D.E. Publicado em 10/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026281-51.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 23/01/2015 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 07-49).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 71).
Citação, em 07/07/2015 (fl. 22).
Estudo socioeconômico (fls. 89-96).
Laudo médico pericial (fls. 107-118).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, opinando pela concessão do benefício (fls. 145-149).
A r. sentença, prolatada em 01/06/2017, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação. Ainda, condenada a autarquia federal ao pagamento das parcelas vencida, com juros e correção monetária, até o efetivo pagamento pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, como dispõe o art. 1º-F da Lei 9.494/97. Determinada a isenção do réu do pagamento de custas e despesas processuais (art. 8º, § 1º, da Lei 8.621/93) (fls. 150-152).
O INSS interpôs recurso de apelação. Requer a reforma total do julgado. No mérito, pleiteia, em suma, a reforma da sentença. Para o caso de manutenção do decisum, requer que a incidência da correção monetária e dos juros de mora sobre as parcelas pagas com atraso se dê de acordo com a o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação conferida pela Lei 11.960/2009. Por fim, requer isenção do pagamento de custas e despesas processuais (fls. 159-175).
Com contrarrazões (fls. 181-183), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026281-51.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa idosa.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias.
Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/2003.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
In casu, a parte autora, nascida em 06/05/1947, logrou comprovar o requisito etário, ao demonstrar possuir 67 anos de idade, já à época do aforamento da demanda (fl. 08), portanto, indevida a realização de perícia médica para aferição da sua incapacidade para o labor, diante da presunção legal da incapacidade. Assim, por entendê-la despicienda, deixo de apreciar a referida prova.
Por sua vez, o estudo social relativo a visita realizada em 28/11/2015 (fls. 89-96) revela que o núcleo familiar era constituído pela própria autora, à época com 67 anos de idade, e por seu cônjuge, Raimundo Luiz de Lima, 73 anos de idade (D.N. 08/12/1941).
A autora informou a assistente social de que a renda familiar se restringia ao valor do benefício de prestação continuada (BPC) percebido pelo seu cônjuge, no valor de um salário mínimo mensal, que na ocasião estava fixado em R$ 788,00 por mês.
Ressalto que, consoante fundamentado acima, a renda de um salário mínimo mensal percebido pelo cônjuge da requerente deve ser desconsiderada para fins de apuração da renda per capita.
Não obstante, compulsando os autos, bem como o estudo socioeconômico realizado, constatei que não subsistem nele elementos caracterizadores de que a parte autora se encontrasse em situação de hipossuficiência. Senão, vejamos.
A família residia em casa própria, construído em alvenaria, em "ótimo estado de conservação, sem a presença de vazamentos, rachaduras e umidade," constituída por "07 (sete) cômodos espaçosos", distribuídos em três quartos, sala, cozinha, e dois banheiros.
A residência encontrava-se guarnecida com mobília suficiente ao bem estar e conforto da família. Verifica-se até mesmo quantidade excedente de mobiliário: uma cama de solteiro, duas camas de casal, guarda-roupas, fogão, geladeira, mesa com quatro cadeiras, um televisor, armário de cozinha, máquina de lavar roupas, rack e jogo de sofá.
Outrossim, a família possuía um automóvel modelo Pálio, ano 1997.
A expert informou ainda que no mesmo terreno, em imóvel contíguo, residia uma filha solteira da autora, Noêmia Rodrigues de Lima, sem filhos, e também beneficiária de benefício de prestação continuada a pessoa portadora de deficiência, em razão de sofrer de depressão.
Já a despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 300,00), energia elétrica (R$ 40,00), água (29,00), e gás de cozinha (R$ 52,00), totalizando R$ 421,00.
Observe-se que parte da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com manutenção do veículo, tais como taxas, impostos, combustível, etc, cujos valores não foram declinados, despesas essas totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Convém ainda ressaltar que o fato da autora residir em casa tão ampla (com três dormitórios), e a filha solteira e sem filhos do casal residir em imóvel contíguo, sem qualquer ônus, demonstra que a situação financeira da demandante e seu cônjuge lhes permite abrir mão de rendimentos de aluguel, para ajudar na mantença de filha capaz se auto sustentar, considerando-se que qualquer imóvel é potencialmente gerador de renda.
Ainda que não informado e quantificado qualquer auxílio ofertado pelos três filhos casados da promovente, os quais, segundo informação da parte autora à expert, residem em imóvel próprio, o conjunto probatório permite perceber que a mesma usufrui de uma vida sem privações.
Observo que a jurisprudência desta corte é pacífica ao considerar que a ajuda financeira prestada pelos filhos a seus pais deve ser considerada para fins de aferição da miserabilidade destes. Confira-se:
Por fim, pesquisa realizada in loco na residência da família por servidor do INSS (fls. 48-49) constatou a existência de "outras casas" no terreno no qual reside a autora: "Compareci no endereço solicitado, fui atendida pelo Sr. Raimundo Luiz de Lima, esposa da Dª Alzira e pai de Noemia Rodrigues de Lima, que me apresentou a residência. A casa é grande e conforme você vai entrando tem outras casas, que segundo o Sr. Raimundo, foram os filhos que construíram e não permite que aluguem para não incomodar os pais. Chegando na casa dele, me levou até dois cômodos, que é uma extensão da casa, dizendo que a filha morava lá, mas sem nenhum indício de moradia," (g.n.).
Além das casas supracitadas, o cônjuge da autora também possui em seu nome um terreno situado no Município de Sorocaba.
Ora, verifica-se neste caso, que a família da autora possui vários imóveis, os quais, naturalmente, constituem fonte de renda certa, seja na alienação ou na locação, e, se não querem utilizá-los como tal, restou claro - é por mero capricho pessoal da família, pois, no dizer dos filhos da autora, mencionados pelo seu cônjuge: não alugam somente para os genitores não serem incomodados.
Em suma, o cotidiano familiar da autora, permeado eventualmente por alguma hipossuficiência econômica, neste caso, ocorre por pura opção pessoal. Ademais, se real fosse a precariedade econômica aventada nos autos, ao menos parte de tais bens já teria sido alienada, pois "A fome quando ataca A barriga não espera Quem sente faz a hora e Não espera acontecer" (Valter Rozados Junior).
Cabe ressaltar, por fim, que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social. Ademais, a assistência social estatal é subsidiária àquela que deve ser prestada pelos familiares, notadamente pelos filhos aos pais idosos.
Assim, conclui-se que os recursos obtidos pela família da parte requerente são, pois, suficientes para cobrir os gastos ordinários e os cuidados especiais que lhe seriam imprescindíveis, do que se reconhece indevida a concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Fica a Autarquia ciente de que sua intimação para o cumprimento da determinação ora lançada ocorre no ato da intimação acerca da presente decisão/despacho, na pessoa de seus Procuradores, nos termos do art. 231, VIII do CPC/2015 e nos termos do Ofício n. 78/2017 - UTU8, datado de 16.05.2017, encaminhado pela Presidência da Oitava Turma à Procuradora-Chefe da Procuradoria-Regional Federal da 8ª Região.
Competirá aos Procuradores da Autarquia realizar as comunicações internas e administrativas necessárias ao cumprimento da medida.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
Data e Hora: | 23/10/2017 18:34:33 |