
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039856-29.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: N4 INVESTPAR PATRIMONIAL LTDA - ME
Advogado do(a) APELADO: HELEN THAIS GUIMARAES FRANCISCO - SP187962
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0039856-29.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: N4 INVESTPAR PATRIMONIAL LTDA - ME
Advogado do(a) APELADO: HELEN THAIS GUIMARAES FRANCISCO - SP187962
R E L A T Ó R I O
“Trata-se de embargos de terceiro, com pedido liminar, opostos por AGROPECUÁRIA SANCRISTINI Ltda. em face da UNIÃO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, objetivando a desconstituição da constrição e o cancelamento da arrematação da ½ (metade) ideal, correspondente a 50% (cinquenta por cento), do imóvel denominado "Fazenda Nossa Senhora da Salete", objeto da Matrícula nº 3.302 do Cartório de Registro de Imóveis de Queluz/SP, ocorridas nos autos da execução fiscal nº 0011062-89.2002.8.26.0156, ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a empresa "Distribuidora de Bebidas Cachoeira Paulista Ltda." e Outros (fls. 48/49).
Sustenta, em síntese, ser legítima proprietária do imóvel em questão desde maio de 1984, data de sua criação, quando referido bem passou a integrar o capital social da empresa, pela incorporação feita pelos antigos proprietários do bem e ex-sócios da embargante.
Alega que a transmissão do bem perante o registro de imóveis só não foi realizada pela desídia dos antigos proprietários e de inúmeras penhoras que recaíram sobre o bem, em casos análogos, que obstaram a expedição de certidões exigidas pelo CRI, o que levou a autora a propor ação de usucapião, em 29/08/2012, perante a Comarca de Queluz, a fim de obter a declaração de propriedade sobre o imóvel e assegurar seus direitos de domínio (proc. nº 0001355-22.2012.8.26.0488).
Porém, a despeito de tal fato, aludido imóvel é parte integrante dos bens e capital social da embargante, sendo, portanto, senhora e possuidora do mesmo, possuindo legitimidade para defesa de sua posse e propriedade, na forma do art. 1046, § 1º, do CPC.
Aduz ainda não possuir nenhum vínculo ou relação de qualquer espécie ou ordem com o fato gerador da execução subjacente, não podendo responder com seus bens pelos débitos do antigo proprietário do imóvel, ressaltando a arrematação do bem por preço vil (fls. 01/14).
A liminar foi deferida apenas para suspender eventuais atos expropriatórios do referido bem, e suspender sua arrematação através de hasta pública na Comarca de Queluz/SP (fls. 112).
Citada, a embargada impugnou os embargos, alegando ser parte ilegítima para o pedido, uma vez que o embargante propôs a ação em face da "Procuradoria da Fazenda Nacional - Seccional de Taubaté".
No mérito, argumentou, em síntese, que a transferência do imóvel à embargante, na forma de integralização de seu capital social, pelos proprietários originários, se deu como forma de blindagem do patrimônio destes, uma vez que continuaram na posse da fazenda, tratando-se, portanto, de simulação e fraude.
Anotou ainda que não existe registro da aludida alienação no Cartório de Registro de Imóveis de Queluz, o que legitimou a constrição do referido imóvel, a qual deve ser mantida, ante sua regularidade, o que também deve ser considerado quando da análise dos ônus da sucumbência (fls. 130/138).
Réplica a fls. 143/147.
A r. sentença de fls. 158/163, prolatada em 28/03/2017, rejeitou a alegação de ilegitimidade da embargada e julgou procedentes os embargos de terceiro, para afastar a constrição imposta sobre o imóvel em questão, determinando o cancelamento de todos os seus efeitos e, ainda, a nulidade dos atos de arrematação. Tornou definitiva a tutela de urgência, e extinguiu o processo, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC/2015. Ante a falta de registro da alienação do imóvel, à época da indicação do bem, deixou de impor condenação em ônus da sucumbência, arcando cada parte com suas custas e despesas processuais, bem como honorários de seus respectivos patronos.
A União Federal apelou pugnando, inicialmente, pela extinção do processo sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do NCPC/2015, ante a nítida ilegitimidade da Procuradoria da Fazenda Nacional, ente sem personalidade jurídica, para figurar no polo passivo da lide.
No mérito, aduziu, em resumo, a não comprovação da propriedade e posse do imóvel pela apelada, visto existir, inclusive, ação de usucapião ajuizada pela própria autora, o que afasta a validade do argumento do domínio. Alega que a posse não foi efetivamente comprovada, uma vez que o Juízo deixou de efetuar constatação na propriedade e na vizinhança, dando crédito a uma alegação sem provas, daí se verificando cerceamento de defesa.
Consignou também a existência de violação ao princípio da causalidade, diante da falta de condenação do embargante nos ônus da sucumbência, pleiteando, ao final, a anulação da sentença por afronta aos princípios da ampla defesa e contraditório, determinando-se a realização de diligências no imóvel para constatar quem são os possuidores, ou a reforma do julgado para impor à apelada os ônus da sucumbência (fls. 170/171).
Sem contrarrazões (fls. 178), subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
Decido.
De início, cumpre explicitar que o art. 932, incs. IV e V do CPC de 2015 confere poderes ao Relator para, monocraticamente, negar e dar provimento a recursos.
Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é
meramente exemplificativo
.Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero:
"Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia-se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas." ("Curso de Processo Civil", 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017)
Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos
Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).
Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com o seguinte teor: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". Veja-se que a expressão entendimento dominante aponta para a não taxatividade do rol em comento.
Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art. 1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO.
- O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação.
- O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial, não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal.
- Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal.
- Agravo improvido."
(TRF3, ApReeNec 00248207820164039999, Nona Turma, Relator Desembargador Federal GILBERTO JORDAN, e-DJF3 Judicial 1 de 02/10/2017)
Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de Processo Civil de 2015.
Preliminarmente
No que respeita à alegação de ilegitimidade passiva, não assiste razão à União Federal.
Com efeito, observa-se que a indicação do polo passivo dos presentes embargos decorreu de mero equivoco da embargante, pois a nomenclatura utilizada para denominar a demandada indica sua representante judicial, sendo possível extrair dos demais elementos inseridos na peça vestibular - número da execução fiscal subjacente, nome dos executados, causa de pedir etc. -, o propósito de acionar a Fazenda Nacional.
De qualquer modo, à vista do princípio da instrumentalidade das formas, considero que o simples erro na denominação do polo passivo não tem aptidão para invalidar a peça inicial e extinguir o processo sem resolução de mérito, sobretudo quando a autora sanou o vício ao requerer na manifestação sobre a resposta da embargada, a alteração da petição inicial para que constasse do polo passivo, a União Federal (fls. 143/148), possibilidade de substituição essa, aliás, hoje prevista de forma expressa no art. 338, caput, do Novo Código de Processo Civil.
Além disso, a União Federal ao apresentar sua defesa (fls. 130/139), contestou o mérito do pedido, não lhe advindo, portanto, qualquer prejuízo dessa circunstância processual, razão pela qual deve ser afastada a preliminar de ilegitimidade passiva, conforme entendimento jurisprudencial acerca do tema. Nesse sentido, julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. ERRO MATERIAL NA INDICAÇÃO DO DEMANDADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
I - O erro material na indicação do demandado na exordial da ação executiva não acarreta nulidade processual se, em razão disso, não houve qualquer prejuízo para a defesa. Aplicação do princípio pas de nulité san grief. Precedentes desta c. Corte.
II - In casu, modificar o entendimento do e. Tribunal de origem a respeito da ausência de prejuízo demandaria incursão no campo fático-probatório, o que não se coaduna com a via especial, a teor do Enunciado nº 07 da súmula deste c. STJ.
Agravo regimental desprovido."
(STJ, AgRg no REsp 1.096.355/ES, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJe 01/06/2009)
De igual modo, não há falar-se em nulidade da sentença por suposto cerceamento de defesa decorrente de violação aos princípios da ampla defesa e contraditório, dado que, somente agora, em grau de apelação a embargada aduz a necessidade de diligências para constatação de que a embargante se encontra na posse direta do imóvel em questão.
Com efeito, intimada a se manifestar sobre interesse na produção de provas, a União Federal/embargada peticionou a fls. 153/154, aduzindo tratar-se de "questão que depende exclusivamente de prova documental", requerendo, ao fim, o imediato julgamento do processo.
Nessa esteira, rejeito as preliminares suscitadas pela embargada e passo ao exame do mérito.
Mérito
Nos termos da atual redação do art. 185 do CTN, certo que nas execuções fiscais, a fraude é caracterizada quando a alienação ocorrer após a inscrição do débito em dívida ativa e se o devedor não possuir bens para o seu pagamento, sendo irrelevante a boa-fé do terceiro adquirente.
A propósito, transcrevo o caput do dispositivo supracitado:
"Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública,
De outro turno, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.141.990, em 10/11/2010, DJe 19/11/2010, de relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao regime dos Recursos Repetitivos, afastou a aplicação da Súmula nº 375 do STJ às execuções fiscais, consolidando o entendimento de que a alienação de bens pelo sujeito passivo, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta de fraude à execução, sem haver necessidade de registro da penhora ou mesmo diante da boa-fé do adquirente, salvo se o negócio jurídico ocorreu antes da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, quando somente se considera fraudulenta a alienação ocorrida após a citação válida do devedor.
Aludido acórdão restou assim ementado, in verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO - DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais.
2. O artigo 185, do Código Tributário Nacional - CTN, assentando a presunção de fraude à execução, na sua redação primitiva, dispunha que: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução".
3. A Lei Complementar n.º 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou o artigo 185, do CTN, que passou a ostentar o seguinte teor: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita."
4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n.º 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa.
5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.
6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 95-96 / DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 278-282 / MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 604).
7. A jurisprudência hodierna da Corte preconiza referido entendimento consoante se colhe abaixo: "O acórdão embargado, considerando que não é possível aplicar a nova redação do art. 185 do CTN (LC 118/05) à hipótese em apreço (tempus regit actum), respaldou-se na interpretação da redação original desse dispositivo legal adotada pela jurisprudência do STJ". (EDcl no AgRg no Ag 1.019.882/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe 14/10/2009) "Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: [...] b) Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005);". (REsp 726.323/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009) "Ocorrida a alienação do bem antes da citação do devedor, incabível falar em fraude à execução no regime anterior à nova redação do art. 185 do CTN pela LC 118/2005". (AgRg no Ag 1.048.510/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 06/10/2008) "A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, até o advento da LC 118/2005, pacificou-se, por entendimento da Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal". (REsp 810.489/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 06/08/2009)
8. A inaplicação do art. 185 do CTN implica violação da Cláusula de Reserva de Plenário e enseja reclamação por infringência da Súmula Vinculante n.º 10, verbis: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."
9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das "garantias do crédito tributário"; (d) a inaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula Reserva de Plenário e afronta à Súmula Vinculante n.º 10, do STF.
10. In casu, o negócio jurídico em tela aperfeiçoou-se em 27.10.2005, data posterior à entrada em vigor da LC 118/2005, sendo certo que a inscrição em dívida ativa deu-se anteriormente à revenda do veículo ao recorrido, porquanto, consoante dessume-se dos autos, a citação foi efetuada em data anterior à alienação, restando inequívoca a prova dos autos quanto à ocorrência de fraude à execução fiscal.
11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008."
(REsp 1141990/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 19/11/2010).
No mesmo sentido, seguem julgados assim ementados:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. FRAUDE À EXECUÇÃO. OCORRÊNCIA. ART. 185 DO CTN. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. BOA-FÉ E AUSÊNCIA DE REGISTRO. IRRELEVÂNCIA. NÃO REDUÇÃO DO EXECUTADO À INSOLVÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. ÔNUS DO EMBARGANTE. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Os critérios para configuração da fraude à execução fiscal foram estabelecidos pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1141990/PR, proferido na sistemática dos recursos especiais repetitivos. Até o advento da Lei Complementar nº 118, de 09.06.2005, o entendimento jurisprudencial firmou-se no sentido de que não bastava a mera distribuição da execução fiscal para configuração da fraude à execução, sendo exigida a citação válida dos devedores, salvo prova de má-fé de alienantes e adquirentes, a cargo da Fazenda Pública.
2. No caso dos autos, o embargante adquiriu da empresa executada ALBA TURISMO LTDA, em 16/10/1995, o veículo ônibus marca SCANIA, modelo SCANIA BR 116, ano 1981, cor branca, chassi nº 3451163, RENAVAM nº 400992833, placa NW7882 (fl. 17), e registrou a transferência no DETRAN em 26/10/1995 (fl. 18). Contudo, a execução fiscal nº 2001.61.26.005429-4, na qual foi bloqueado o referido bem em 23/03/1995 (fl. 12 dos autos da execução fiscal, em apenso), já havia sido ajuizada em 01/02/1995 (fl. 02 dos autos da execução fiscal, em apenso) contra a pessoa jurídica devedora ALBA TURISMO LTDA, visando a cobrança de contribuições. A empresa executada foi citada por oficial de justiça em 23/03/1995 (fl. 11 dos autos da execução fiscal, em apenso).
3. Não há que se cogitar, ademais, da verificação da boa-fé do adquirente, tendo em vista a redação original do art. 185 do Código Tributário Nacional e o entendimento de que a presunção de fraude à execução deste artigo é absoluta, conforme o julgamento acima transcrito.
4. No mais, não há provas nos autos no sentido de que a alienação do bem penhorado não tenha reduzido o executado à insolvência, isto é, que o executado possuía rendas ou bens reservados e suficientes à garantia da dívida. Assim, o embargante, ora apelado, não produziu a prova que poderia afastar a presunção de fraude à execução e, portanto, a ineficácia da penhora, nos termos do parágrafo único do art. 185 do Código Tributário Nacional.
5. Encontram-se preenchidas todas as condições estipuladas em lei e consagradas no entendimento jurisprudencial a respeito da configuração da fraude à execução.
6. Assim, a sentença merece ser reformada para julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro, determinando a ineficácia da alienação do ônibus em questão e a validade da penhora efetivada sobre ele nos autos da execução fiscal nº 2001.61.26.005429-4 e, em decorrência da procedência do recurso de apelação, o ônus sucumbencial deve ser invertido.
7. Recurso de apelação da União provido, para determinar a ineficácia da alienação do veículo ônibus marca SCANIA, modelo SCANIA BR 116, ano 1981, cor branca, chassi nº 3451163, RENAVAM nº 400992833, placa NW7882 e a validade da penhora efetivada sobre ele nos autos da execução fiscal nº 2001.61.26.005429-4, bem como para inverter o ônus sucumbencial, nos termos do voto."
(TRF3, AC nº 1387207, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, e-DJF3 Judicial 1 01/06/2016) (g. n.)
"PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM MÓVEIS. FRAUDE À EXECUÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Embora a titularidade do automóvel constasse em nome do agravado quando da citação do executivo fiscal, a transferência do bem móvel ocorre somente com a tradição e não com o registro junto ao órgão competente (inteligência dos arts. 1.226 e 1.267 do Código Civil) que apenas induz à presunção iuris tantum da propriedade, que pode ser elidida mediante prova da alienação.
2. Para a caracterização de fraude à execução faz-se mister que a alienação do bem tenha ocorrido após a concretização da citação válida do devedor, que não é o caso dos autos."
(TRF4, AG nº 200504010275159, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, DJ 03/11/2005, pág. 521)
In casu, constata-se dos documentos carreados pela embargante, que a execução fiscal foi distribuída em 18/06/2002 (fls. 48/57), em desfavor da empresa "Distribuidora de Bebidas Cachoeira Paulista Ltda." e dos corresponsáveis, José França Novaes e de Carlos Alberto França Novaes, antigos proprietários do imóvel em discussão e ex-sócios da ora embargante, não sendo possível verificar a data da citação, dada a deficiente instrução do processo.
Por outro lado, os documentos carreados aos autos demonstram que a transferência do imóvel em discussão à embargante, para formação de seu capital social, deu-se em 02/05/1984, data da constituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada (fls. 25/26), ocasião em que sequer existia a dívida exigida na demanda executiva, referente a débitos dos executados, cujos atos geradores, posteriores a referida transação, foram inscritos em dívida ativa apenas em 04/02/2002, conforme CDA de fls. 50/57.
Nesse contexto, à vista da orientação firmada pelo C. STJ no julgamento do REsp 1.141.990/PR, retro destacado, a transmissão do imóvel em questão não ocorreu em fraude à execução, tendo em vista "(...) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução".
Acresça-se que, ao contrário do alegado pela embargada, a posse do imóvel pelo embargante restou suficientemente demonstrada pelo instrumento particular de aditamento a contrato de arrendamento de imóvel rural celebrado com a empresa Agro-Pastoril Simão S/A, em 18/06/1984 (fls. 27/30).
Com efeito, nos termos do Decreto nº 59.566/66, que regulamentou a Lei nº 4.504/64 - Estatuto da Terra, o proprietário da área rural, na condição de arrendador (cedente), mantém a posse indireta sobre o bem, enquanto o arrendatário (cessionário) detém a posse direta para fim de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante retribuição ou aluguel (art. 92, da citada lei).
Ademais, o fato de a embargante ter proposto ação de usucapião ordinária perante a Vara Única de Queluz/SP, com o fito de ver declarada sua propriedade sobre o imóvel, não afasta, por si só, sua condição de possuidora do referido bem, na medida em que, a teor do art. 1.242, do CC, a posse mansa e pacífica, por mais de dez anos, é requisito legal para propositura da aludida medida judicial.
De todo modo, nos termos do art. 1.046, do CPC, os embargos de terceiro se destinam à defesa de bem ou direito de posse ou propriedade de terceiro em face de constrição judicial que lhe for imposta, de forma injusta, em processo no qual não é parte. No que respeita ao objeto dos embargos, veja-se comentário de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, - nota 7 ao citado dispositivo processual, in "Codigo de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante", 13ª edição, 2013, Ed. RT, pág. 1.453:
7. Objeto dos embargos. Proteção da posse.
A posse, direta ou indireta pode ser objeto de tutela pelos embargos de terceiro. Assim, por exemplo, o usufrutuário, o locatário (possuidor direto), o locador (possuidor indireto), o compromissário comprador têm direito de defender a sua posse por meio dos embargos. Diferentemente do que ocorre nas ações possessórias, a insurgência não se dá contra a regularidade ou não do ato de turbação ou esbulho que lhe impôs, no caso, a ordem judicial, mas sim contra a afirmação de que o bem constrito está na esfera de responsabilidade patrimonial do executado."Destarte, os argumentos trazidos no recurso não são suficientes para alterar os fundamentos declinados pelo MM. Juiz sentenciante, devendo ser mantido o levantamento da penhora do imóvel rural denominado Fazenda Nossa Senhora da Salete, objeto da matrícula nº 3.302, do Livro 3-I, do Cartório de Registro de Imóveis de Queluz/SP.
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, inc. IV, letra "b", do CPC/2015,
REJEITO
a matéria preliminar e, no mérito,NEGO PROVIMENTO
à apelação da embargada, para manter a r. sentença recorrida que julgou procedentes estes embargos de terceiro para afastar a constrição o imóvel, determinar o cancelamento de todos os seus efeitos e decretar a nulidade dos atos de arrematação, tornando definitiva a tutela de urgência concedida, deixando de impor condenação às partes nos ônus de sucumbência, na forma da fundamentação supra.Decorrido o prazo legal para recursos, observadas as formalidades legais, remetam-se os autos à Vara de origem.
Publique-se. Intimem-se.”
No agravo interno interposto, a recorrente não demonstrou o desacerto da decisão monocrática proferida, cujos fundamentos estão escorados em textos normativos validamente positivados e em jurisprudência pertinente, devidamente relacionadas ao caso concreto sub judice.
Ante o exposto,
nego provimento
ao agravo interno.É o voto.
E M E N T A
AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. INOCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO DE BEM ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO EXECUTIVA.
- Nos Tribunais, a celeridade e a eficiência na prestação jurisdicional (escoradas na garantia da duração razoável do processo e refletidas no art. 932 do Código de Processo Civil) permitem que o Relator julgue monocraticamente casos claros no ordenamento e pacificados na jurisprudência. Para que o feito seja analisado pelo colegiado, caberá agravo interno no qual devem ser explicitadas as razões pelas quais a decisão agravada não respeitou os requisitos para o julgamento monocrático, não servindo a mera repetição de argumentos postos em manifestações recursais anteriores. Alegações de nulidade da decisão monocrática são superadas com a apreciação do agravo interno pelo órgão colegiado competente.
- No caso dos autos, a execução fiscal foi distribuída em 18/06/2002, não sendo possível verificar a data da citação da empresa executada, dada a deficiente instrução do processo. Por outro lado, os documentos carreados aos autos demonstram que a transferência do imóvel em discussão à embargante, para formação de seu capital social, deu-se em 02/05/1984, data da constituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ocasião em que sequer existia a dívida exigida na demanda executiva.
- À vista da orientação firmada pelo C. STJ no julgamento do REsp 1.141.990/PR, a transmissão do imóvel em questão não ocorreu em fraude à execução, tendo em vista "(...) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução".
- O fato de a embargante ter proposto ação de usucapião ordinária, com o fito de ver declarada sua propriedade sobre o imóvel, não afasta, por si só, sua condição de possuidora do referido bem, na medida em que, a teor do art. 1.242, do CC, a posse mansa e pacífica, por mais de dez anos, é requisito legal para propositura da aludida medida judicial.
- A recorrente não demonstrou o desacerto da decisão monocrática proferida, cujos fundamentos estão escorados em textos normativos validamente positivados e em jurisprudência pertinente, devidamente relacionadas ao caso concreto sub judice.
- Agravo interno improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
