
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001355-97.2003.4.03.6118
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ANTONIO GOMES COMONIAN, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO SODERO VICTORIO - SP97321-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO GOMES COMONIAN, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ROBERTO SODERO VICTORIO - SP97321-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001355-97.2003.4.03.6118
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ANTONIO GOMES COMONIAN, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO SODERO VICTORIO - SP97321-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO GOMES COMONIAN, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: JOSE ROBERTO SODERO VICTORIO - SP97321-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
"No mérito, no caso vertente, requer a parte autora que o tempo de serviço laborado na condição de celetista no serviço público em condições insalubres seja computado como especial para fins da sua aposentadoria.
A contagem recíproca consiste na adição de períodos submetidos a sistemas previdenciários distintos, somando-se o tempo de contribuição de atividade sob regime da CLT e no serviço público. Trata-se de direito constitucional estabelecido no artigo 201, §9º, da Constituição Federal, com a seguinte redação:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
(...)"
De igual maneira, a Lei nº 8.213/91 traz disposições sobre a contagem recíproca, determinando que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.
Nesse sentido, é inconteste o direito de contagem recíproca ao servidor público, isto é, de ser computado o período de tempo de contribuição ao RGPS e ao RPPS.
No tocante à aposentadoria, o artigo 40, §4º, da Constituição Federal veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria dos servidores públicos, salvo quando estes, dentre outras hipóteses, exercerem atividades em condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física:
"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I portadores de deficiência;
II que exerçam atividades de risco;
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
(...)"
Todavia, a lei complementar não foi editada pelo Poder Legislativo, não se regulamentando a previsão constitucional de aposentadoria especial dos servidores públicos.
Diante da controvérsia sobre o assunto, o E. STF editou a Súmula Vinculante nº 33, que aduz que:
"Súmula Vinculante 33 - Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica."
Com isso, aos servidores que prestam serviços em condições insalubres, enquanto não editada a lei complementar específica, tornou-se viável a aplicação das regras do RGPS sobre aposentadoria especial.
Ocorre que, apesar de ser permitida no RGPS, no serviço público é vedada a contagem de tempo ficto, por força do artigo 40, §10º, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 10 - A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
(...)"
E não há previsão legal que assegure a conversão do tempo especial em tempo comum para o servidor público, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas.
Desta forma, no período em que submetido ao Regime Jurídico Único da Lei nº 8.112/90, isto é, a partir de 12/12/1990, não cabe a averbação como tempo de atividade especial.
[...]"
No presente feito, a matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 131 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.
Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.
Das alegações trazidas no presente, salta evidente que não almeja a parte Agravante suprir vícios no julgado, buscando, em verdade, externar seu inconformismo com a solução adotada, que lhe foi desfavorável, pretendendo vê-la alterada.
Quanto à hipótese contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC de 2015, entendo que a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente agravo, como se observa do relatório.
Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.
Diante do exposto,
nego provimento ao agravo interno
.É o voto.
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Pedi vista dos autos para melhor análise da discussão e, feito isto, peço vênia para divergir parcialmente do voto do E. Relator, pelas razões que passo a expor:
Quanto ao tema, tem-se que no âmbito do STF, apesar de não haver entendimento pacificado quanto à vedação absoluta à conversão do trabalho exercido como atividade especial pelo servidor, o Excelso Pretório têm entendido pela impossibilidade da conversão, sob dois aspectos: a) o art. 40, § 4º, da Constituição Federal não garante a contagem de tempo de serviço diferenciada ao servidor público, porém, tão somente, a aposentadoria especial; e b) a vedação à contagem de tempo ficto (art. 40, § 10º, da Constituição).
Neste prisma, considerando o atual cenário legislativo da aposentadoria especial do servidor público, percebe-se que existem duas situações idênticas, porém, tratadas de formas distintas a provocar verdadeira afronta ao princípio da isonomia. Por seu turno, em que pese o majoritário posicionamento do STF, não é razoável que ante a ausência de regulamentação legislativa seja negado ao servidor o direito a averbação e a contagem do tempo especial e à conversão do tempo de atividade especial em tempo comum com o devido acréscimo legal, para efeito de contagem recíproca no regime previdenciário próprio dos servidores públicos.
Tendo a CF de 1988 adotado o princípio da igualdade perante a lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico, justo se faz indagar sobre o tratamento diferenciado dado ao servidor público que tenha exercido atividades exposto à agentes de risco à saúde e à integridade física e o seu congênere do setor privado.
Apesar da expressa disposição do art. 40, §4º, III, da CF, os servidores que exerçam atividades expostos a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não têm reconhecido o tempo de serviço especial assim como a conversão do tempo especial em comum para efeitos de aposentadoria ao fundamento da ausência de regulamentação, o que torna comprometida a viabilidade do direito.
Quanto ao tema, o STF possui o entendimento de que aquele servidor que laborou sob condições especiais, como empregado público sob o regime celetista no período anterior à Lei 8.112/90 poderá somar esse período convertido em tempo de atividade comum ao tempo trabalhado sob o regime estatutário para fins de aposentação e contagem recíproca entre regimes previdenciários.
Inclusive o entendimento foi objeto da Súmula 66, TNU: "o servidor público que trabalhava sob condições especiais antes de migrar para o regime estatutário tem direito adquirido à conversão do tempo de atividade especial em tempo comum com o devido acréscimo legal, para efeito de contagem recíproca no regime previdenciário próprio dos servidores públicos".
Não obstante, a controvérsia reside no período posterior à Lei 8.112/90, que conforme o entendimento do Excelso Pretório não pode ser averbado ou convertido em tempo especial diante da ausência da regulamentação legal, conforme anteriormente mencionado.
Recentemente, porém, o relator Ministro Roberto Barroso, em voto proferido no MI 4.204/DF, propôs mudança de entendimento do STF no que se refere à possibilidade de averbação do tempo de serviço em condições especiais e sua conversão em tempo comum, mediante a incidência do fator multiplicador (art. 57, § 5º, da Lei 8.213/1991)
Dentre os fundamentos da referida decisão, o Ministro Barroso afirma que a Constituição, em seu art. 40, §4º, faculta ao legislador a adoção de "requisitos e critérios diferenciados" para a concessão da aposentadoria dos servidores expostos a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física. Logo, a conversão de tempo especial é, portanto, uma consequência da aposentadoria especial e decorre do próprio texto constitucional.
Além disso, de acordo com o Min. Roberto Barroso, não se trata, a conversão de tempo especial, de contagem de tempo ficto propriamente dito. Em verdade, o art. 40, §º 10, da CF, se refere a "proscrever a contagem, como tempo de contribuição, de férias não gozadas, licenças etc., em suma, de tempo não trabalhado". Acrescenta que não se estendendo ao servidor a averbação e contagem diferenciada do tempo de serviço, a Corte trata a aposentadoria especial e a contagem diferenciada de tempo especial como coisas absolutamente distintas, quando, em verdade, uma decorre diretamente da outra.
A propósito vale transcrever excerto do voto do Ministro Barroso:
"(...) |
12. A atual jurisprudência do Tribunal adota a lógica do "tudo ou nada": ou o servidor possui tempo integral para a aposentadoria especial (e.g.: 25 anos), ou de nada valerá o trabalho exercido em condições prejudiciais à saúde e à integridade física por, e.g., 20 anos. Isto porque o servidor, impedido de contar tal período de forma diferenciada, terá de completar o tempo de serviço necessário à aposentadoria como se tivesse sempre trabalhado em condições não prejudiciais à saúde. |
13. Imagine-se, a propósito, a situação de uma servidora pública que tenha prestado 20 anos de atividade especial. A conversão de tal período pelo fator 1,2 resultaria em 24 anos de serviço, faltando 6 para a aposentadoria. Do contrário, não sendo adotado o fator multiplicador, a servidora ainda precisaria trabalhar mais 10 anos para completar os 30 anos de contribuição (CF, art. 40, § 1º, III, a), isto é, 4 anos a mais do que o necessário com a conversão. |
14. A meu ver, tal interpretação é contrária ao sentido do art. 40, § 4º, da Constituição, que exige justamente a "adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria (...) [a]os servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física". Assim, entendo aplicável o art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, até porque não há motivo razoável para diferenciar, neste particular, os trabalhadores da iniciativa privada dos servidores públicos, restringindo-se aos primeiros a contagem diferenciada de tempo especial. |
15. A própria Constituição tem disposição específica nesse sentido, que reforça tudo O que se vem de expor. Trata-se do art. 40, § 12: Art. 40, § 12. Além do disposto neste artigo, O regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela EC nº 20/1998) |
16. O argumento não "prova demais", porque a atual jurisprudência do STF entende que nem mesmo esse dispositivo garante aos servidores o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço especial, talvez por uma inadequada interpretação da expressão "no que couber" (que, aliás, também está presente no texto da Súmula Vinculante 33). |
Em outros termos, o § 12 do art. 40 nunca foi utilizado para preencher o espaço da norma ausente, de modo a afastar o cabimento de mandado de injunção. Seja como for, caso se entenda que tal dispositivo afasta a situação de lacuna inconstitucional, ainda assim seria necessário que esta Corte afirmasse claramente a revisão de sua jurisprudência. |
17. A não se entender assim, os servidores que exercem atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física não poderão proceder à contagem diferenciada do tempo especial, a não ser que completem 25 anos de atividade especial, diferentemente do que ocorre com todos os trabalhadores do regime geral de previdência. A um só tempo, seriam violados os §§ 4g, 10 e 12 do art. 40 da CF. |
18. Outro argumento que reforça esta conclusão é o de que O Supremo Tribunal Federal reconhece o direito adquirido à contagem de tempo especial em caso de transposição do regime celetista para o estatutário. Veja-se a ementa do precedente, julgado sob regime de repercussão geral (RE 612.358 RG, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.08.2010): |
"ADMINISTRATIVO. CONTAGEM ESPECIAL DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES. PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. DIREITO ADOUIRIDO. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL." (destaques acrescentados) |
19. Se O tempo prestado em condições especiais no regime geral deve ser considerado como tal no regime próprio, permitindo-se a contagem diferenciada, com maior razão O mesmo serviço, prestado pelo mesmo servidor na vigência do regime próprio, deve ter igual tratamento. |
20. Confirmando o exposto, a própria Administração editou normas para disciplinar o cumprimento das ordens injuncionais proferidas por esta Corte, nas quais foi admitida a possibilidade de mera averbação e contagem diferenciada de tempo especial, com aplicação de um fator multiplicador para posterior soma ao tempo comum. |
(...) |
22. Por fim, não se pode vedar a contagem diferenciada de tempo especial a pretexto da possibilidade de superveniência de lei que altere os requisitos antes da aquisição do direito à aposentadoria. Isso porque a jurisprudência é pacífica no sentido de que "O cômputo do tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente quando da sua prestação" (RE 402.576-AgR, RE 440.749-AgR, RE 463.299- AgR, RE 464.694-AgR e RE 482.187-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Assim, eventual lei superveniente não prejudica a contagem diferenciada do tempo de serviço considerado especial à época da sua prestação. |
23. Considerando que a contagem diferenciada do tempo de serviço especial decorre diretamente do direito à aposentadoria previsto no art. 40, § 4º, da Constituição, e que o exercício desse direito é atualmente obstado por uma lacuna legislativa, nada impede que isso seja reconhecido em mandado de injunção. Não se trata de uma via imprópria para tal fim: ao contrário, cuida-se justamente da sede propícia para a correção de estados de omissão legislativa inconstitucional. |
24. Naturalmente, a decisão a ser proferida em mandado de injunção não deverá reconhecer imediatamente o direito à contagem diferenciada de tempo especial, mas apenas suprir a lacuna normativa e determinar que a autoridade administrativa competente analise caso, à luz dos documentos apresentados pela parte interessada. |
25. Em debate realizado em Plenário, ao menos dois Ministros, pelo que entendi, sustentaram que o descabimento de mandado de injunção não infirma a possibilidade de averbação do tempo especial comprovado. Ou seja, reconheciam o direito potencial do servidor, mas não o mandado de injunção como instrumento de sua tutela. |
26. Meu entendimento, como assentado, é pelo cabimento do mandado de injunção. Porém, produzirá resultado análogo a afirmação inequívoca de que, embora incabível o mandado de injunção, existe a possibilidade jurídica de averbação e contagem diferenciada de tempo especial por parte de servidores públicos, com base no art. 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991. De fato, a existência de eventual óbice formal relativo ao mandado de injunção não pode ser invocada para inviabilizar o exercício de um direito pelas vias ordinárias. |
(...)" |
Diante da relevância do tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE nº 1.014.286/SP-RG, correspondente ao Tema nº 942, concluiu pela existência da repercussão geral submetendo à discussão a aplicabilidade ao servidor público do artigo 57, § 5º, da Lei 8.213/91, à luz do artigo 40, §§ 4º, III, 10 e 12, da CRFB, a fim de se permitir a averbação do tempo de serviço prestado em atividades especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física do servidor, com a conversão em tempo comum, mediante contagem diferenciada, para a obtenção de "outros benefícios previdenciários", que se encontra ainda pendente de decisão final.
Nos moldes desse raciocínio e em consonância com o entendimento ora em cotejo, é possível concluir que tendo o STF reconhecido o direito adquirido à aposentadoria especial ao servidor público trata-se de uma contradição não reconhecer o direito à averbação e à conversão, eis que o sistema constitucional pátrio não admite que seja dispensado tratamento discriminatório entre servidores públicos e os trabalhadores do Regime Geral; afinal os servidores públicos devem fruir do direito social à previdência social em toda a sua extensão.
Em verdade, o ponto mais relevante para a configuração dos requisitos para a aposentadoria especial é o exercício efetivo das atividades enquadradas como especiais, ou seja, aquelas consideradas perigosas e prejudiciais à saúde definidas em lei, que são aferíveis de plano independentemente de filiação ao Regime Geral ou ao Regime Próprio.
Em vista destes argumentos, não seria razoável negar referido direito aos servidores públicos em geral, eis que, na prática, nos casos em que o servidor não tenha completado o período mínimo para o reconhecimento da aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos de atividade especial) e queira se aposentar não lhe será reconhecido o tempo laborado em atividade especial, e, consequentemente, será desconsiderado pela Administração o período em que o servidor esteve exposto a agentes prejudiciais a sua saúde e integridade física enquanto no regime estatutário.
Como visto os requisitos para o reconhecimento das atividades especiais devem ser analisados à luz da legislação infraconstitucional, assim, tem-se que a aposentadoria especial foi criada pela Lei nº 3.807/60 e regrada pelos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, cujas redações sofreram substanciais alterações pelas Leis n.ºs 9.032/95, 9.528/97 e 9.732/98 no sentido de estabelecer novos e diferentes requisitos para caracterização e comprovação do tempo de atividade especial.
A falta de descrição de determinada atividade nos mencionados regulamentos não impede, por si só, o seu enquadramento como especial, diante do caráter meramente exemplificativo do rol de agentes nocivos contido em tais diplomas.
Nestes termos, a legislação pertinente para o reconhecimento de atividades especiais pode ser resumida em:
1º) Até 28/04/95, promulgação da Lei 9.032/95, presume-se a especialidade do labor pelo simples exercício de profissão que se enquadre no disposto nos anexos dos Decretos 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/79 (Anexos II); a comprovação, por qualquer meio de prova (exceto para ruído, que sempre necessitou de laudo técnico), de sujeição do segurado a agentes nocivos - tanto previstos nos Decretos nºs 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), 83.080/79 (Anexo I) e 2.172/97 (Anexo IV) como não previstos, desde que por meio de perícia técnica judicial, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos; |
2º) De 29/04/95 a 05/03/97, necessária a demonstração, mediante apresentação de formulário-padrão, da efetiva exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física arrolados nos Decretos nºs 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), 83.080/79 (Anexo I) e 2.172/97 (Anexo IV) por qualquer meio de prova, ou não previstos, desde que a comprovação da especialidade da atividade seja feita por perícia judicial (TFR, Súm.198), sendo insuficiente o enquadramento por categoria profissional; |
3º) A partir de 06/03/97, comprovação da efetiva exposição aos agentes previstos ou não no Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) deve ser lograda por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em Laudo Técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, ou por meio de perícia técnica. Não há limitação a maio de 1998, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 956110, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Quinta Turma, j. 29/08/2007, DJ 22.10.2007). |
4º) A partir do advento da Lei nº 9.732, de 11.12.1998, foram alterados os §§ 1º e 2º art. 58 da Lei nº 8.213/91, exigindo-se informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que seja apta a diminuir a intensidade do agente agressivo. Ou seja, a partir de então, quando o EPI (Equipamento de Proteção Individual) é eficaz para eliminar ou neutralizar a nocividade do agente agressivo dentro dos limites de tolerância e o dado é registrado pela empresa no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), descaracteriza-se a insalubridade necessária ao reconhecimento do tempo como especial. |
Releva pontuar que o STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1306113/SC, em regime de recursos repetitivos, consagrou o entendimento no sentido de que "À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)" (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013). (grifamos)
No caso dos autos, pretende o autor o reconhecimento do direito à aposentadoria especial e à contagem recíproca com a aplicação do acréscimo legal, sob o fundamento de ter exercido atividade perigosa e nociva à saúde e à integridade física, durante o período laborado no INPE, tanto no regime celetista (15/05/78 a 11/12/90) quanto no estatutário (12/12/90 até a presente data).
A verificação da atividade especial é constatada essencialmente pelo efetivo exercício de atividade perigosa ou de risco à saúde e à integridade física. Assim se verifica do Perfil Profissiográfico Previdenciário (fl. 175/176) que o autor, ora agravante, laborou em contato com agentes explosivos, inflamáveis e tóxicos e corrosivos, de 15/05/1978 a 09/05/2007.
Destarte, ao autor deve ser reconhecido o direito à averbação do tempo de serviço laborado sob condições especiais diante da comprovação do exercício de atividade especial nos termos da legislação de referência, inclusive do período posterior à Lei 8.112/90.
No entanto, a averbação por si só não autoriza automaticamente à implementação da aposentadoria especial, nos termos do pleiteado, ou à conversão automática do tempo de serviço especial sob regime estatutário em tempo de serviço ou de tempo de contribuição para fins de contagem recíproca entre os regimes previdenciários.
Caberá à Autoridade Previdenciária competente a análise dos requisitos para a concessão do benefício. Assim, admissível tão somente o reconhecimento do direito à averbação do exercício do tempo especial nos registros funcionais do servidor dos períodos efetivamente comprovados laborados em condições prejudiciais à saúde e à integridade física.
Sendo assim, voto por dar parcial provimento ao agravo interno para reformar a sentença recorrida tão somente para reconhecer o direito à averbação nos registros funcionais do autor do período posterior à Lei 8.112/90, devidamente comprovados, submetida a implementação do benefício à análise dos requisitos pela Autoridade Previdenciária competente, acompanhando no mais o E. Relator.
É como voto.
E M E N T A
AGRAVO INTERNO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO. PERÍODO POSTERIOR À LEI N. 8.112/90. INDEVIDO. RECURSO DESPROVIDO.
1. O artigo 40, §4º, da Constituição Federal veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria dos servidores públicos, salvo quando estes, dentre outras hipóteses, exercerem atividades em condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física. Todavia, a lei complementar não foi editada pelo Poder Legislativo, não se regulamentando a previsão constitucional de aposentadoria especial dos servidores públicos. Diante da controvérsia sobre o assunto, o E. STF editou a Súmula Vinculante nº 33, que aduz que: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.". Com isso, aos servidores que prestam serviços em condições insalubres, enquanto não editada a lei complementar específica, tornou-se viável a aplicação das regras do RGPS sobre aposentadoria especial.
2. Ocorre que, apesar de ser permitida no RGPS, no serviço público é vedada a contagem de tempo ficto, por força do artigo 40, §10º, da Constituição Federal. E não há previsão legal que assegure a conversão do tempo especial em tempo comum para o servidor público, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas.
3. Desta forma, no período em que submetido ao Regime Jurídico Único da Lei nº 8.112/90, isto é, a partir de 12/12/1990, não cabe a averbação como tempo de atividade especial.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por maioria, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do relator Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado pelos Desembargadores Federais Hélio Nogueira e Peixoto Júnior; vencidos os Desembargadores Federais Wilson Zauhy e Cotrim Guimarães, que davam parcial provimento ao agravo interno para reformar a sentença recorrida tão somente para reconhecer o direito à averbação nos registros funcionais do autor do período posterior à Lei 8.112/90, devidamente comprovados, submetida a implementação do benefício à análise dos requisitos pela Autoridade Previdenciária competente, acompanhando no mais o E. Relator À ANALISE DOSREQUISITOS PELA AUTORIDADE PREVIDENCIARIA COMPETENTE, ACOMPANHANDO NO MAIS O E. RELATOR, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
