
| D.E. Publicado em 24/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, e dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0042582-73.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 29/10/2014 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 05-22).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 25).
Citação, em 04/12/2015 (fl. 29).
Estudo socioeconômico (fls. 73-75).
Laudo médico pericial (fls. 78-80).
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pela procedência da ação (fls. 95-97).
Decisão antecipatória da tutela (fl. 120).
Agravo de instrumento interposto pelo réu (fls. 124-130).
Decisão proferida no recurso de agravo de instrumento, que deferiu o efeito suspensivo pleiteado pelo INSS, para reconhecer a nulidade da decisão agravada (fls. 138-139).
A r. sentença, prolatada em 02/02/2017, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data do pedido administrativo, 18/04/2014 (fls. 143-144).
Decisão emanada desta Corte, a qual declarou prejudicado o agravo de instrumento, porquanto o decisum interlocutório objeto do agravo restou absorvido pela sentença (fls. 153-154).
Apelação do INSS. Requerido a concessão de efeito suspensivo ao recurso, No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento dos requisitos relativos à miserabilidade e à incapacidade. (fls. 160-169).
Sem contrarrazões (fls. 171-172), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo provimento da apelação do INSS, diante do não preenchimento pelo autor, de ambos os requisitos para a concessão do benefício requerido (fls. 174-185).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0042582-73.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1.000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1.000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1.000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia médica realizada em 15/06/2015 (fls. 78-80), que o expert concluiu que O demandante, à época com 14 anos de idade, é portador de patologia classificada no CID 10 F90: "transtorno de déficit de atenção e hiperatividade", a qual ocasiona incapacidade "para exercer atividades laborativas.".
Ressalte-se que, em resposta a quesito formulado pelo réu, o expert asseverou que "(...) se trata de uma doença incurável, mas passível de melhora com medicação contínua e acompanhamento multiprofissional." (g.n.)
Tratando-se o periciado de criança ou adolescente não se há falar ou discutir a existência de incapacidade para o labor - somente há de se avaliar "(...) a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade.", conforme dispõe o art. 4º, parágrafo 1º, do Decreto nº 7.617/2001.
Em suma, analisar-se-á a incapacidade para a realização das atividades cotidianas compatíveis com a idade da criança ou do adolescente, ou seja, sua capacidade de alimentar-se, locomover-se, brincar, estudar, etc, e, neste caso, o laudo pericial não demonstra que o autor não possuiria capacidade para o exercício de tais atividades.
Assim, entendo que parte autora não tem direito ao amparo assistencial, uma vez que não preenche o requisito da incapacidade, nos moldes do quanto exigido na legislação de regência.
Por sua vez, o estudo social concernente à visita realizada em 17/06/2015 (fls. 73-75) revela que o autor residia com os genitores, Valquiria Solange Mendes, "diarista", 40 anos de idade (D.N.; 31/05/1975) e Antonio da Silva Pires, 45 anos de idade (D.N.: 13/06/1970).
O núcleo familiar residia em casa alugada, construída em alvenaria e coberta com telhas de cerâmica, constituída por 04 cômodos: dois quartos, sala, cozinha e um banheiro, em regular estado de conservação.
A residência encontrava-se guarnecida com mobília simples, mas em bom estado de conservação.
A assistente social foi informada de a renda familiar era constituída pela renda esporádica auferida pela genitora do autor, que declarou ser "diarista sem vínculo empregatício", no valor de R$ 150,00 por mês, e pela renda auferida pelo genitor do requerente, que trabalhava lavrador, no valor de R$ 950,00 por mês, totalizando R$ 1.100,00. Consequentemente, a renda per capita do núcleo familiar da autora era de aproximadamente R$ 366,00 por mês. Por ocasião do estudo social o valor do salário-mínimo mensal estava fixado em R$ 788,00.
Esclareço que, por expressa disposição legal (art. 4º, § 2º, II, do Decreto nº 6.214/07), o valor percebido pela família do autor, proveniente de programa de transferência de renda (Bolsa-Família) - R$ 150,00 por mês - não pode ser considerado para fins de apuração da renda per capta.
De outro lado, a despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos (não especificados) que totalizavam R$ 1.100,00 ao mês.
Entretanto, depreende-se das pesquisas realizadas Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, e coligidas aos autos pelo réu e pelo Ministério Público Federal (fls. 87-93 e fls. 178), que o genitor do demandante percebia, à época do estudo social, renda superior aquela declarada, a saber, R$ 1.034,45 por mês. Consequentemente, a renda familiar totalizava, na realidade, R$ 1.184,00 por mês.
Merece relevo o fato de que no processo administrativo a genitora do autor informou (em 22/07/2014) laborar informalmente como "cuidadora de idoso", auferindo R$ 700,00 por mês (fl. 41).
Sendo assim, não há, nos autos, elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: verifica-se, in casu, que os recursos obtidos pela família da parte requerente, que deveriam ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
Ademais, a renda per capita do núcleo familiar, no valor de R$ 296,18 por mês ultrapassava sobremaneira o limite legal (R$ 197,00 por mês), e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade.
Cabe lembrar que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Isso posto, não conheço da remessa necessária, e dou provimento à apelação autárquica. Tutela antecipada revogada.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 09/04/2018 19:27:18 |
