
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5032689-84.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: MARIA JOSE JUNQUEIRA
Advogado do(a) AGRAVADO: FRANK DA SILVA - SP370622-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5032689-84.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: MARIA JOSE JUNQUEIRA
Advogado do(a) AGRAVADO: FRANK DA SILVA - SP370622-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de decisão proferida no processo nº 5003259-41.2018.4.03.6183. Nas suas dobras, em sede de cumprimento de sentença, busca obter de Maria José Junqueira o pagamento de honorários advocatícios. Investe contra a decisão que determinou a liberação de quantia constrita da conta da executada, via SISBAJUD, no total de R$ 20.445,83 (id. nº 308532914 do feito subjacente).
O INSS aduz ser descabida a impenhorabilidade dos valores bloqueados da segurada ao argumento do caráter alimentar do crédito (honorários sucumbenciais).
Pedido de efeito suspensivo indeferido (id. nº 290573631).
Sem contraminuta, os autos retornaram ao Gabinete.
É o relatório
9ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5032689-84.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: MARIA JOSE JUNQUEIRA
Advogado do(a) AGRAVADO: FRANK DA SILVA - SP370622-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Agravo admitido com fundamento no parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
A controvérsia emoldurada instiga a verificação da possibilidade de penhorar valores advindos de pagamentos de benefício previdenciário para pagamento de dívida de honorários sucumbenciais.
As cláusulas de impenhorabilidade encontram-se descritas no artigo 833 do Código de Processo Civil, verbis:
"Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
§ 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária".
Verifica-se do dispositivo a presença de exceções à impenhorabilidade, a saber: (i) a constrição pode recair sobre o próprio bem que originou a dívida (§ 1º); (ii) há a possibilidade da penhora das verbas remuneratórias e depósitos em poupança, quando o débito referir-se a prestação alimentícia (§ 2º).
Ao se cuidar de excepcionalidade à regra descrita no § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil, seus contornos foram definidos pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.815.055/SP.
Aludido julgado realizou a diferenciação entre a natureza jurídica das expressões "natureza alimentar" e "prestação alimentícia" e concluiu pela interpretação restritiva da exceção, a incidir apenas quando os valores do débito referirem-se aos alimentos decorrentes de vínculo familiar, devidos para aquele que não pode prover por si a subsistência. Eis o preceito que se tira do acórdão em comento:
"RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR. EXCEÇÃO DO § 2º DO ART. 833. PENHORA DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. DIFERENÇA ENTRE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA E VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de indenização, na fase de cumprimento de sentença para o pagamento dos honorários advocatícios, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 12/02/2019 e atribuído ao gabinete em 18/06/2019.
2. O propósito recursal é decidir se o salário do devedor pode ser penhorado, com base na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/15, para o pagamento de honorários advocatícios, por serem estes dotados de natureza alimentar, nos termos do art. 85, § 14, do CPC/15.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15.
4. Os termos "prestação alimentícia", "prestação de alimentos" e "pensão alimentícia" são utilizados como sinônimos pelo legislador em momentos históricos e diplomas diversos do ordenamento jurídico pátrio, sendo que, inicialmente, estavam estritamente relacionados aos alimentos familiares, e, a partir do CC/16, passaram a ser utilizados para fazer referência aos alimentos indenizatórios e aos voluntários.
5. O termo "natureza alimentar", por sua vez, é derivado de "natureza alimentícia", o qual foi introduzido no ordenamento jurídico pela Constituição de 1988, posteriormente conceituado pela EC nº 30/2000, constando o salário como um dos exemplos.
6. Atento à importância das verbas remuneratórias, o constituinte equiparou tal crédito ao alimentício, atribuindo-lhe natureza alimentar, com o fim de conceder um benefício específico em sua execução, qual seja, a preferência no pagamento de precatórios, nos termos do art. 100, § 1º, da CRFB.
7. As verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à subsistência do credor, não são equivalentes aos alimentos de que trata o CC/02, isto é, àqueles oriundos de relações familiares ou de responsabilidade civil, fixados por sentença ou título executivo extrajudicial.
8. Uma verba tem natureza alimentar quando destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia aquela devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que, necessariamente, deles depende para sobreviver.
9. As verbas remuneratórias, destinadas, em regra, à subsistência do credor e de sua família, mereceram a atenção do legislador, quando a elas atribuiu natureza alimentar. No que se refere aos alimentos, porque revestidos de grave urgência - porquanto o alimentando depende exclusivamente da pessoa obrigada a lhe prestar alimentos, não tendo outros meios para se socorrer -, exigem um tratamento mais sensível ainda do que aquele conferido às verbas remuneratórias dotadas de natureza alimentar.
10. Em face da nítida distinção entre os termos jurídicos, evidenciada pela análise histórica e pelo estudo do tratamento legislativo e jurisprudencial conferido ao tema, forçoso concluir que não se deve igualar verbas de natureza alimentar às prestações alimentícias, tampouco atribuir àquelas os mesmos benefícios conferidos pelo legislador a estas, sob pena de enfraquecer a proteção ao direito, à dignidade e à sobrevivência do credor de alimentos (familiares, indenizatórios ou voluntários), por causa da vulnerabilidade inerente do credor de alimentos quando comparado ao credor de débitos de natureza alimentar.
11. As exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a penhora dos bens descritos no art. 833, IV e X, do CPC/15, e do bem de família (art. 3º, III, da Lei 8.009/90), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, como não se estendem às demais verbas apenas com natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos que cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos, e a tantas outras categorias.
12. Recurso especial conhecido e não provido"
(REsp n. 1.815.055/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 3/8/2020, DJe de 26/8/2020).
No mesmo sentido: AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.707.414/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 25/10/2023; AgInt no REsp n. 2.065.993/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 11/10/2023; AgInt no REsp n. 1.944.015/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 1/9/2023;AgInt no REsp n. 2.004.502/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023.
Nesses termos, os honorários advocatícios, embora constituam verba de natureza alimentar, não têm natureza de "prestação alimentícia" para efeito de excepcionar a regra da impenhorabilidade prevista no artigo 833 do CPC.
Deste modo, a decisão agravada deve ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. VALORES DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DÍVIDA DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. DIFERENÇA ENTRE "NATUREZA ALIMENTAR" E "PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA.
I - Controvérsia que instiga a verificação da possibilidade de penhorar valores advindos de pagamento de benefício previdenciário para honrar dívida de honorários sucumbenciais.
II - Os proventos de aposentadoria são impenhoráveis, exceto se a constrição recair sobre o próprio bem que originou a dívida e quando o débito referir-se a prestação alimentícia. Art. 833 do CPC.
III - Há diferenciação entre a natureza jurídica das expressões "natureza alimentar" e "prestação alimentícia", cabendo interpretação restritiva à exceção, a incidir apenas quando os valores do débito referirem-se aos alimentos decorrentes de vínculo familiar, devidos para aquele que não pode prover por si a subsistência.
IV - Os honorários advocatícios, embora constituam verba de natureza alimentar, não têm natureza de "prestação alimentícia" para efeito de excepcionar a regra da impenhorabilidade prevista no artigo 833 do CPC. Precedentes.
V - Agravo de instrumento não provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
