado e portando crachá da CEF, avisando que ela
receberia um novo cartão na próxima semana. Contudo, ao procurar a agência para questionar
a demora no envio do cartão, descobriu que foram realizadas operações de PIX, transferências
e empréstimos não autorizados na conta, resultando em um prejuízo superior a R$ 145.000,00
e descontos em seu benefício previdenciário no total de R$ 472,41. Sustenta que não informou
seus dados pessoais e a senha aos golpistas, não autorizou operações pela internet e que
houve falha na prestação do serviço pela ré, que constatou a fraude apenas tardiamente,
bloqueando a conta (ID 84430809 dos autos de origem – n. 5006061-32.2021.4.03.6110).
E, não obstante a necessidade de efetiva instrução probatória, tenho que os elementos vindos
com a inicial são insuficientes para indicar a culpa exclusiva da autora ou de terceiros, aptas a
afastar a responsabilidade da ré (§ 3º do art. 14 do CDC).
Isso porque ela apresentou extratos bancários no período de 01/05/2021 até 18/08/2021 (IDs
84430831 e 84430834) que evidenciam que a única movimentação realizada antes da data dos
fatos foi o saque de R$ 1.200,00, em casa lotérica, após o crédito de benefício previdenciário de
R$ 1.557,61 em 07/05/2021. Tal fato indica a parca movimentação bancária promovida pela
autora, compatível com a modalidade de conta mantida junto à CEF (poupança).
A partir de 13/05/2021 (data dos fatos), contudo, é possível verificar a ocorrência de sucessivas
operações de grande monta na conta, por meio de cartão de débito (DB MAESTRO), saques
em autoatendimento (SAQUE ATM), PIX, TED e DOC, que somadas reduziram o saldo
bancário da autora de R$ 145.456,28 para R$ 456,29 em 14/05/2021. Vale observar que, além
dos saques e débitos, três operações PIX foram realizadas no dia 13, totalizando R$ 30.000,00,
e quatro TED/ TEV, no total de R$ 35.000,00. No dia seguinte, constam mais três PIX e quatro
TED/TEVs de igual valor, além de um DOC de R$ 3.000,00.
No dia 17/05/2021, após um envio de PIX no importe de R$ 450,00 (reduzindo o saldo a R$
6,29), foram contratados diversos empréstimos que constam como bloqueados e não
contabilizam no saldo final, indicando o bloqueio dos valores pela instituição financeira.
Ainda que a autora tenha confessadamente entregado o cartão aos golpistas, é de se
considerar que o fato de operações eletrônicas e sucessivas de mais de R$ 75.000,00 em
apenas dois dias, numa conta de saldo elevado e pouco movimentação, não terem acionado os
sistemas mantidos pela instituição financeira para garantia da segurança de seus clientes é
indicativo da prestação de serviço defeituoso, ainda que em uma análise meramente sumária.
Soma-se a isso o fato de que a autora nega ter informado sua senha pessoal e sigilosa e outros
dados bancários necessários à realização dessas operações, relatando que o suposto
funcionário da CEF que a contatou já demonstrava ter conhecimento de informações sujeitas a
sigilo, como o saldo de sua poupança e saques anteriores, além de apresentar-se uniformizado
e portando crachá da instituição. Nesse quadro, a entrega do cartão pela autora não seria apta,
por si só, a causar a realização de saques e transferências, que exigem o fornecimento de
senha e outras medidas de segurança, como códigos, biometria e afins.
Como dito, não se ignora que tais fatos devem ser submetidos ao contraditório e à instrução
probatória. Contudo, neste momento processual, são suficientes para indicar a probabilidade do
direito exigida pelo art. 300 do CPC, retro transcrito.
Soma-se a isso o evidente perigo da demora, considerando que a autora percebe benefício de
aposentadoria de R$ 1.557,61 (ID 84430826) e vem sofrendo descontos mensais que somam
R$ 472,41 (ID 84430842), quase um terço daquele valor, o que certamente prejudica seu
sustento. De fato, não me parece razoável exigir que a autora seja privada de parcela
considerável de sua aposentadoria enquanto a lide em questão não é solucionada, sobretudo
considerando que o ônus da prova da excludente de responsabilidade civil recai sobre a
fornecedora de serviços.
No mais, é de se considerar que não há perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, visto
que, caso se verifique, ao final, a ausência de responsabilidade da CEF, basta que essa retome
os descontos mensais no benefício da autora a fim de reaver o seu crédito.
Diante de tudo isso, entendo que a agravante faz jus à tutela de urgência, a fim de ver
suspensos os descontos os empréstimos consignados pela CEF e eventuais cobranças até o
julgamento final da demanda.
Ante todo o exposto, divirjo do E. Relator para DAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento,
DEFERIR a tutela de urgência e DETERMINAR à CEF que: a) promova a suspensão da
consignação dos descontos dos contratos indicados na inicial do benefício da autora,
comprovando-a no prazo de cinco dias a contar da intimação da presente decisão, sob pena de
multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por desconto posterior a tal prazo, limitada a 15 (quinze)
meses; e b) se abstenha de inserir o nome da autora em cadastros de proteção ao crédito ou
protestos e de cobrá-las pelos contratos indicados na inicial, sob pena de multa de R$ 500,00
(quinhentos reais) por dia de descumprimento, limitada a 30 (trinta) dias.
É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. TUTELA DE URGÊNCIA.NÃO
COMPROVAÇÃO DOFUMUS BONI IURIS. RECURSO DESPROVIDO.
I.Nos termos do artigo 294 do CPC, “a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência”, sendo que, conforme preveem os artigos 300 e 311 do CPC:Art. 300.A tutela de
urgênciaserá concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e
o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1oPara a concessão da tutela de
urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir
os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte
economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2º A tutela de urgência pode ser
concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3º A tutela de urgência de natureza
antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da
decisão. (g.n.)Art. 311.A tutela da evidênciaserá concedida, independentemente da
demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:I - ficar
caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;II - as
alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada
em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;III - se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que
será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;IV - a petição
inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a
que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.Parágrafo único. Nas hipóteses
dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.(g.n.)
II. Nesse sentido, tratando-se o pedido formulado pela agravante de tutela de urgência, mister
se faz a demonstração, pela parte postulante, da probabilidade do direito e do perigo de dano
ou do risco ao resultado útil do processo.
II. Por probabilidade do direito, deve-se entender a subsunção clara e inequívoca da norma
geral e abstrata ao caso individual e concreto debatido nos autos, não dispensando ao órgão
julgador maiores aprofundamentos sobre a matéria, mormente porquanto a análise que se faz,
em tal momento, é de cognição sumária do mérito.Cumpre destacar que a finalidade precípua
de tal remédio processual é, em apertada síntese, assegurar que a parte que efetua o pedido
potencialmente procedente não será prejudicada por eventual morosidade dos trâmites
processuais, evitando, assim, que, neste ínterim, obtenha algum dano ou que haja prejuízo à
tutela final.
III. Consigne-se, ainda, que a norma processual civil estabelece mais um requisito para a
concessão da tutela de urgência, qual seja, a reversibilidade dos efeitos da decisão (artigo 300,
parágrafo 3º, CPC), sendo possível, em determinadas hipóteses, a responsabilização por
prejuízos que a efetivação da tutela causar à parte adversa (artigo 302 do CPC).
IV. De todo o exposto, conclui-se que a tutela antecipada em caráter de urgência se configura
medida excepcional no sistema jurídico vigente, razão pela qual deve ser deferida somente em
hipóteses restritas, nas quais restar demonstrada, de forma patente, o preenchimento dos
requisitos retromencionados.
V. No caso dos autos, em análise perfunctória, como é próprio em avaliação de tutela
antecipada, não se constata a probabilidade do direito de forma inequívoca, inexistindo provas
contundentes da ocorrência de fraude na contratação de empréstimos consignados,
registrando-se que a questão posta sob análise demanda avaliação das provas, respeito ao
contraditório e à ampla defesa e cognição exauriente para que o Poder Judiciário possa,
somente então, definir sobre a procedência ou não do pleito formulado em petição
inicial.Sobreleva assinalar que não se trata de negativa ao pedido efetuado pela parte, mas
reconhecimento de que, em sede de urgência, através de cognição sumária, não se encontra
preenchida a necessidade de tutela judicial antecipada.
VI. Agravo de instrumento desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por
maioria, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do senhor
Desembargador Federal relator, acompanhado pelo voto do senhor Desembargador Federal
Helio Nogueira; vencido o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, que dava provimento
ao agravo de instrumento, deferia a tutela de urgência e determinava à CEF que promovesse a
suspensão da consignação dos descontos dos contratos indicados na inicial do benefício da
autora, comprovando-a no prazo de cinco dias a contar da intimação da presente decisão, sob
pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por desconto posterior a tal prazo, limitada a 15
(quinze) meses; e se abstivesse de inserir o nome da autora em cadastros de proteção ao
crédito ou protestos e de cobrá-las pelos contratos indicados na inicial, sob pena de multa de
R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento, limitada a 30 (trinta) dias, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
