
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0042731-69.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARIDA DE LURDES ZACARIAS
Advogado do(a) APELADO: NATALIA FERNANDES BOLZAN DE ANDRADE - SP299697-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0042731-69.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARIDA DE LURDES ZACARIAS
Advogado do(a) APELADO: NATALIA FERNANDES BOLZAN DE ANDRADE - SP299697-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo interposto pelo INSS em face da decisão que não conheceu da apelação, por ser intempestiva, na qual sustentou a impossibilidade de contagem de tempo de serviço antes de 1991, a necessidade de recolhimento de contribuições e a perda da qualidade de segurado, pedindo a improcedência da ação ou, em caso de manutenção da condenação, que os juros de mora fossem fixados de acordo com os índices oficiais aplicados à caderneta de poupança, o termo inicial do benefício fosse fixado na data da citação, a observância da prescrição quinquenal e que os honorários advocatícios fossem fixados de acordo com a Súmula 111 do STJ.
O INSS alega que seu recurso é tempestivo, considerando o disposto no artigo 183 do CPC/15, e que possui prazo em dobro para recorrer.
Requer o acolhimento do presente agravo interno, para que, em juízo de retratação, este Relator modifique sua decisão monocrática, ou, em caso negativo, requer que seja levado para julgamento pelo órgão colegiado, inclusive com prequestionamento dos dispositivos indicados.
Subsidiariamente, requer seja o presente recurso conhecido como embargos de declaração, considerando o princípio da fungibilidade recursal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0042731-69.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARIDA DE LURDES ZACARIAS
Advogado do(a) APELADO: NATALIA FERNANDES BOLZAN DE ANDRADE - SP299697-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, verifico que a decisão precisa ser reanalisada, o que passo a fazer a seguir, em juízo de retratação.
De acordo com o artigo 183 do CPC/15:
“Art. 183: A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º - A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.”
No caso, o procurador do INSS teve ciência da sentença quando fez carga dos autos, em 21/01/2016, conforme certidão ID 86124641, pág. 81.
Considerando que o INSS possui prazo em dobro para recorrer, o recurso por ele interposto em 17/02/2016 (ID 86124641, pág. 84) é tempestivo.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação do INSS.
Primeiramente, não conheço dos pedidos de fixação do termo inicial do benefício na data da citação nem de fixação dos honorários de advogado de acordo com a Súmula 111 do STJ, por ausência de interesse recursal.
Considerando que o termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, não se pode falar em prescrição quinquenal.
Com efeito, consoante o disposto no artigo 48, § 1º da Lei n.º 8213, de 24 de julho de 1991, para a obtenção da aposentadoria rural por idade, é necessário que o homem tenha completado 60 anos e a mulher, 55 anos.
No artigo 142 da mencionada lei consta uma tabela relativa à carência, considerando-se o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
Por sua vez, o artigo 143 do mesmo diploma legal, com redação determinada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, estabelece que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
A Lei nº 11.718/2008 prorrogou o termo final do prazo para 31 de dezembro de 2010, aplicando-se esta disposição, inclusive, para o trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego (art. 2º, caput e parágrafo único).
Observe-se que após o período a que se referem esses dispositivos, além do requisito etário, será necessário o cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que dispõe o artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991.
O legislador, para promover esta transição ao sistema contributivo, possibilitou ao empregado rural e contribuinte individual, na concessão da aposentadoria por idade, para efeito de carência, que cada mês comprovado de emprego, de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, seja multiplicado por 3, limitado a 12 dentro do mesmo ano e no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, que cada mês de emprego seja multiplicado por 2, limitado a 12 meses dentro do mesmo ano.
Assim, para os empregados rurais (boias-frias/volantes), o exercício de atividade rural será computado para efeito de carência nos moldes do art. 143 da Lei de Benefícios, até 31/12/2010. Após esta data, se não atingido o número de meses necessário, deverá atender ao art. 3º, incisos II e III, da Lei nº 11.718/2008.
Em relação aos segurados especiais, não incidem as limitações acima.
O artigo 39 da Lei n.º 8.213/91 prevê os benefícios devidos ao segurado especial. Estabelece, ainda, que para a obtenção da aposentadoria por idade, o segurado especial deverá comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência, conforme preceitua o artigo 39, inciso I, da lei mencionada. Em outras palavras, não é exigido o cumprimento de carência do segurado especial, mas o efetivo exercício de atividade rural, na forma especificada no dispositivo em comento.
O conceito de segurado especial é dado pelo artigo 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91. A Lei n.º 11.718, de 20 de junho de 2008, estendeu ao seringueiro ou extrativista vegetal (que labore na forma do art. 2º, caput, inciso XII da Lei n.º 9.985/2000), bem como ao pescador artesanal ou a este assemelhado a condição de segurado especial.
O §1º do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91 define o regime de economia familiar. É possível ao segurado especial valer-se de empregados contratados, em épocas de safra, por no máximo 120 (cento e vinte) dias, nos termos do §7º do artigo acima referido. Por outro laudo, o §8º descreve determinadas atividades que não descaracterizam a condição de segurado especial, enquanto os incisos do §9º trazem um rol dos rendimentos que podem ser auferidos por membro do grupo familiar, sem que este perca sua condição de segurado especial.
Ressalte-se que o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1.354.908/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de exigir que o segurado especial esteja laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, tenha preenchido de forma concomitante os requisitos no passado (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Conclui-se, portanto, que para a concessão da aposentadoria por idade rural são necessários os requisitos: idade mínima e prova do exercício da atividade laborativa pelo período previsto em lei, no período imediatamente anterior ao que o segurado completa a idade mínima para se aposentar.
Nos termos da Súmula de nº 149 do STJ, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
A idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação pessoal da autora, nascida em 24/05/59.
Para comprovar as suas alegações, a autora apresentou cópia da sua CTPS, na qual constam vínculos rurais descontínuos de 1974 a 1997.
A anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode, assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo.
A simples alegação de irregularidade nas anotações constantes da CPTS não é suficiente para desconsiderá-las. Caberia à autarquia comprovar a existência de fraude ou falsidade, o que não ocorreu.
Contudo, observo que há um grande lapso de tempo de sem início de prova material da atividade rural (não há início após 1997).
Tendo em vista que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural pelo período previsto em lei, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no processo previdenciário, no qual se pleiteia aposentadoria por idade dos rurícolas, implica em extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em que pese a posição contrária deste relator, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida. A questão referente à eventual devolução dos valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, dou provimento ao agravo interno para conhecer da apelação, por ser tempestiva, e de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp 1352721/SP), restando prejudicado o recurso. Em consequência, revogo a tutela antecipada.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DO INSS. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. APELAÇÃO TEMPESTIVA. ADMISSÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL EM RELAÇÃO AO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO E FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. Considerando que o procurador do INSS teve ciência da sentença quando fez carga dos autos, e que possui prazo em dobro para recorrer, a apelação por ele interposta é tempestiva. Recurso admitido, em juízo de retratação.
2. Pedidos de fixação do termo inicial do benefício na data da citação e de fixação dos honorários de advogado de acordo com a Súmula 111 do STJ não conhecidos, por ausência de interesse recursal.
3. O STJ, no RE 1352721/SP, decidiu que nos processos em que se pleiteia a concessão de aposentadoria por idade, a ausência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. A questão referente à eventual devolução dos valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
6. Agravo interno provido para conhecer da apelação, por ser tempestiva. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, restando prejudicado o recurso. Tutela antecipada revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, dar provimento ao agravo interno para conhecer da apelação, por ser tempestiva, e de ofício, julgar extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp 1352721/SP), restando prejudicado o recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
