
| D.E. Publicado em 10/05/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0022822-12.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de agravo interno interposto em face da decisão monocrática de f. 180/184, que dou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, para julgar improcedente o pedido de concessão de benefício de amparo social à parte autora.
Requer o Ministério Público Federal a reforma do julgado, alegando que está presente o requisito da miserabilidade, devendo ser concedido o benefício.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do recurso, nos termos do artigo 1.021 e §§ do Novo Código de Processo Civil.
Alega o Ministério Público Federal que, mesmo com o rendimento obtido pela família da parte autora, ela faz jus ao benefício por ser miserável no sentido legal.
Assim, a questão controvertida resume-se ao requisito da hipossuficiência, pois na decisão monocrática foi reconhecida a condição de pessoa com deficiência da parte autora.
Vejamos.
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013, com repercussão geral).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Vamos adiante.
Passo à reanálise dos fatos trazidos a julgamento.
O estudo social, realizado em 20/8/2012, demonstra que a autora vive em casa alugada da CDHU, com prestação de R$ 116,00 (cento e dezesseis reais) por mês. A casa é dotada de sistema de água (R$ 35,00 ao mês), energia elétrica (R$ 45,00 ao mês) e telefone (R$ 60,00).
A testemunha Azemar Moreira de Souza declarou que a renda familiar da autora é baixa e eles passam necessidades. Disse que a autora tem problemas de saúde, assim como marido pintor, que não poderia trabalhar por conta de problema no joelho. Tal contexto, todavia, não foi apontado no estudo social nem alegado pela autora na petição inicial (f. 126).
Segundo o estudo social, a autora vive com o marido Roberto de Angelis (pintor de parede, então autônomo, sem renda fixa), três filhos (com idades de 23, 18 e 12 anos) e uma neta de 7 anos de idade, mas esta última não compõe a família para fins de apuração da renda (artigo 20, § 2º, da LOAS).
A autora informou que o marido ganhava um salário mínimo por mês, mas tal informação não pode ser confirmada, pois um bom pintor de paredes pode ganhar muito mais que isso.
Aliás, quando empregado no Hospital de Olhos Lions "Manoel Dante Buscardi", Roberto de Angelis percebeu R$ 2.982,70 em 11/2015 e R$ 3.534,20 em 12/2005.
Consta que a filha da autora Renata Aparecida de Angelis, então com 23 anos, estudava faculdade de pedagogia, com bolsa integral. Consta do CNIS que entre 07/8/2013 e 05/9/2013 ela esteve empregada na empresa Barros - Informática PPP; que entre 04/11/2013 e 01/02/2014, esteve empregada na Calçados Taguaritinga Ltda - EPP, e que desde 04/01/2016 está empregada na empresa CBC Cursos Profissionais Ltda - EPP, com remunerações entre R$ 982,08 e 1.080,00 ao mês.
O filho Rafael Rodrigues de Angelis, 18 anos, estudava no terceiro ano do ensino médio. Mas consta do CNIS que esteve empregado na empresa Frigorífico Marba Ltda, entre 01/2014 e 12/2014, com remunerações mensais situadas entre R$ 952,73 e R$ 1.137,41.
Enfim, a família da autora tem acesso aos mínimos sociais e não pode ser tachada de miserável.
Vale dizer, não se encontra em situação de vulnerabilidade social, exatamente porque a autora conta com o apoio financeiro do marido e dos filhos.
A autora, aliás, conquanto pessoa com deficiência, tem capacidade residual de trabalho, com possibilidade de realizar serviços leves, tanto que faz os serviços domésticos.
Com efeito, não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo.
No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal fixa-se no fato de em alguns meses não haver renda comprovada, mas o histórico de filiação do marido e filhos indica que, via de regra, a família não ficou sem renda, tanto que o pintor de parede realiza a grande parte de seus trabalhos na informalidade.
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto para, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
Nesse diapasão, já decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
Indevido o benefício, portanto.
Pelo exposto, conheço do agravo interno e lhe nego provimento.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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| Data e Hora: | 25/04/2017 15:18:31 |
