
| D.E. Publicado em 05/09/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, e dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0003228-36.2015.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 26/08/2015 com vistas ao restabelecimento do pagamento de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e condenação do réu ao pagamento das parcelas vencidas, desde a data da cessação do pagamento do benefício, e a indenizar a parte autora aos danos morais decorrentes da suspensão retromencionada.
Documentos acostados à exordial (fls. 16-32).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 37).
Citação, em 21/09/2015 (fl. 39).
Estudo socioeconômico, através de mandados de constatação (fls. 58-62 e127-128).
Laudo médico pericial (fls. 68-73).
A r. sentença, prolatada em 09/12/2016, julgou parcialmente procedente o pedido. Antecipados os efeitos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data da citação (21/09/2015 - fls. 39). Sobre as prestações vencidas deverão incidir juros de mora e correção monetária, aplicados na forma prevista no Manual de Orientação Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal em vigor na data da sentença. Sentença submetida ao reexame necessário (fls. 165-172).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à incapacidade. Para o caso de manutenção do decisum, requer a alteração dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora, de forma que sejam observadas as normas inscritas no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, para todo o período de cálculo dos valores liquidados, até a expedição do ofício precatório ou RPV. Por fim, pleiteia o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos, por força da tutela antecipada, nos próprios autos (fls. 181-184).
Com contrarrazões da parte autora (fls. 188-195), subiram os autos a este Egrégio Tribunal, sobrevindo parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo provimento do recurso autárquico (fls. 199-209).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0003228-36.2015.4.03.6111/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC - vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1.000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1.000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o princípio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Trata-se de recurso interposto pelo réu (INSS) contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de restabelecimento de benefício assistencial concedido a pessoa portadora de deficiência, pagamento das parcelas elencadas na exordial, e indenização por danos morais.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/2003.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01/04/2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Passo a análise do conjunto probatório.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia médica realizada em 18/01/2016 (fls. 68-73), que o expert concluiu que a demandante é portadora Síndrome de Dependência ao Álcool ("CID10-F10.2") e Epilepsia ("CID10-G40"), e que "Apresenta sinais e sintomas de Polineuropatia alcoólica e é portadora de Neurossífilis". Asseverou ainda a expert que "Após avaliar atentamente a história clínica, exame psíquico, relatórios, atestados médicos e leitura dos autos de forma Total e Temporária, DESDE QUE E TÃO SÓMENTE estiver em tratamento especializado em dependência química, em regime hospitalar fechado, num período mínimo de 90 (noventa) dias." (g.n.).
Anoto que o fato de a inaptidão da parte requerente ser temporária não impediria o restabelecimento do pagamento do benefício assistencial, que também é temporário e deve ser mantido apenas enquanto presentes os requisitos necessários, devendo ser revisto a cada dois anos.
No entanto, o estudo social realizado em 07/12/2015 (fls. 59-62), e complementado em 18/08/2016 (fls. 128-128 v.) revela que o núcleo familiar era constituído pela própria autora, com 42 anos de idade (D.N.: 19/08/1967), solteira; por seu filho, Danilo Monteiro de Souza, 30 anos, convivente em união estável; pela nora, Kellen Ribeiro, 35 anos, auxiliar de cozinha; pela neta Ana Clara de Souza, 4 anos de idade, cujo pai encontrava-se preso e a mãe, que quase não tinha contato com a filha, desempregada; e também por sua genitora, Josefa Gimenes de Souza, viúva, 72 anos de idade, pensionista.
Cumpre ressaltar também que a neta da autora, Ana Clara de Souza (que não é filha do casal supramencionado) não poderia ser considerada integrante do seu núcleo familiar, à inteligência do disposto no § 1º do art. 20, da Lei 8.742/93, considerando que a parte autora não logrou trazer aos autos comprovação da tutela da menor impúbere, cujos pais não integravam o núcleo familiar - o genitor por encontrar-se preso, e a genitora por motivo desconhecido, porquanto não foi declinado nos autos o seu paradeiro.
O núcleo familiar residia em casa com financiamento em andamento em nome da genitora da autora, e com prestação no valor de R$ 32,00 por mês, construída em alvenaria, constituída por dois quartos, sala, cozinha e banheiro, os quais, conforme se infere das fotografias acostadas aos laudos, encontram-se em bom estado de conservação, sendo que a cozinha e o banheiro possuíam revestimento cerâmico nas paredes e no chão.
A residência encontrava-se guarnecida com mobília simples, mas em quantidade suficiente ao conforto da família, e em ótimo estado de conservação (fl. 62).
A despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 600,00), energia elétrica (R$ 63,00), água (R$ 27,00), gás (R$ 53,00), medicamentos (R$ 50,00), telefone (R$ 20,00), vestuário (R$ 50,00), e financiamento (R$ 40,00), e condução (R$ 100,00) totalizando R$ 863,00 ao mês.
Inicialmente, ressalto que o valor gasto com alimentação, totalizando R$ 600,00 por mês, quando o salário-mínimo mensal estabelecido era de R$ 788,00, por si só demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com os dos integrantes das classes sociais a que se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica.
Merece relevo o fato de que além de não terem sido comprovados os gastos declarados com medicamentos (R$ 50,00 por mês), também não restou esclarecida a razão daqueles de uso contínuo estarem sendo adquiridos em estabelecimentos privados, ao invés de ser acessada a rede pública de saúde para tanto, ou ainda, exigido (ainda que judicialmente) do Estado seu fornecimento gratuito.
Quanto à alegação de desemprego do filho da autora, perfilho o entendimento de que se trata de situação temporária, pois se trata de pessoa jovem, saudável (no laudo social consta que ele não utiliza medicamentos), e que não demonstrou qualquer impedimento para o labor.
Ademais, pesquisas realizadas no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais (fls. 121-123) demonstram que o referido filho da requerente possui vários vínculos de labor (de 20/12/2010 a 19/04/2011, de 05/03/2012 a 20/03/2012, de 02/07/2012 a 30/08/2012, de 29/05/2014 a 12/11/2014, e de 10/12/2014 a 03/03/2015), e sempre com renda superior a um salário mínimo mensal.
No tocante a renda familiar, a expert foi informada de que a renda familiar resumia-se ao benefício de pensão por morte (no valor de um salário mínimo mensal) auferido pela genitora da autora, no valor de R$ 788,00 por mês.
Primeiro cumpre ressalvar que, consoante fundamentado acima, a renda de um salário mínimo percebida pela genitora da autora, proveniente de benefício previdenciário deve ser desconsiderada para fins de apuração da renda per capita, assim como o valor do benefício assistencial percebido pela autora, por força de antecipação da tutela.
Não obstante, não há, nos autos, elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente aparentemente são suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como eventuais tratamentos médicos e cuidados especiais que lhes sejam imprescindíveis.
Por fim, compulsando-se os autos, constata-se que a parte autora não se desincumbiu de demonstrar a dissolução da união estável comprovada por ocasião do pedido administrativo do benefício, no qual se verifica que ela residia somente com o companheiro, Edson de Oliveira Cavalcante (fls. 149-158).
Na realidade, sequer é possível afirmar com total segurança que a parte autora residia na Rua Demerval Pereira, nº 202, com a genitora e outros familiares, considerando que nunca foi avistada no local pelos auxiliares do Juízo a quo. Senão, vejamos, a Oficial de Justiça Avaliadora certificou, em 07/12/2015: "A autora não se encontrava no local em nenhuma das vezes em que esteve lá. Sua mãe e curadora, Sra. Josefa, disse que ela sai e passa dias fora." (g.n.). Em 18/08/2016 o Oficial de Justiça Avaliador novamente certificou no mandado de constatação: "Certifico, ainda, que todas as informações acima foram dadas pela Sra. Josefa Gimenez, já que sua filha (Autora) não aparecia em casa há dois dias (fato comum)."
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus ao restabelecimento do benefício assistencial, nem à indenização por danos morais pleiteada, cujo pedido restou prejudicado, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância.
Fica a Autarquia ciente de que sua intimação para o cumprimento da determinação ora lançada ocorre no ato da intimação acerca da presente decisão/despacho, na pessoa de seus Procuradores, nos termos do art. 231, VIII do CPC/2015 e nos termos do Ofício n. 78/2017 - UTU8, datado de 16.05.2017, encaminhado pela Presidência da Oitava Turma à Procuradora Chefe da Procuradoria-Regional Federal da 8ª Região.
Competirá aos Procuradores da Autarquia realizar as comunicações internas e administrativas necessárias ao cumprimento da medida.
Passo o analisar o pleito formulado pelo réu, de restituição dos valores recebidos pela postulante por força da antecipação da tutela.
É firme a jurisprudência desta Corte no sentido que é indevida a restituição dos valores percebidos de boa-fé pelo segurado, a título de proventos de aposentadoria ou de benefício assistencial, ante a natureza alimentar da referida verba.
Nesse sentido:
Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, confira-se:
Em razão do caráter alimentar dos valores percebidos a título de benefício assistencial, conjugado com a falta de configuração da má-fé da segurada, a devolução pleiteada pela autarquia não se justifica.
Isso posto, não conheço da remessa necessária, e dou provimento à apelação autárquica.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
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