
| D.E. Publicado em 08/11/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021531-69.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 04/11/2014 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 07-25).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 31).
Estudo socioeconômico e complementações (fls. 80-81, 126-127 e 202-203).
Laudo médico pericial e complementação (fls. 103-106 e fl. 137).
A r. sentença, prolatada em 05/02/2018, julgou improcedente o pedido (fls. 224-227).
Apelação da parte autora. Pugnou pela reforma integral do julgado (fls. 231-238).
Sem contrarrazões (fl. 242), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021531-69.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial relativo à perícia realizada em 09/09/2015 (fls. 103-106), e complementada em 30/03/2016 (fl. 137), que a autora é portadora de "sequela de acidente vascular cerebral - CID-10 I64, desde julho de 2014, em tratamento fisioterápico para membro superior esquerdo. (...)," e que referida patologia incapacita a demandante de forma parcial e permanente, porquanto ao responder aos quesitos formulados pelo réu, o expert esclareceu que a requerente não se encontra apta apenas para "realizar trabalho rural e ou esforço físico. (quesito 9); mas quanto ao "desempenho em aprender, aplicar o conhecimento aprendido, pensar, resolver problemas e tomar decisões (ler escrever, observar, ouvir, usar ferramentas), o Sr. perito respondeu que não há restrições (quesito 11); o expert também asseverou que a requerente não sofre limitações ou restrições para realizar a rotina diária, para comunicar-se, mudar ou manter a posição do corpo (na cama, na cadeira, cadeira de rodas, agachada ou ajoelhada e auto transferir-se), manusear, movimentar, deslocar ou carregar objetos, andar sozinha e sem auxílio de outrem a pé por curtas ou longas distâncias, e para autocuidar-se (quesitos 13,14, 15 a, e 16).
Embora a perícia médica tenha concluído que a requerente está incapacitada de forma apenas parcial para o exercício de atividades laborais, é cediço que o julgador não está adstrito apenas à prova pericial para a formação de seu convencimento, podendo decidir contrariamente às conclusões técnicas, com amparo em outros indicadores vislumbrados nos autos. In casu, as cópias da carteira de trabalho da requerente, coligidas às fls. 09 a 15 dos autos, demonstram ter ela desempenhado a derradeira atividade profissional como colhedora, que exige grande esforço físico. Entendo ser total a incapacidade da demandante para o trabalho, pois além dela não possuir condições de exercer o ofício habitual, conforme conclusão pericial, entrevejo comprometida a sua reinserção no mercado de trabalho, em outras atividades, devido a sua baixa instrução e modesta qualificação profissional.
De outro lado, foi realizado estudo social em 20/05/2015 (fls. 80-81). A visita se deu no endereço indicado pela autora na exordial (Rua Padre Raul, 64, Vila Cruz, Tabatinga, SP), reafirmado por ela (fl. 79), não obstante os vizinhos do imóvel tenham declarado desconhecer a requerente, conforme certificado por Oficial de Justiça do juízo a quo, em 11/05/2015 (fl. 76).
Na oportunidade, a parte autora, com 45 anos de idade, informou à assistente social que residia em imóvel alugado, somente "com uma das filhas", Cátia Regina da Silva, com 24 anos de idade, possuidora de doença mental, e beneficiária do "LOAS".
Poucos dias após a elaboração do estudo socioeconômico supracitado, em 29/06/2015, a parte autora peticionou nos autos informando novo endereço residencial: "avenida Tiradentes, 31, em Curupá, distrito de Tabatinga - SP"(fl. 97), e, em razão disso foi requerida pelo réu a realização de novo estudo social (fls. 114-115), tendo sido deferido o pleito (fl. 116),
O novo estudo social ocorreu em 21/06/2016 (fls. 126-127). A assistente social foi desta feita informada que o núcleo familiar da parte autora era formado por ela, por sua filha Cátia, e pelo companheiro, Sr. José Alberto, que trabalhava na empresa agrícola Cutrale. Entretanto, a autora declarou que não vivia maritalmente com o Sr. José Alberto. Não obstante, a auxiliar do juízo observou: "(...) um dos quartos tem mobiliário de casal, estando a cama desarrumada ainda (...)".
A família residia em imóvel alugado, construído em alvenaria, com dois quartos, "cozinha com divisão", um banheiro e área de serviço coberta; tratava-se de uma edícula, com boa pintura de paredes, sem portas (cortinas de tecido). A residência encontrava-se guarnecida com o mobiliário básico, em bom estado de uso.
Em relação à renda familiar, a demandante afirmou que se resumia ao benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, percebido por sua filha Cátia, e que desconhecia o valor do salário auferido pelo companheiro.
Intimada acerca do novo laudo social, a parte autora alegou e requereu às fls. 130/131: "(...) Quanto ao namorado o fato da cama da autora estar desarrumada não quer dizer que o mesmo residia com a mesma (...) que a Sra. Oficiala emita parecer técnico dando sua conclusão como fez no laudo anterior, fls. 81, e constate se realmente a autora tem um companheiro e se moram juntos, quanto ele ganha e quanto gastam (...)"(g.n.). No mesmo sentido manifestou-se a autarquia federal às fls. 143: "(...) Em relação ao laudo social (o novo laudo social), constatou-se uma possível relação marital estabelecida pela Requerente. Diante desse fato novo, é necessário que a Assistente Social e, se for o caso, em conjunto com o Oficial de Justiça, certifique-se se existe mesmo essa relação e qual o grau de colaboração financeira do convivente em relação às despesas da Requerente. (...)."
Em atendimento do requerido pelas partes, foi determinada pelo douto Juízo de origem a expedição de mandado de constatação (fl. 144), e realizada a referida diligência em 19/07/2016. Foi constatado que José Alberto de Souza, nascido em 07/04/1961, tratorista, residia maritalmente com a autora, tendo declarado a renda de R$ 1.300,00 por mês (fls. 148-149).
Entretanto, depreende-se da pesquisa realizada pelo réu no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais (fls. 158-170) que por ocasião da diligência relativa ao mandado de constatação, em Julho/2016, o companheiro da demandante auferiu renda de R$ 1.531,56 - superior aquela que informara à assistente social (R$ 1.300,00), e que os salários percebidos pelo empregado no ano de 2016 variavam, por exemplo, R$ 2.011,38 (Janeiro), R$ 1.691,53 (Março), R$1.624,78 (Maio), e R$ 1.691,26 (Junho).
Consoante fundamentado acima, a renda de um salário mínimo percebida pela filha da autora deve ser desconsiderada para fins de apuração da renda per capita. No entanto, considerando-se que a filha Cátia auferia renda destinada exclusivamente a sua mantença, temos que o salário do companheiro da autora destinava-se apenas à manutenção do próprio trabalhador e de sua companheira - autora da ação; consequentemente, a renda per capita perfazia, no mínimo, R$ 650,00 por mês.
Tendo os estudos socioeconômicos omitido o valor da despesa mensal da parte autora, ela, sponte propria, sanou a omissão, trazendo aos autos os valores individualizados e respectivos comprovantes (fls. 207-215 e 217-220), a saber: alimentação (R$ 627,00), aluguel (R$ 350,00), energia elétrica (R$ 77,36), água (R$ 49,70), farmácia (R$ 60,00), e consulta e exame particular (R$ 620,00), totalizando R$ 1.784,66 por mês.
Verifica-se que a renda per capita do núcleo familiar, ultrapassava sobremaneira o limite legal, e não se verificavam outros elementos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente mostraram-se suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como exames e tratamentos com médicos particulares, e cuidados especiais que lhes sejam imprescindíveis.
Isso posto, nego provimento à apelação da parte autora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
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| Data e Hora: | 22/10/2018 17:50:31 |
