
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368317-42.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
APELANTE: OSCAR HENRIQUE FRANCO DE ANDRADE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA - SP150161-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, OSCAR HENRIQUE FRANCO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELADO: MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA - SP150161-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368317-42.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
APELANTE: OSCAR HENRIQUE FRANCO DE ANDRADE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA - SP150161-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, OSCAR HENRIQUE FRANCO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELADO: MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA - SP150161-N
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R E L A T Ó R I O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CONSOLIM (Relator):
Trata-se de Agravo Interno interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, visando à reforma da decisão (Id 288705833) proferida em 25.4.2024, que negou provimento à apelação da autarquia, não conheceu de parte da apelação do autor e, na parte conhecida, deu-lhe provimento para reconhecer a especialidade das condições de trabalho no período de 1º.7.2000 a 11.10.2016, bem como julgar procedente o pedido a fim de determinar a concessão, ao autor, do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A parte agravante alega, em síntese, que: a decisão agravada reconheceu a especialidade das condições de trabalho realizado por contribuinte individual não cooperado; a comprovação da exposição do segurado a agente nocivo é feita por meio de formulário emitido por empresa; por trabalhar sem subordinação a uma empresa, o contribuinte individual não pode emitir o referido formulário ou valer-se dessa prova; a informação acerca da utilização de EPI eficaz é relevante para a caracterização da atividade especial, não podendo ser aceita a prova unilateral produzida pelo próprio contribuinte individual ou por profissional de sua confiança; por essas mesmas razões, não há como se comprovar a habitualidade e permanência da exposição do segurado a agentes nocivos; a incidência da contribuição prevista no artigo 22, inciso II da Lei n. 8.212/1991 restringe-se às remunerações pagas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, razão pela qual não há prévia fonte de custeio de eventual benefício, concedido a contribuinte individual, que decorra do reconhecimento da especialidade das condições de trabalho; a Medida Provisória n. 83/2002, posteriormente convertida na Lei n. 10.666/2003, estendeu as disposições legais sobre a aposentadoria especial ao cooperado filiado à cooperativa de trabalho, que exerce suas atividades laborais exposto a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, bem como estabeleceu nova fonte de custeio para o financiamento do benefício; e que, nesse contexto, o contribuinte individual não contribui para o financiamento do benefício de aposentadoria especial, razão pela qual não tem direito ao referido benefício e nem à conversão de tempo especial para comum (Id 290240528).
Intimada nos termos do § 2º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil, a parte agravada manifestou-se (Id 290988931).
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5368317-42.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
APELANTE: OSCAR HENRIQUE FRANCO DE ANDRADE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA - SP150161-N
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CONSOLIM (Relator):
O agravante almeja que, em juízo de retratação, seja modificada a decisão monocrática ou que seja dado provimento a este recurso, reformando-se a mencionada decisão.
Da aposentadoria especial
A aposentadoria especial foi criada pela Lei n. 3.807/1960 e mantida pela Lei n. 8.213/1991. É uma modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição, com período de carência reduzido para 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade habitualmente exercida pelo trabalhador, o qual, no exercício dessas atividades, fica exposto a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a uma associação desses agentes, que são prejudiciais à saúde ou à integridade física.
A Lei n. 8.213/1991, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.032/1995, estabelece, em seu artigo 57 que: “A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”.
Originariamente, o artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 determinava que as atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física seriam definidas em lei específica. Posteriormente, a Lei 9.528/1997 alterou a mencionada norma, transferindo ao Poder Executivo a incumbência de elaborar a relação dos agentes nocivos a serem considerados para a concessão da aposentadoria especial.
O benefício pode ser concedido aos segurados que preencheram os respectivos requisitos até a data da promulgação da Emenda Constitucional n. 103/2019 (13.11.2019), a qual estabeleceu que, para a concessão de aposentadoria aos segurados que trabalham em condições especiais, devem ser observadas regras de tempo de contribuição e de idade mínima a serem definidas por meio de lei complementar.
Importa destacar que a nova redação do inciso II, do § 1.º, do artigo 201 da Constituição da República, retirou do seu texto a menção à exposição dos segurados a agentes insalubres e perigosos:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(...)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados:
I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar;
II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição; ”.
A Emenda Constitucional n. 103/2019 ainda estabeleceu:
“Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20 (vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.
§ 1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria:
I - aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos:
a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição;
b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou
c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição...”
Assim, para os segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social após a promulgação da Emenda Constitucional n. 103/2019, há a exigência de idade mínima e de tempo de contribuição.
Em razão da necessidade de garantir a segurança jurídica àqueles que já estavam filiados ao Regime Geral de Previdência Social, a referida Emenda Constitucional ressalvou regras de transição:
“Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.
§ 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput.”
A regra de transição, portanto, exige a pontuação decorrente da soma da idade e do tempo de contribuição do segurado e o tempo de efetiva exposição aos agentes nocivos.
Cabe ressaltar que a ADI 6309, de relatoria do Ministro Roberto Barroso e que está pendente de julgamento pelo excelso Supremo Tribunal Federal, versa sobre a declaração de inconstitucionalidade das seguintes mudanças promovidas pela Emenda Constitucional n. 103/2019: i) fixação de idade mínima para a aposentadoria especial; ii) forma de cálculo de cálculo da aposentadoria especial; e iii) impossibilidade de conversão de tempo de trabalho especial em comum.
Nesta oportunidade, ainda importa ressaltar que, com relação à constitucionalidade do § 8º, do artigo 57, da Lei n. 8.213/1991, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 791.961 (Tema n. 709), firmou a seguinte tese jurídica:
-
É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
-
Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.
Da comprovação da atividade especial
É importante observar que a dinâmica da legislação previdenciária impõe uma breve exposição sobre as sucessivas leis que disciplinaram o critério para reconhecimento do tempo de serviço em atividade especial, pois a delineação do tempo de serviço como especial deve absoluta observância à legislação da época do trabalho prestado.
Com efeito, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para a caracterização da atividade especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807/1960. Nesse contexto, foram baixados pelo Poder Executivo os Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
A Lei n. 8.213/1991, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo 152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação em vigor para aposentadoria especial.
O artigo 57 da Lei n. 8.213/1991, na redação da Lei n. 9.032/1995, dispõe que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida na Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.
Até a publicação da Lei n. 9.032, de 28.4.1995, o reconhecimento do tempo de serviço em atividade especial dava-se pelo enquadramento da atividade ou grupo profissional do trabalhador aos termos dos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979.
Cabe ressaltar que os citados Decretos vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado. O colendo Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO COMUM. RUÍDO. LIMITE. 80 DB. CONVERSÃO ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
1. As Turmas que compõem a Egrégia Terceira Seção firmaram sua jurisprudência no sentido de que é garantida a conversão do tempo de serviço prestado em atividade profissional elencada como perigosa, insalubre, ou penosa em rol expedido pelo Poder Executivo (Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79), antes da edição da Lei nº 9.032/95.
2. Quanto ao lapso temporal compreendido entre a publicação da Lei nº 9.032/95 (29/04/1995) e a expedição do Decreto nº 2.172/97 (05/03/1997), e deste até o dia 28/05/1998, há necessidade de que a atividade tenha sido exercida com efetiva exposição a agentes nocivos, sendo que a comprovação, no primeiro período, é feita com os formulários SB-40 e DSS-8030, e, no segundo, com a apresentação de laudo técnico.
3. O art. 292 do Decreto nº 611/92 classificou como especiais as atividades constantes dos anexos dos decretos acima mencionados. Havendo colisão entre preceitos constantes nos dois diplomas normativos, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio in dúbio pro misero.
4. Deve prevalecer, pois, o comando do Decreto nº 53.831/64, que fixou em 80 db o limite mínimo de exposição ao ruído, para estabelecer o caráter nocivo da atividade exercida.
5. A própria autarquia reconheceu o índice acima, em relação ao período anterior à edição do Decreto nº 2.172/97, consoante norma inserta no art. 173, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC nº 57, de 10 de outubro de 2001 (D.O.U. de 11/10/2001).
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido”.
(STJ, Resp. n. 412351/RS, Quinta Turma, Relatora Ministra LAURITA VAZ, julgado em 21.10.2003, DJ 17.11.2003, p. 355).
Alterando critério anterior, a Lei n. 9.032/1995 impôs a necessidade de apresentação de formulário, inicialmente conhecido como SB-40 e depois chamado DSS-8030, que descrevia a atividade do segurado e dos agentes nocivos, aos quais ele era exposto em razão do exercício da atividade laboral.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto n. 2.172, de 5.3.1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por tratar de matéria reservada à lei, o mencionado Decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n. 9.528, de 10.12.1997, que deu nova redação ao artigo 58 da Lei n. 8.213/1991, reafirmando a necessidade de laudo técnico, estabelecendo que os agentes nocivos seriam definidos por ato do Poder Executivo, instituindo o perfil profissiográfico (§ 4º).
Cabe anotar, nesta oportunidade, que a Medida Provisória n. 1.523, de 11.10.1996 foi convalidada pela MP n. 1.596-14, de 10.11.1997 e, posteriormente, convertida na Lei n. 9.528/1997.
Nesse contexto legislativo, esta Décima Turma entendeu que “(...) Até 29/04/95 a comprovação do tempo de serviço laborado em condições especiais era feita mediante o enquadramento da atividade no rol dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. A partir daquela data até a publicação da Lei 9.528/97, em 10/12/1997, por meio da apresentação de formulário que demonstre a efetiva exposição de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais a saúde ou a integridade física. Após 10/12/1997, tal formulário deve estar fundamentado em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, assinado por médico do trabalho ou engenheiro do trabalho. Quanto aos agentes ruído e calor, o laudo pericial sempre foi exigido” (TRF/3ª Região, ApRemNec n. 5000491-95.2017.4.03.6113, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, DJEN 2.5.2024).
Com a edição do Decreto n. 3.048/1999, vigente a partir de 12 de maio de 1999, a comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos passou a ser feita em formulário emitido pela empresa, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho (§ 2º do art. 68). O citado Decreto, no § 2º de seu artigo 68 com a redação dada pelo Decreto n. 4.032/2001, estabeleceu que “a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho”.
O Decreto n. 4.032, de 26.11.2001 alterou dispositivos do Decreto n. 3.048/1999, regulamentando o “Perfil Profissiográfico Previdenciário” (PPP), documento regulamentado em várias Instruções Normativas do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, até que o artigo 272 da Instrução Normativa 45/2010 dispôs que: “A partir de 1º de janeiro de 2004, conforme estabelecido pela Instrução Normativa nº 99, de 2003, a empresa ou equiparada à empresa deverá preencher o formulário PPP, conforme Anexo XV, de forma individualizada para seus empregados, trabalhadores avulsos e cooperados, que laborem expostos a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física...”. Nesse sentido: TRF/3ª Região, AI 5011336-22.2022.4.03.0000, Décima Turma, Relator Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, DJEN 28.10.2022.
O Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é apto a comprovar o exercício de atividade sob aventadas condições especiais, passando a substituir o laudo técnico.
Além disso, o próprio INSS reconhece que o PPP é documento suficiente a comprovar o histórico laboral do segurado e as condições especiais de trabalho, bem como que o referido documento, que substituiu os formulários SB-40, DSS-8030, reúne as informações do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho - LTCAT e é de entrega obrigatória aos trabalhadores, por ocasião do desligamento da empresa.
Outrossim, a jurisprudência desta Corte destaca a prescindibilidade de juntada de laudo técnico aos autos ou de realização de laudo pericial, nos casos em que o segurado apresenta PPP para comprovar o trabalho em condições especiais:
“PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA PRELIMINAR. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO DE FUNDO DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE SEU EXERCÍCIO. CONVERSÃO PARA TEMPO DE SERVIÇO COMUM.
I. Apresentado, com a inicial, o PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, não cabe a produção de prova pericial, já que nele consubstanciada. Eventual perícia realizada por perito nomeado pelo juízo não espelharia a realidade da época do labor, já que o que se pretende demonstrar é o exercício de condições especiais de trabalho existentes na empresa num interregno muito anterior ao ajuizamento da ação. Desnecessidade de produção da prova testemunhal, já que a questão posta nos autos prescinde de provas outras que as já existentes nos autos, para análise.
(Omissis)
IV. A legislação aplicável ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado - se comum ou especial -, bem como à forma de sua demonstração, é aquela vigente à época da prestação do trabalho respectivo.
V. A atividade especial pode ser assim considerada mesmo que não conste expressamente em regulamento, bastando a comprovação da exposição a agentes agressivos por prova pericial. Súmula nº 198/TFR. Orientação do STJ.
(Omissis)”
(TRF/3ª Região, AC 1117829/SP, Relatora Desembargadora Federal MARISA SANTOS, Nona Turma, DJU 20.5.2010, p. 930)
No mesmo sentido: TRF/3ª Região, AC 2008.03.99.028390-0, Relator Desembargador Federal SÉRGIO NASCIMENTO, 10ª Turma, DJU 24.2.2010, pág. 1406; e TRF/3ª Região, AC 2008.03.99.032757-4, Relatora Desembargadora Federal Giselle França, 10ª Turma, DJU 24.9.2008.
Feitas essas considerações sobre as regras de comprovação das condições especiais de trabalho, cabe destacar que, quanto aos agentes “calor” e “ruído”, sempre se exigiu laudo para a comprovação da respectiva nocividade.
Destarte, o trabalho em atividades especiais, ressalvados os agentes calor e ruído, para os quais sempre se exigiu laudo, deve se dar da seguinte forma:
| Período | Forma de Comprovação |
| Até 28.4.1995 | Por mero enquadramento profissional ou pela presença dos agentes físicos, químicos ou biológicos previstos nos anexos I e II do Decreto n. 83.080/79, e anexo ao Decreto n. 53.831/64, ou Lei n. 7.850/79 (telefonista) Sem necessidade de apresentação de laudo técnico (exceto exposição aos agentes nocivos ruído, poeira e calor) |
| De 29.4.1995 a 5.3.1997 | Pelos formulários SB-40 ou DSS-8030, ou por meio de apresentação de laudo técnico comprovando o labor, efetivamente, sob a influência de agentes nocivos |
| De 6.3.1997 a 10.12.1997 | Pelos formulários SB-40 ou DSS-8030 ou PPP ou por meio de laudo técnico |
| De 11.12.1997 a 31.12.2003 | Pelos formulários SB-40 ou DSS-8030 ou PPP, acompanhados de laudo técnico |
| A partir de 1.º.1.2004 | Por meio de PPP, o qual deve conter a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições do ambiente de trabalho |
Observo, ainda, que, consoante o que dispõe o artigo 58, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, na redação da Lei n. 9.732/1998, o laudo técnico deve conter informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua observância pelo estabelecimento.
Do uso de equipamento de proteção individual
“A discussão sobre o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) como fator de descaracterização do tempo especial encontra-se balizada pelo C. STF no Tema 555 de repercussão geral. Na hipótese de o segurado apresentar PPP indicativo de sua exposição a determinado agente nocivo e inexistindo prova de que o EPI, embora possa atenuar os efeitos prejudiciais, seja capaz de neutralizar totalmente a nocividade do ambiente laborativo, é de rigor reconhecer a especialidade do labor. Além disso, ficou pacificado que inexiste EPI capaz de neutralizar ou minimizar os efeitos nocivos do agente ruído”. (TRF/3ª Região, TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000537-27.2022.4.03.6140, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 08/05/2024, DJEN DATA: 14/05/2024).
Nesse mesmo sentido, a Súmula n. 9 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, dispõe que "O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o serviço especial prestado".
Com efeito, o excelso Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Ademais, cabe destacar que o campo "EPI Eficaz (S/N)", constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), é preenchido pelo empregador, o qual apenas considera se houve ou não atenuação dos fatores de risco, em consonância com as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Nesse contexto, impõe-se reconhecer que essa informação não se refere à real eficácia do EPI, situação que não descaracteriza a nocividade do agente registrado no PPP.
Do direito do segurado contribuinte individual ao reconhecimento do tempo especial de trabalho
Ao prever o direito à aposentadoria especial, a Lei n. 8.213/1991 determina, em seu artigo 57, que o benefício será devido, uma vez cumprida a carência, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
A categoria “segurado” não abrange somente o “empregado”, alcançando também, entre outros, o “contribuinte individual”.
A lei, destarte, não nega a possibilidade de o contribuinte individual ter concedida a aposentadoria especial ou ter reconhecido tempo especial de trabalho. A situação obsta que o alcance da norma legal se restrinja a determinadas espécies de segurados.
A jurisprudência pacificou o entendimento acerca da possibilidade de se reconhecer a atividade de profissional autônomo (contribuinte individual) como tempo especial de trabalho, considerando que o artigo 64, do Decreto n. 3.048/1999, ao limitar a concessão do benefício de aposentadoria especial ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado, excede sua finalidade regulamentar. Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1517362/PR, Primeira Turma, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, DJe 12.5.2017; STJ, REsp 1436794/SC, Segunda Turma, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 28.9.2015; e TRF/3ª Região, ApCiv 5003618-60.2021.4.03.6126, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, DJEN 2.4.2024
Outrossim, a circunstância de a Lei n. 8.212/1991 não conter norma específica sobre o custeio da aposentadoria especial do contribuinte individual não afasta o direito ao benefício, que está expressamente previsto na lei de benefícios.
Cabe anotar que não se trata de instituir novo benefício, sem a correspondente fonte de custeio. Com efeito, o benefício, que já existe, pode ser concedido a segurado que implementa as respectivas condições previstas na lei de benefícios.
Ademais, conforme disposto na Constituição da República, a Seguridade Social será financiada não apenas com recursos decorrentes de contribuições incidentes sobre as remunerações, mas também com recursos de toda a sociedade, o que incluiu contribuições de empresas, que incidem sobre outras bases imponíveis (artigo 195). Trata-se do princípio da solidariedade.
Frise-se, ainda, que a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que é possível o reconhecimento do tempo de serviço especial do segurado contribuinte individual não cooperado, desde que cumprida a carência e comprovado que o trabalho foi realizado com exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos termos da legislação vigente à época da prestação do serviço. Nesse sentido: REsp 2.104.649, Segunda Turma, Relator Ministro AFRÂNIO VILELA, DJe 21.6.2024; REsp 1.793029, Segunda Turma, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 30.5.2019; e REsp 1.470.482, Primeira Turma, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 3.2.2017.
Da exigência de prévia fonte de custeio da aposentadoria especial
O excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, em sede de repercussão geral, assim se pronunciou acerca do modelo de financiamento de benefícios de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição decorrente da conversão de tempo especial em comum: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88). Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".
Do caso concreto
Da análise dos autos, observo que, ao reconhecer a especialidade das condições de trabalho realizado pelo autor no período de 1º.7.2000 a 11.10.2016, a decisão agravada registrou que: o Juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido inicial para reconhecer a especialidade das condições de trabalho exercido pelo autor no período de 29.4.1995 a 30.6.2000; e que o período de 31.7.1987 a 28.4.1995 foi considerado tempo especial de trabalho, em sede administrativa.
Segundo a referida decisão, o laudo pericial judicial e seu respectivo complemento consignam que: no período de 29.4.1995 a 30.6.2000, o autor exercia a função de dentista, junto à Prefeitura de Municipal de Pindamonhangaba, com exposição a agentes biológicos; quanto ao mencionado período, há registro, no CNIS, do indicador IEAN, que se refere à exposição a agente nocivo informada pelo empregador, passível de comprovação; e que, no período de 1º.7.2000 a 11.10.2016 (DER), ele trabalhou como dentista e cirurgião-dentista, em consultório dentário, também com exposição a agentes biológicos.
Esse último período, em que o autor recolheu contribuições previdenciárias na qualidade de contribuinte individual, foi considerado tempo especial de trabalho, o que motivou a insurgência do INSS.
Apesar da inexistência de vínculo empregatício com o município de Pindamonhangaba, a atividade exercida pelo autor, entre 1º.7.2000 e 11.10.2016, é a mesma que desempenhava entre 29.4.1995 e 30.6.2000, sendo notória a exposição de dentistas a agentes nocivos biológicos. Com efeito, as atividades próprias dessa profissão envolvem o manuseio de agentes biológicos e materiais infecto-contagiantes.
É pertinente destacar que a decisão agravada registrou que a perícia, que constatou a especialidade das condições de trabalho no período em questão, foi realizada por perito judicial equidistante das partes e obedeceu aos critérios técnicos relativos à perícia ambiental, bem como baseou-se nas atividades e funções exercidas pela parte autora.
Nesse contexto, o fato de as contribuições previdenciárias atinentes àquele período terem sido recolhidas pelo profissional, na qualidade de contribuinte individual, não justifica o afastamento da especialidade das condições de trabalho.
Ainda cabe reiterar que, assim como a jurisprudência, a lei previdenciária não restringiu o reconhecimento do tempo especial de trabalho a segurados diversos do contribuinte individual.
Os fundamentos da decisão agravada coadunam-se com o posicionamento do colendo Superior Tribunal de Justiça e desta egrégia Corte, anteriormente citados.
Não verifico, portanto, motivo que justifique a reforma da decisão agravada, a qual deve ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo interno, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. TEMPO ESPECIAL. COMPROVAÇÃO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. USO DE EPI. FONTE DE CUSTEIO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
1. A legislação aplicável para a caracterização da atividade especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida.
2. Na hipótese de o segurado apresentar PPP indicativo de sua exposição a determinado agente nocivo e inexistindo prova de que o EPI seja capaz de neutralizar totalmente a nocividade do ambiente de trabalho, impõe-se o reconhecimento da especialidade das condições de trabalho. Precedentes.
3. A lei não nega a possibilidade de o contribuinte individual ter concedida a aposentadoria especial ou ter reconhecido tempo especial de trabalho, em que a comprovação se deu ao longo de seu histórico profissional.
4. Ao limitar a concessão do benefício de aposentadoria especial ao segurado empregado, trabalhador avulso e ao contribuinte individual cooperado, o artigo 64 do Decreto n. 3.048/1999 excede sua finalidade regulamentar. Precedentes.
5. A sistemática prevista na Lei n. 8.212/1991 acerca da aposentadoria especial estabelece a respectiva fonte de custeio, preservando o equilíbrio financeiro e atuarial.
6. Agravo interno não provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
