
| D.E. Publicado em 24/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005135-17.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 02/06/2016 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 04-33).
Deferidos à parte autora os benefícios da justiça gratuita (fl. 35).
Contestação (fl. 40-45). Impugna o mérito e junta documento.
Estudo socioeconômico (fls. 55-57).
Laudo médico judicial (fls. 70-72).
A r. sentença, prolatada em 10/07/2017, julgou procedente o pedido, e antecipou os efeitos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data da citação (22/06/2016), acrescido de juros de mora e correção monetária. Fixou honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Dispensado expressamente o reexame oficial (fls. 93-95).
Apelação do INSS, na qual pugna pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à miserabilidade. Para o caso de manutenção do decisum, requer seja limitada a concessão do benefício aos períodos em que não haja vínculos empregatícios em nome dos familiares, e a aplicação da Lei n. 11.960/09 no tocante aos juros de mora e correção monetária.
Com contrarrazões (fls. 129-131), subiram os autos a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005135-17.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, infere-se do laudo realizado em 21/03/2017, que o autor, à época com 24 anos, é portador de síndrome genética, congênita, com várias deformidades osteo-musculares pelo corpo, que o incapacitam de forma total e permanente para o trabalho.
Assim, resta comprovada a questão da deficiência, que sequer foi objeto de apelo da autarquia federal.
Por sua vez, o estudo social elaborado em 06/08/2016 (fls. 55-57) revela que o núcleo familiar era constituído por quatro pessoas: pelo autor, solteiro, nascido aos 12/09/1992, estudante, concluiu ensino médio e atualmente faz curso de técnico em informática; por seus genitores, Maria Irai de Queiroz (D.N. 27/07/1962), trabalhadora rural desempregada desde 03/03/2010, e Rubens Moreira de Queiroz (D.N. 21/10/1954), aposentado, trabalha sazonalmente no mercado informal após rescisão de seu vínculo em 26/03/2016, bem como seu irmão Edirlei Aparecido de Queiroz (D.N. 25/04/1983), solteiro, ensino médio completo, trabalhador rural desempregado desde 2015.
O núcleo familiar residia em casa própria, deixada de herança pela avó paterna do autor, construída em alvenaria, em boas condições, constituída por quatro cômodos.
A residência encontrava-se guarnecida por mesa de mármore e quatro cadeiras, geladeira de duas portas, pia, armário de parede, fogão com quatro acendedores, cômoda de quatro gavetas, cama de casal, cama beliche, cama de solteiro, dois guarda-roupas de seis portas, cômoda pequena com quatro gavetas, mesa para computador, computador, televisor, LCD 42", rádio 3x1 e sofá com três e dois lugares; móveis, que segundo a assistente social, oferecem boas condições para uso.
O bairro possuía rede de água e esgoto tratados, energia e asfalto; os moradores têm acesso as áreas de saúde (UBS), assistência social (CRAS) e educação (Escola de Ensino Regular, Creche e APAE).
A família possuía um veículo da marca Ford Scort ano 93.
A despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos com supermercado (R$ 800,00), energia elétrica (R$ 80,00), água (R$ 40,00), gás (R$ 52,00), parcela em loja do comércio/compra de roupas (R$ 51,00), e combustível (150,00), totalizando R$ 1.173,00 ao mês.
A assistente social foi informada de que a renda familiar resumia-se aos proventos de aposentadoria auferidos pelo genitor do demandante, no valor de R$ 880,00, somados aos R$ 500,00, em média, que ele aufere trabalhando de servente de pedreiro autônomo.
Consoante CNIS juntado às fls. 110-125, o pai do autor apesar de aposentado continuou trabalhando.
Assim, ainda que desconsiderado o valor mínimo da aposentadoria, restaria a renda auferida em razão dos vínculos empregatícios verificados nos períodos de 10/03/2015 a 23/03/2016, e de 14/11/2016 a 07/04/2017.
Registre-se que em nova consulta ao CNIS, consta, ainda, vínculo no período de 21/09/2017 até hoje, sendo que em todos os períodos sempre recebeu salários acima de R$ 1.000,00.
Ainda que tenha havido um pequeno intervalo de desemprego no ajuizamento da ação (02/06/2016), este não justifica a concessão do benefício, pois foi um período temporário logo remediado pelo trabalho formal dos membros da família, que não apresentam impedimento ao trabalho.
A mãe do autor apresenta vínculos em períodos idênticos e na mesma empresa empregadora de seu pai, nos períodos de 14/11/2016 a 07/04/2017 e de 21/09/2017 até hoje, com salários acima de R$ 1.000,00.
Sem olvidar do vínculo do irmão, no período de 22/06/2016 a 06/07/2016 (fl. 87).
Outrossim, verifico que parte da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com gasolina e compra de roupas, despesas essas totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Assim, considerando as condições de habitabilidade e a ausência de gastos extraordinários, conclui-se que os recursos obtidos pela família da parte requerente encontram-se, pois, suficientes para cobrir os gastos ordinários e os cuidados especiais que lhes sejam imprescindíveis, não estando configurada situação de miserabilidade.
Cabe lembrar que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Com relação aos valores recebidos pela parte autora, o Colendo Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme aresto abaixo transcrito. Confira-se:
Condeno, por fim, a parte autora ao pagamento da verba honorária, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), na esteira da orientação erigida pela E. Terceira Seção desta Corte (Precedentes: AR 2015.03.00.028161-0/SP, Relator Des. Fed. Gilberto Jordan; AR 2011.03.00.024377-9/MS, Relator Des. Fed. Luiz Stefanini). Sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da assistência judiciária gratuita, observar-se-á, in casu, a letra do art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
Isso posto, dou provimento à apelação autárquica. Tutela antecipada revogada.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 09/04/2018 18:36:17 |
