
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033835-76.2013.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: EDILEUZA MARIA DA CONCEICAO MARIN
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTUR BENTO - SP196740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033835-76.2013.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: EDILEUZA MARIA DA CONCEICAO MARIN
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTUR BENTO - SP196740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):
Trata-se de agravo interposto na vigência do CPC/73 (art. 557, § 1º) contra a decisão monocrática que, nos autos da ação visando à concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de serpessoa portadora de deficiência
e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, negou seguimento à apelação.O Ministério Público Federal não foi intimado dessa decisão (ID 104275452 – Págs. 189/194).
Devidamente intimada, a demandante agravou, pleiteando a reforma da decisão. Houve o julgamento do recurso, mantendo a improcedência do pedido, com acórdão proferido em 3/11/14.
Posteriormente, em 3/2/15, foi dada a vista dos autos ao Parquet Federal (ID 104275452 - Pág. 210).
Agravou o Ministério Público Federal, alegando em breve síntese:
- a comprovação do requisito da miserabilidade, uma vez que os filhos da demandante não integram o núcleo familiar para fins de concessão do benefício assistencial, não devendo ser computados seus rendimentos para o cálculo da renda mensal da família, bem como não residem sob o mesmo teto.
Requer seja reconsiderada a R. decisão agravada.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0033835-76.2013.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: EDILEUZA MARIA DA CONCEICAO MARIN
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ARTUR BENTO - SP196740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Desembargador Federal Newton De Lucca (Relator):
No tocante à matéria impugnada, e conforme constou da R. decisão agravada, dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de 7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 08/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da Assistência Social supra mencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência
ou
considerada idosae
, emambas
as hipóteses, que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos, prevista no caput do art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o
Recurso Extraordinário nº 567.985/MT
, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição
.A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'
. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993
. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento
."(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no
Recurso Especial Repetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9),
in verbis:"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09, v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma,
pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos
.
Passo à análise do caso concreto.
Com relação à alegada miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/10/11, data em que o salário mínimo era de R$ 545,00 reais) demonstra que a parte autora vive sozinha em casa alugada, com 5 cômodos (2 quartos, sala, cozinha e banheiro). "A casa é de alvenaria e os cômodos são amplos e bem arejados, a fiação elétrica e saneamento básico são bons. Nos fundos contém a lavanderia simples e pequena. Aparentemente é uma casa para a sobrevivência de uma só pessoa" (fls. 114). A autora não possui renda, no entanto, recebe ajuda financeira de seus 2 filhos: a filha Patrícia ajuda a autora com R$300,00 mensais e o filho Patrício com R$200,00 mensais. Os gastos mensais totalizam
R$654,00
, sendo R$250,00 em aluguel, R$185,00 em medicamentos, R$39,00 em gás de cozinha, R$30,00 em energia elétrica e R$150,00 em alimentação.Portanto, no presente caso, não ficou comprovado que a parte autora não possui condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Quadra ressaltar que, não obstante a renda familiar ser proveniente dos rendimentos dos filhos da demandante e não residirem sob o mesmo teto, as provas dos autos demonstram não haver a comprovação da alegada miserabilidade da parte autora.
Cumpre registrar, por oportuno, que a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no sentido de que a ajuda financeira prestada pelos filhos à requerente deve ser levada em consideração para a análise da miserabilidade
(TRF - 3ª Região, AC nº 2001.61.83.002360-9, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. em 15/12/08, v.u., DJU de 27/01/09).Considerando que, no agravo, não foi apresentado nenhum fundamento apto a alterar a decisão impugnada, forçoso manter-se o posicionamento adotado.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
E M E N T A
AGRAVO (ART. 557, § 1º, DO CPC/73). ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA.
I- In casu, a parte autora não comprovou estar destituída dos meios necessários para prover a sua subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
III- Com relação à alegada miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 20/10/11, data em que o salário mínimo era de R$ 545,00 reais) demonstra que a parte autora vive sozinha em casa alugada, com 5 cômodos (2 quartos, sala, cozinha e banheiro). "A casa é de alvenaria e os cômodos são amplos e bem arejados, a fiação elétrica e saneamento básico são bons. Nos fundos contém a lavanderia simples e pequena. Aparentemente é uma casa para a sobrevivência de uma só pessoa" (fls. 114). A autora não possui renda, no entanto, recebe ajuda financeira de seus 2 filhos: a filha Patrícia ajuda a autora com R$300,00 mensais e o filho Patrício com R$200,00 mensais. Os gastos mensais totalizam
R$654,00
, sendo R$250,00 em aluguel, R$185,00 em medicamentos, R$39,00 em gás de cozinha, R$30,00 em energia elétrica e R$150,00 em alimentação.IV- Portanto, no presente caso, não ficou comprovado que a parte autora não possui condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Quadra ressaltar que, não obstante a renda familiar ser proveniente dos rendimentos dos filhos da demandante e não residirem sob o mesmo teto, as provas dos autos demonstram não haver a comprovação da alegada miserabilidade da parte autora.
Cumpre registrar, por oportuno, que a jurisprudência desta E. Corte é pacífica no sentido de que a ajuda financeira prestada pelos filhos à requerente deve ser levada em consideração para a análise da miserabilidade
(TRF - 3ª Região, AC nº 2001.61.83.002360-9, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. em 15/12/08, v.u., DJU de 27/01/09).V- Não preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei nº 8.742/93, não há de ser o mesmo concedido.
VI- Agravo improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
