D.E. Publicado em 12/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica e julgar prejudicado o recurso adesivo da parte autora,,, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011587-43.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 24/02/2015 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 21-42 e 48-49).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 43).
Citação, em 07/05/2015 (fl. 76).
Estudo socioeconômico (fls. 67-68 e 187-188).
Laudo médico elaborado por perito judicial (fls. 146-149 e 160).
Decisão antecipatória da tutela (fl. 176).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, opinando pelo deferimento do pedido (fls. 220-225).
A r. sentença, prolatada em 11/07/2016, julgou procedente o pedido. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo. Determinado o pagamento das parcelas vencidas do benefício de uma única vez, devidamente atualizadas, observando-se a prescrição quinquenal (fls. 226-231).
Embargos de declaração opostos pela parte autora (fls. 240-242), os quais restaram rejeitados (fls. 267-268).
Apelação do INSS. No mérito, pugna pela reforma integral do julgado. Aduz que não restou atendido pela parte autora o requisito concernente à hipossuficiência, previsto no art. 20 da Lei 8.741/93. Para o caso de manutenção do decisum, requer seja fixado o termo inicial do benefício na data da juntada aos autos do laudo socioeconômico (10/04/2015) (fls. 248-253).
Recurso adesivo da parte autora, pleiteando o afastamento da incidência da prescrição quinquenal, considerando que o autor é incapaz desde 30/03/2006, data da interdição (fls. 272-277).
Com contrarrazões da parte autora (fls. 278-287), subiram os autos a este Egrégio Tribunal, sobrevindo parecer do Ministério Público Federal, no sentido de que seja desprovido o recurso autárquico, e provido o recurso adesivo da parte autora (fls. 296-303).
As partes e o Ministério Público Federal foram devidamente intimados para ciência e eventual manifestação acerca da documentação de fls. 305-318.
Manifestação da parte autora acerca dos documentos de fls. 305-318.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pela reforma parcial da sentença, a fim de seja reconhecido o direito à percepção do benefício no período de Agosto de 2014 a Março de 2017 (fls. 330-330 v.).
O réu apenas reiterou o constante de seu recurso de apelação (fl. 332).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011587-43.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recursos interpostos pelas partes contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo pericial, relativo a perícia médica realizada em 28/09/2015 e sua complementação (fls. 146-149 e 160), que o autor, nascido em 12/12/1967, foi vítima de atropelamento em via pública no ano de 2001 e desde então é "(...) é portador de seqüelas por TCE ocorrido em abril de 2001, com interdição judicial desde 300306 fundamentada em laudo psiquiátrico pericial em 21072015., corroborando os dados clínicos e achados compatíveis com a redução de massa encefálica e síndrome pré-demencial. Esclareceu ainda, o expert que: "Existe pois, a alegada deficiência mental e sensorial pela perda de olfato e paladar enquadrável na CIF e também no Decreto 5296/04 com barreiras graves em funções corpóreas e no domínio atividades e participações - qualificador 4.", e que tais patologias acarretam ao autor incapacidade total e permanente para o labor (g.n.).
Por sua vez, o estudo social elaborado em 28/03/2015 e complementado em 06/03/2016 (fls. 67-68 e fls. 187-188) revela que o núcleo familiar era constituído pelo próprio autor(D.N.: 27/11/2002), por sua genitora, Maria José dos Santos Noronha, 65 anos de idade (D.N.: 06/03/1950); pelo irmão, Jailson dos Santos Alves, desempregado, 47 anos de idade (D.N.: 12/12/1967), e por duas sobrinhas, menores impúberes, Maria Gabriela dos Santos Reis e Tiffany Cristina dos Santos Alves.
Cumpre ressaltar que, não tendo curadora da parte autora comprovado a guarda (provisória ou definitiva) de ambas as netas, sobrinhas do autor, elas não podem ser considerados integrantes do núcleo familiar, à inteligência do disposto no § 1º do art. 20, da Lei nº 8.742/93, in verbis:
Não obstante, ressalto que a pesquisa de fl. 306, realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, demonstra que a genitora das crianças acima mencionadas, Maria Aparecida dos S. Reis, era beneficiária de auxílio-reclusão (no período de 26/01/2009 a 01/07/2017), em valores variáveis, superiores a um salário mínimo mensal, não sendo crível que, residindo ambas as menores com a progenitora, esta não mantivesse financeiramente as filhas.
A família residia em casa cedida pelo patrão da genitora do autor, em área rural - Chácara Meia Lua, Jaguariúna/SP, assim descrita no laudo socioeconômico: "de alvenaria, e conta com 1 quarto, 01 cozinha e 01 banheiro, tudo muito simples. Em relação a eletrodomésticos, eles possuem geladeira, TV e fogão. A residência é de difícil acesso ao transporte coletivo e eles não possuem veículo automotor."
A assistente social foi informada pela genitora do autor que a renda familiar resumia-se ao salário que ela percebia como caseira da chácara, no valor de R$ 724,00 por mês, e, que esse valor era dividido com outro funcionário que cuidava do jardim, portanto, a renda familiar equivaleria a R$ 362,00 por mês.
O fato da autora dividir o salário com outro funcionário não restou comprovado nos autos, e mostra-se totalmente inverossímil, diante do valor da despesa declarada e das contribuições previdenciárias recolhidas em seu próprio nome e em nome do filho autor da presente ação (fls. 251 e fls. 309 v.-310).
Merece relevo o fato de que o réu informou às fls. 198-201 que a genitora do autor passou a perceber, em 12/05/2015, benefício assistencial de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, em razão do atingimento da idade mínima.
Por ocasião do estudo social, o irmão do requerente, Jailson dos Santos Alves, encontrava-se de fato, desempregado, mas, in casu, a alegação de desemprego não pode ser considerada como causa de miserabilidade, pois, ele possuía apenas 47 anos de idade, ou seja, encontrava-se em idade produtiva, sendo que o desemprego de pessoa jovem e saudável (não restou demonstrado nos autos qualquer impedimento para o labor) deve ser considerado fato eventual, e não permanente.
Ainda cumpre observar que esse mesmo irmão do autor percebia, em Março de 2006 (quando foi protocolado o último pedido administrativo do benefício), R$ 738,67. Nessa época, o salário mínimo mensal fixado era R$ 300,00; e que, já em Abril de 2017 ele recomeçou a laborar formalmente, com renda mensal de aproximadamente R$ 2.000,00 por mês.
Quanto à despesa mensal do núcleo familiar, a curadora do demandante considerou relevante apenas aquela dispendida com a alimentação, totalizando R$ 400,00 por mês.
Constata-se que apesar de terem sido incluídos na totalização da despesa mensal do núcleo familiar todos os gastos declarados pela família, essenciais a uma sobrevivência digna, ainda verifica-se, no presente caso, considerável superávit orçamentário.
Sendo assim, não há elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente deveriam ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora todos os requisitos necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, devendo ser reformada a r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância (fl. 176).
Julgo prejudicado o recurso adesivo interposto pela parte autora.
Isso posto, dou provimento à apelação autárquica e julgo prejudicado o recurso adesivo da parte autora.
É COMO VOTO.
Desembargador Federal
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