
| D.E. Publicado em 26/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e dar parcial provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012531-16.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 30/08/2013 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 06-19).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 26).
Estudo socioeconômico (fls. 59-60).
Laudo médico elaborado por perito judicial (fls. 72-74).
A r. sentença, prolatada em 18/12/2015, julgou procedente o pedido, e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, devidamente atualizado, a partir do vencimento de cada parcela, nos termos do índice do IPCA e acrescidos de juros de mora, nos termos da Lei 9.494/97, conforme ADIn 4.357/DF, contando-se da data da citação (fls. 94-99).
Apelação do INSS. Inicialmente, requer seja reexaminada toda a matéria desfavorável ao INSS, na forma prevista no art. 10 da Lei 9.469/97, e a revogação da tutela antecipada. No mérito, pugna pela reforma integral do julgado. Aduz que não restaram atendidos pela parte autora os requisitos concernentes à hipossuficiência e à incapacidade para o labor. Para o caso de manutenção do decisum, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do laudo socioeconômico aos autos e incidência de correção monetária e juros de mora observando-se o disposto no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09 (fls. 105-123).
Com contrarrazões da parte autora (fls. 127-137), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012531-16.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
DA REMESSA NECESSÁRIA
Quanto ao pleito de submissão da sentença ao reexame oficial, seguem as seguintes considerações:
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Também, não acolho a preliminar arguida pela autarquia federal, de necessidade de revogação da tutela antecipada, ante o risco da irreversibilidade do provimento.
Ora, nada impede possa ser deferida a antecipação de tutela, mesmo contra a Fazenda Pública, quando presentes os requisitos legais, dado que esse provimento jurisdicional provisório e prévio não impede, nem afasta, a sujeição da sentença final ao reexame da instância ad quem.
A única hipótese que não poderia ser admitida a antecipação da tutela diz respeito à decisão revestida de irreversibilidade, o que não se afigura ocorrente no caso em consideração. E, nos termos do artigo 496 do Código de Processo Civil, o duplo grau de jurisdição está sempre vinculado à sentença, não se havendo falar em sujeição a ele em sendo a decisão concedida liminarmente
Deste entendimento não destoam os Tribunais, consoante se depreende da ementa a seguir transcrita:
Destarte, deixo de revogar a tutela antecipadamente concedida.
Passo ao julgamento do mérito.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
In casu, a incapacidade, parcial e temporária, da parte autora restou devidamente comprovada por meio do laudo médico pericial elaborado em 27/05/2015 (fls. 72-74), do qual se extraí que "(...) a pericianda é portadora de quadros psíquicos classificados com transtorno afetivo bipolar, episódio atual misto e dependência por cocaína (comorbidade) (...)" (g.n.).
Anoto que o fato de a inaptidão da parte requerente ser temporária não impede a concessão de benefício assistencial, que também é temporário e deve ser mantido apenas enquanto presentes os requisitos necessários, devendo ser revisto a cada dois anos.
Por sua vez, o segundo estudo social, elaborado em 01/12/2014 (fls. 59-60), revela que à época a autora, incapaz (interditada), à época com 33 anos de idade (D.N.: 01/12/1981), solteira, residia com sua genitora e curadora, Elizabeth de Souza (DN 19/07/1959), divorciada, aposentada, e com suas duas filhas, Stefany Vitória de Souza Lincoln (DN 15/02/2003), estudante, e Taissa Nicolin Souza Lincoln (DN 19/03/2008), estudante.
A família residia em casa alugada, construída em alvenaria, constituída por dois quartos, sala, cozinha, banheiro, "com forro, com piso, simples e com mobílias."
A renda familiar declarada resumia-se ao ganho auferido pela genitora da autora, proveniente de proventos de aposentadoria, no valor de um salário-mínimo. À época o salário-mínimo nacional estabelecido era de R$ 724,00 por mês, portanto, a renda per capita perfazia R$ 181,00 por mês na ocasião.
Já a despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos com aluguel (R$ 430,00), alimentação (R$ 450,00), energia elétrica (R$ 100,00), água (R$ 60,00), gás de cozinha (R$ 50,00), e empréstimo bancário até 2018 (R$ 60,00), totalizando R$ 1.150,00.
Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que a família vivia em estado de miserabilidade. Os recursos obtidos pela família da autora são insuficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
E nessas condições, não é possível à parte autora ter vida digna ou, consoante assevera a Constituição Federal, permitir-lhe a necessária dignidade da pessoa humana ou o respeito à cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito.
Quanto ao termo inicial do benefício, o mesmo deve ser mantido como fixado pela r. sentença, na data do pedido administrativo (18/09/2013), constante no documento de fls. 24-25, ex vi do artigo 49, da Lei 8.213/91, que considera esse o momento em que o benefício tornou-se exigível.
A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado.
Isso posto, rejeito a preliminar arguida e dou parcial provimento à apelação autárquica, para estabelecer o critério de incidência da correção monetária e dos juros de mora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | David Diniz Dantas:10074 |
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| Data e Hora: | 11/07/2016 17:55:56 |
