Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002161-90.2011.4.03.6106
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/07/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO.
VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. TEMA 979 DO STJ.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, como bem fundamentado na decisão agravada, a manutenção do benefício a partir de
29/11/2010 deu-se, tão somente, devido ao equívoco do INSS em manter o benefício ativo,
mesmo após a realização da perícia médica, em que ficou evidenciada a recuperação laborativa
da segurada.
- Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Agravo interno desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002161-90.2011.4.03.6106
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR MOREIRA - SP219438-N
APELADO: ELISABETE HONORATO MARCOS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS HENRIQUE MARTINELLI ROSA - SP224707-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002161-90.2011.4.03.6106
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR MOREIRA - SP219438-N
APELADO: ELISABETE HONORATO MARCOS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS HENRIQUE MARTINELLI ROSA - SP224707-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo interno interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS em face de decisão monocrática, que negou provimento ao recurso da autarquia, para
manter a r. sentença recorrida, que julgou procedente o pedido para declarar nula a cobrança
em devolução dos valores pagos a parte autora a título de auxílio-doença, no período de
30/11/2010 a 28/02/2011, e para declarar inexistente o respectivo débito, conforme ali
fundamentado.
Em suas razões recursais, sustenta a autarquia federal que a controvérsia discutida nos autos
deve ser analisada pela E. Turma. Aduz serem repetíveis os valores indevidamente pagos pelo
INSS à segurada, mesmo de boa-fé, sob pena de enriquecimento ilícito da credora.
A parte autora apresentou contrarrazões.
Foi determinada a suspensão do feito, nos termos do Ofício 36/16 da E. Vice-Presidência desta
Corte.
Diante do julgamento do Tema 979 (REsp 1.381.734/RN) pelo e. Superior Tribunal de Justiça,
houve o levantamento do feito e os autos vieram conclusos.
É o relatório.
ab
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002161-90.2011.4.03.6106
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR MOREIRA - SP219438-N
APELADO: ELISABETE HONORATO MARCOS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS HENRIQUE MARTINELLI ROSA - SP224707-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Não sendo o caso de retratação, levo o presente agravo interno a julgamento pela Turma, com
inclusão em pauta.
Trago à colação a decisão agravada proferida, in verbis:
“Trata-se de ação ajuizada por ELISABETE HONORATO MARCOS, visando que seja
declarada a inexigibilidade dos valores correspondentes ao benefício previdenciário de auxílio-
doença nº 31/502.569.225-0, tidos como indevidos a partir de 29-11-2010, em razão de
reavaliação por perícia médica que constatou a sua recuperação para o trabalho, realizada na
seara administrativa.
Foi indeferido o pedido de tutela antecipada (fls. 21).
A r. sentença julgou procedente o pedido para declarar nula a cobrança em devolução dos
valores pagos a parte autora a título de auxílio-doença, no período de 30/11/2010 a 28/02/2011,
e para declarar inexistente o respectivo débito. Condenou a parte ré a pagar ao pagamento de
honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado.
Sem custas. Determinou, ainda, a intimação do INSS para suspensão da cobrança, no prazo de
15 (quinze) dias.
Inconformada, apela a autarquia, em que alega a possibilidade da cobrança para restituição ao
erário dos valores recebidos indevidamente pela autora, após a constatação da recuperação da
sua capacidade laborativa por perícia médica. Aduz que o recebimento de boa-fé não afasta a
necessidade de devolução, sob negativa de vigência à disposição contida do artigo 115 da Lei
n.º 8.213/91.
Subiram os autos a esta instância para decisão.
É o sucinto relato.
DECIDO.
"Inicialmente, registra-se que os recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a
decisão publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de
admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2, aprovado pelo
Plenário do STJ em 09/03/2016) - (Resp. 1.578.539/SP)
Vistos na forma do art. 932 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
Conforme se verifica dos autos, a parte autora estava em gozo do benefício de auxílio-doença
(NB 31/502.569.225-0), desde 20/06/2005 (fls. 15/16).
Em 29/11/2010, foi realizada perícia médica, em que ficou constatada a recuperação da
capacidade laborativa da parte autora e, por conseguinte, lhe foi enviado ofício de cobrança
pelo INSS relativo à devolução dos valores recebidos indevidamente a título de auxílio-doença,
no período de 30/11/2010 a 28/02/2011, no importe de R$1.384,41 (um mil, trezentos e oitenta
e quatro reais e quarenta e um centavos), posteriormente atualizados para R$2.067,54 (dois
mil, sessenta e sete reais e cinquenta e quatro centavos), conforme ofícios de n.ºs 340/2011 e
1.124/2011, nas fls. 18 e 148 dos autos, respectivamente.
Passo à análise.
Em que pese os argumentos da autarquia, constata-se que a manutenção do benefício a partir
de 29/11/2010 deu-se, tão somente, devido ao equívoco do INSS em manter o benefício ativo,
mesmo após a realização da perícia médica, em que ficou evidenciada a recuperação laborativa
da segurada.
Assim, torna-se descabida a pretensão do ente autárquico de penalizar a parte autora pela
mora no procedimento de cessação do benefício. Ademais, em se tratando de benefício de
natureza alimentar, afasta-se a obrigatoriedade da restituição de valores recebidos
indevidamente, salvo comprovada má-fé do segurado, o que não é o caso dos autos.
A natureza alimentar do crédito cobrado pelo INSS à Autora é inquestionável, bem como é
inquestionável que o pagamento foi feito por erro da administração e recebidos
inconscientemente pela autora, portanto, de boa-fé.
Cabe destacar que o art. 115, inc. II, da Lei nº 8.213/91, contempla a possibilidade de
descontos de pagamento de benefício além do devido, consoante in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
III - Imposto de Renda retido na fonte;
IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial;
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente
reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má- fé " (g.n).
No entanto, cabe interpretar, em cotejo com o objetivo da norma em questão, ou seja, diante da
sua finalidade principal, qual seria o alcance da expressão "podem ser descontados", que
sugere uma prerrogativa própria da administração pública, vale dizer, um permissivo legal
precedido de juízo discricionário e não o poder-dever de descontar a qualquer custo, sem a
possibilidade de atentar-se para a forma mais justa e eficiente de se proceder.
Dentre os princípios e objetivos da Previdência Social, estampados nos dispositivos inaugurais
da mesma lei previdenciária invocada, estão a garantia aos beneficiários, dos "meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade
avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem
dependiam economicamente" (art. 1º); "a irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a
preservar-lhes o poder aquisitivo" e o estabelecimento do valor da renda mensal dos benefícios
em patamar nunca inferior ao do salário mínimo (art. 2º, V e VI).
No presente caso, exigir do beneficiário a devolução dos valores percebidos no interstício de
30/11/2010 a 28/02/2011 é ônus que se afasta da razoabilidade e proporcionalidade e, em
última ratio, da própria legalidade, princípio que rege a conduta da Administração Pública.
É de se observar, outrossim, conforme já explicitado, o benefício previdenciário fora pago por
equívoco administrativo em sua manutenção e, portanto, recebido de boa-fé, possuindo seus
valores natureza nitidamente alimentar e, por conta de tal característica, insuscetíveis de
repetição.
Neste sentido a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o AgRg no Agravo
em Recurso Especial nº 470.484-RN (2014/0028138-6) - Relator Ministro Herman Benjamin, à
unanimidade, entendeu, in verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.
VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por
pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração.
2. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT,
julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores
recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
3. Agravo Regimental não provido."
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade,
negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e
Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 22 de abril de 2014(data do
julgamento).
Ainda, cito no mesmo sentido julgado das Primeira e Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. (I) EQUÍVOCO ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ PELA SEGURADA. CARÁTER
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. (II) INAPLICABILIDADE DO ART. 97 DA CF. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Diante do caráter social das normas previdenciárias, que primam pela proteção do
Trabalhador Segurado da Previdência Social, os pleitos previdenciários devem ser julgados no
sentido de amparar a parte hipossuficiente.
2. Em face da natureza alimentar do benefício e a condição de hipossuficiência da parte
segurada, torna-se inviável impor-lhe o desconto de seu já reduzido benefício, comprometendo,
inclusive, a sua própria sobrevivência.
3. Em caso semelhante, a 1a. Seção/STJ, no julgamento do REsp. 1.244.182/PB,
representativo de controvérsia, manifestou-se quanto à impossibilidade de restituição de valores
indevidamente recebidos por servidor público quando a Administração interpreta erroneamente
uma lei.
4. Não houve (e não há necessidade de) declaração, sequer parcial, de inconstitucionalidade
dos arts. 115 da Lei 8.213/91, 273, § 2o., e 475-O, do CPC, sendo despropositada a
argumentação em torno do art. 97 da CF.
5. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 395.882 - RS (2013/0310079-1, 1ª Turma,
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, D.: 22 de abril de 2014).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMPUGNAÇÃO DE CÁLCULOS. AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO
NA VIA ADMINISTRATIVA E APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
CONCEDIDA NA VIA JUDICIAL. INACUMULABILIDADE DOS BENEFÍCIOS. OBSERVÂNCIA
DO ART. 124, I, DA LEI 8.213/1991. DESCONTO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE
AUXÍLIO-DOENÇA EM PERÍODO COINCIDENTE COM ACRÉSCIMO DE JUROS DE MORA.
DESCABIMENTO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO.
1. A questão do recurso especial gira em torno do cabimento dos descontos propostos pelo
INSS em cálculo de liquidação de sentença, considerando o disposto no art. 124, I, da Lei
8.213/1991, que impede o recebimento conjunto de aposentadoria com auxílio-doença, bem
como o disposto no art. 115, II, da Lei 8.213/1991, acerca de desconto em folha de valores
pagos ao segurado a maior.
2. A jurisprudência do STJ é no sentido de ser desnecessária a devolução, pelo segurado, de
parcelas recebidas a maior, de boa-fé, em atenção à natureza alimentar do benefício
previdenciário e à condição de hipossuficiência da parte segurada.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.431.725 - RS (2014/0015907-9, 2ª Turma, RELATOR :
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, D.: 15 de maio de 2014)
Reitere-se que, no caso em questão, os valores foram recebidos indevidamente pela autora em
virtude de procedimento administrativo que manteve o benefício ativo, razão pela qual não se
aplica o entendimento firmado pelo STJ nas hipóteses de recebimento de benefício por força de
tutela antecipada posteriormente revogada (REsp 1.401.560/MT e REsp 1.384.418/SC).
Ademais, entendo que deve ser prestigiada, quanto ao tema, a posição sedimentada na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido da irrepetibilidade de valores de
benefício previdenciário recebidos de boa-fé pelo segurado. Nesse sentido:
'AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO.
RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A
BENEFICIÁRIO DE BOA-FÉ: NÃO OBRIGATORIEDADE. PRECEDENTES.
INADMISSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTO NO AGRAVO REGIMENTAL.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.'
(STF, Recurso Extraordinário nº 633.900/BA, Primeira Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia,
julgado em 23-03-2011, DJe em 08-04-2011)
Desta forma, conclui-se ser indevida a pretensão do ente autárquico em efetuar a cobrança dos
valores indevidamente recebidos pela autora a título de auxílio-doença, no período de
30/11/2010 a 28/02/2011.
Cumpre salientar, diante de todo o explanado, que a r. sentença de primeiro grau não ofendeu
qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao prequestionamento suscitado pelo Instituto
Autárquico.
Ante o exposto, nos termos do art. 932 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), nego
provimento àapelação, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida.”
CONSIDERAÇÕES AO CASO CONCRETO
Aduz o INSS, em seu agravo interno, serem repetíveis os valores indevidamente pagos pelo
INSS à segurada, sem qualquer restrição quanto ao fato das quantias terem sido recebidas de
boa-fé.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
CONCLUSÃO
Conforme amplamente explanado na decisão recorrida, a manutenção do benefício a partir de
29/11/2010 deu-se, tão somente, devido ao equívoco do INSS em manter o benefício ativo,
mesmo após a realização da perícia médica, em que ficou evidenciada a recuperação laborativa
da segurada.
Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO
. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. TEMA 979 DO STJ.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, como bem fundamentado na decisão agravada, a manutenção do benefício a partir de
29/11/2010 deu-se, tão somente, devido ao equívoco do INSS em manter o benefício ativo,
mesmo após a realização da perícia médica, em que ficou evidenciada a recuperação laborativa
da segurada.
- Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Agravo interno desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
