D.E. Publicado em 23/08/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016605-79.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 05/06/2014 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 10-51).
Citação, em 07/07/2014 (fl. 20).
Estudo socioeconômico (fls. 111-112).
Laudo médico elaborado por perito judicial (fls. 146-155).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 173).
A r. sentença, prolatada em 01/07/2016, julgou improcedente o pedido (fls.173-175).
Apelação da parte autora. Pugnou pela reforma integral do julgado (fls. 180-187).
Contrarrazões do réu (fls. 194-197).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, opinando pelo indeferimento do pedido (fls. 199-203).
Subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016605-79.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia realizada em 22/04/2015 (fls. 146-155), que o autor "´(...) é portador de discopatias de coluna lombar, (...) Também é portador de nódulo calcificado em base do pulmão direito, achado radiográfico em 2009 - sem comprometimento clinico atual"", e ainda, que a primeira patologia incapacita o demandante de forma total e temporária para o trabalho, tendo esclarecido o expert que "No momento o quadro se caracteriza como uma incapacidade total temporária, potencialmente reversível com tratamento cirúrgico - a ser avaliado no Hospital de Américo Brasiliense (segundo informações do Autor)"
Anoto que o fato de a inaptidão da parte requerente ser temporária não impediria a concessão de benefício assistencial, que também é temporário e deve ser mantido apenas enquanto presentes os requisitos necessários, devendo ser revisto a cada dois anos.
Por sua vez, o estudo social realizado em 25/02/2015 (fls. 111-112) revela que o núcleo familiar era constituído pelo próprio autor, com 53 anos de idade solteiro, desempregado, e por seu irmão, Reginaldo Donizette Gallo, 47 anos de idade, solteiro.
A família residia em casa própria ("casa de herdeiros"), construída em alvenaria, com laje, constituída de dois quartos, uma sala, copa e cozinha, um banheiro e uma edícula.
A residência encontrava-se guarnecida com móveis e eletrodomésticos em quantidade suficiente ao atendimento das necessidades da família, a saber: geladeira, fogão, um armário de cozinha, uma mesa com quatro cadeiras, um jogo de sofá, um com dois e outro com três lugares, dois guarda-roupas e duas camas de solteiro. A edícula era utilizada como depósito.
Segundo informações prestadas à assistente social, a renda familiar advinha exclusivamente do labor do irmão do autor, que teria começado a trabalhar no dia 20/01/2015 na Associação Casa do Abrigo, que prestava serviço de acolhimento institucional a crianças e adolescentes, conveniada com a prefeitura, auferindo salário de R$ 1.500,00 por mês.
No entanto, pesquisas realizadas no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, e coligidas aos autos pelo réu (fls. 128-138) demonstram que não é verídica a informação prestada à assistente social, no tocante a renda familiar declarada na ocasião da perícia. O irmão do requerente laborava em dois empregos, na empresa Rádio Primavera Ltda - ME, desde 01/07/2010, tendo auferido, em Janeiro de 2015 a renda média de R$ 1.850,00 (R$ 809,78 + 657,00 + 374,80), e na empresa Associação Casa do Abrigo de Porto Ferreira, desde 21/01/2015, tendo auferido salário proporcional nesse mês, no valor de R$ 573,34, e em Fevereiro/2015 o salário integral, no valor de R$ 1.720,00. Consequentemente, o irmão do autor possuía renda mensal de aproximadamente R$ 3.570,00 por mês, perfazendo a renda per capita, então, R$ 1.785,00. Ressalte-se que de Janeiro/2015 a Dezembro/2015 o salário-mínimo mensal estabelecido era de R$ 788,00.
Já a despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 500,00), energia elétrica (R$ 80,00), água (R$ 40,00), e medicamentos (R$ 300,00) totalizando R$ 920,00 por mês.
Não vislumbro nestes autos elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade extrema, ao contrário: constata-se que, mesmo tendo sido incluídos na totalização da despesa mensal do núcleo familiar todos os gastos relativos a despesas comuns a maioria dos cidadãos brasileiros, essenciais a uma sobrevivência digna, e ainda, aquelas realizadas com medicamentos, necessidade cujo suprimento poderia ser exigido do Estado, ainda assim, verifica-se superávit orçamentário. Em suma, restou demonstrado que a parte autora tem todas suas necessidades básicas supridas, não estando configurada situação de miserabilidade.
Em suma, a renda per capita do núcleo familiar, no valor de aproximadamente R$ 1.785,00 por mês ultrapassava sobremaneira o limite legal, e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família hipossuficiente.
Sendo assim, não se pode afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pelo núcleo familiar da parte requerente deveriam ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe são imprescindíveis.
Isso posto, nego provimento à apelação da parte autora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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