
| D.E. Publicado em 23/01/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001301-64.2012.4.03.6006/MS
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 27/08/2012 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 10-29).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 32).
Mandado de constatação socioeconômica (fls. 33-35).
Decisão antecipatória dos efeitos da tutela (fls. 36-37).
Citação, em 04/04/2013 (fl. 56).
Laudos médicos elaborados por peritos judiciais (fls. 97-99 e 123-133).
Estudo socioeconômico elaborado por assistente social (fls. 100-104).
A r. sentença, prolatada em 30/11/2016, julgou procedente o pedido, e condenou o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal. (fls. 142-144).
Apelação do INSS. No mérito, pugna pela reforma integral do julgado. Aduz que não restou atendido pela parte autora o requisito concernente à hipossuficiência, previsto no art. 20 da Lei 8.741/93. Para o caso de manutenção do decisum, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do relatório de estudo social que comprove em juízo a miserabilidade exigida pela lei assistencial, e quanto à correção monetária e aos juros de mora devidos sobre as parcelas em atraso, requer que sejam aplicados na forma do disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09) (fls. 145-160).
Com contrarrazões da parte autora (fls. 163-166), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001301-64.2012.4.03.6006/MS
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, a perícia médica realizada em 17/08/2015 (a primeira, realizada em 22/02/2013, restou impugnada pelo réu). constatou-se que a parte autora é portadora de "VARIZES DE MEMBROS INFERIORES COM ULCERA E INFLAMAÇÃO. CID I832.", e ainda, que tal patologia incapacita a demandante de forma parcial e permanente para o trabalho. O expert esclareceu: "(...) PERICIADA TEM LIMITAÇÃO PARA EXERCER FUNÇÕES QUE EXIJAM ESFORÇOS MODERADOS OU INTENSOS, BEM COMO HÁ LIMITAÇÃO PARA EXECUTAR ATIVIDADES QUE EXIJA LONGA PERMANÊNCIA EM PÉ. (...) PERICIADA SEMPRE EXERCEU AS LIDES DO LAR. NÃO HÁ INVALIDEZ PARA TAL PROFISSÃO. (...) TRATA-SE DE DOENÇA QUE ACOMETE A CIRCULAÇÃO MAS QUE NO MOMENTO ENCONTRA-SE SOB CONTROLE, COM CICATRIZAÇÃO DA ÚLCERA.(...) NÃO HÁ DEFICIÊNCIA FÍSICA, E SIM UMA DOENÇA VASCULAR EM TRATAMENTO, QUE LIMITA EXERCÍCIO DE DETERMINADAS FUNÇÕES OU MOVIMENTOS.(...)".
Não obstante tenha sido reconhecida a incapacidade para o labor como sendo parcial, a conclusão pericial conjugada com os fatores relacionados às condições pessoais da parte autora - idade (na ocasião da perícia, 48 anos), tendo desempenhado a derradeira atividade de dona de casa, ou seja, consoante informa o laudo pericial, "(...) LIDES DO LAR POR TODA A VIDA. ALEGA QUE NUNCA EXERCEU FUNÇÃO REMUNERADA (...)", o exame médico leva a crer que a autora possui condições de exercer, além da atividade habitual de dona de casa, profissões que não dependam de esforço físico, tais como bilheteira, controladora de estacionamento, artesã, vigia de guarita, recepcionista, ascensorista, etc.
Por sua vez, o estudo social elaborado em 13/07/2015 (fls. 100-104) revela que o núcleo familiar era constituído pela própria autora, à época com 46 anos de idade (D.N.: 29/11/1966), e por seu cônjuge, João Vasconcelos de Araújo, 54 anos de idade (D.N.: 13/03/1959), desempregado.
A família residia em casa própria, adquirida há 15 anos, construída em alvenaria, em área, constituída por três quartos, duas salas, três banheiros, despensa e uma área de serviço no fundo. A casa era "forrada, de telha de barro, com pintura por dentro e fora, e o chão é de piso frio, (...) Há abastecimento elétrico e água."
A residência encontrava-se guarnecida com dois jogos de sofá, rack duas TV, aparelho de som, poltrona, ventilador, quatro cadeiras, uma mesa, uma geladeira, pia, armário de cozinha, fogão, forno micro-ondas, liquidificador; no primeiro quarto havia uma cama de casal, um guarda-roupa grande, um berço e uma cômoda; no segundo quarto também havia uma cama de casal, um guarda roupa e dois criados-mudos; no terceiro quarto, que seria do filho do casal de nome Fábio (o qual se encontrava preso há 5 meses) havia mais uma cama de casal e um guarda-roupas.
A família possuía um automóvel marca Fiat, modelo Uno.
A assistente social foi informada pela requerente de que renda familiar era constituída somente pelo valor proveniente do benefício assistencial obtido na presente ação, por antecipação da tutela. Por ocasião do estudo social o valor do salário-mínimo mensal estava fixado em R$ 788,00.
Já a despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 400,00), energia elétrica (R$ 60,00), água (R$ 30,00), gás (R$ 55,00), e telefone (R$ 40,00), totalizando R$ 585,00 por mês.
Inicialmente, ressalto que o valor gasto só com alimentação (R$ 400,00 por mês) para duas pessoas, em Julho de 2015, quando o salário-mínimo nacional era R$ 788,00 por mês, por si só demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com a renda dos integrantes das classes sociais a que de fato se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica.
Observe-se, ainda, que parte significativa da renda familiar estava sendo destinada a gastos com a manutenção (combustível, taxas e/ou impostos, e consertos, cujos valores não foram declinados) do automóvel da família, despesas essas totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Outrossim, in casu, a alegação de desemprego do cônjuge da autora não pode ser considerada como causa de miserabilidade, pois, por ocasião do estudo social ele possuía apenas 54 anos de idade, ou seja, encontrava-se em idade produtiva, sendo que o desemprego de pessoa jovem e saudável (não restou demonstrado nos autos qualquer impedimento para o labor) deve ser considerado fato eventual, e não permanente.
Por fim, na pesquisa realizada no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, e acostada à contestação do réu, e não impugnada (fls. 93-94), demonstra que autora inscreveu-se perante a Previdência Social em 17/03/2011 como contribuinte individual ("Vendedor Ambulante"), tendo vertido contribuições de 04/2011 a 04/2012.
Sendo assim, não há elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente deveriam ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe são imprescindíveis.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Fica a Autarquia ciente de que sua intimação para o cumprimento da determinação ora lançada ocorre no ato da intimação acerca da presente decisão/despacho, na pessoa de seus Procuradores, nos termos do art. 231, VIII do CPC/2015 e nos termos do Ofício n. 78/2017 - UTU8, datado de 16.05.2017, encaminhado pela Presidência da Oitava Turma à Procuradora-Chefe da Procuradoria-Regional Federal da 8ª Região.
Competirá aos Procuradores da Autarquia realizar as comunicações internas e administrativas necessárias ao cumprimento da medida.
Isso posto, dou provimento à apelação autárquica.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 11/12/2017 17:26:56 |
