
| D.E. Publicado em 26/07/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0015533-91.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 10/07/2012 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 06-58).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 75).
Citação, em 17/04/2013 (fl. 92).
Laudo médico elaborado por perito judicial (fls. 205-212).
Estudo socioeconômico (fls. 220-223).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 237-240).
A r. sentença, prolatada em 18/03/2015, julgou procedente o pedido, e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, 19/10/2012 (fl. 89). Sobre as parcelas em atraso incidirão, a partir de cada vencimento, para efeitos de atualização, o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97. Sucumbente, arcará o réu com o pagamento das custas e despesas processuais, observadas as isenções legais. Sentença submetida ao reexame oficial (fls. 243-245).
Apelação do INSS. No mérito, pugna pela reforma integral do julgado. Aduz que não restaram atendidos pela parte autora os requisitos concernentes à hipossuficiência e à incapacidade para o labor. Para o caso de manutenção do decisum, requer que seja observada a prescrição quinquenal, a aplicação da isenção de custas da qual é beneficiária a autarquia federal, que a incidência de correção monetária e juros de mora observe o disposto no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09 (fls. 253-268).
Sem contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0015533-91.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
DA REMESSA NECESSÁRIA
Quanto à remessa oficial, a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, seguem as seguintes considerações:
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias.
Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/2003.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
In casu, a incapacidade, parcial e temporária, da parte autora restou devidamente comprovada por meio do laudo pericial elaborado em 19/05/2014 (fls. 205-2012), no qual o expert expõe que: "A AUTORA DE 62 ANOS DE IDADE, ENVELHECIDA, OBESA EM GRAU II (SEVERA), PORTADORA DE ALTERAÇÕES NEURO-PSIQUIÁTRICAS COM DISTÚRBIOS AFETIVOS, EMOCIONAIS, COM SÍNDROME DO PÂNICO, AGORAFOBIA E ISOLAMENTO SOCIAL DEVIDO A TRANSTORNO BIPOLAR E DE PERSONALIDADE; cujos quadros mórbidos a impossibilita de trabalhar atualmente, necessitando de tratamento especializado. APRESENTA-SE INCAPACITADA DE FORMA TOTAL E TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO. (...)".
Anoto que o fato de a inaptidão da parte requerente ser temporária não impede a concessão de benefício assistencial, que também é temporário e deve ser mantido apenas enquanto presentes os requisitos necessários, devendo ser revisto a cada dois anos.
Por sua vez, o estudo social elaborado em 25/09/2014 (fls. 220-223), revela que o núcleo familiar era formado por 02 pessoas: a própria parte autora, 62 anos (DN 17/03/1952), do lar, e seu cônjuge, Benedito Luiz Barbosa, 64 anos de idade (DN 18/07/1950), servente de pedreiro autônomo. O casal possuía quatro filhos (que não residiam com os pais), Joseandra Barbosa, Sebastiana Josiele Barbosa, Jocelito Barbosa e Eloisa Juelita NBarbosa, todos com vida independente.
A família residia em casa própria, de alvenaria, constituída por três quartos, duas salas, cozinha e dois cômodos desativados. A residência encontrava-se "em péssimas condições de habitabilidade, haja vista que se encontra com rachaduras no teto, nas paredes e no piso e com muito bolor nas paredes e tetos.".
Na residência não constatou a existência de computador, aparelho telefônico, de som ou vídeo. A autora possuía duas máquinas de costura, que alegou não utilizar mais.
A renda familiar resumia-se aquela recebida do programa de transferência de renda denominado "Bolsa Família", no valor de R$ 77,00 por mês e do trabalho de servente de pedreiro exercido pelo cônjuge da demandante, no valor (média) de R$ 500,00 por mês.
Outrossim, a autora informou que recebia ajuda das filhas, que lhes cedia vestuário e alimentação, bem como para comprar os medicamentos não fornecidos pela rede pública de saúde.
A despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 300,00), energia elétrica (R$ 46,00) e água (R$ 35,00), totalizando R$ 381,00 por mês.
Esclareço que, por expressa disposição legal (art. 4º, § 2º, II, do Decreto nº 6.214/07), o valor percebido pela família do autor, proveniente de programa de transferência de renda (Bolsa-Família) não pode ser considerado para fins de apuração da renda per capta.
Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade.
A descrição das condições do imóvel e a simplicidade do mobiliário denotam, por si só, que os recursos obtidos pela requerente, nos quais se inclui a ajuda prestada pelos filhos (que não residem com o casal) são insuficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe são imprescindíveis.
E nessas condições, não é possível à parte autora ter vida digna ou, consoante assevera a Constituição Federal, permitir-lhe a necessária dignidade da pessoa humana ou o respeito à cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito.
Portanto, positivados os requisitos legais, é de se concluir que a parte autora tem direito ao amparo assistencial.
A correção monetária e os juros moratórios incidirão nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor, por ocasião da execução do julgado.
Por fim, afaste-se a arguição de prescrição, nos termos do artigo 103, da Lei 8.213/91. Prescrevem as parcelas devidas antes do quinquênio anterior ao ajuizamento da demanda e, no caso dos autos, o benefício foi concedido a partir do pedido administrativo, ocorrido em 19/10/2012 (fl. 89), ou seja, depois da propositura da ação.
Outrossim, ressalto que mantém-se a tutela antecipada na sentença.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 11/07/2016 17:56:03 |
