
| D.E. Publicado em 10/11/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conheço da remessa necessária, e dou provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0022161-62.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 22/09/2014 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 12-38).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 39).
Citação, em 17/10/2014 (fl. 39 v.).
Laudo médico pericial (fls. 84-88).
Estudo socioeconômico (fls. 55-A a 65-A).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls.106-114).
A r. sentença, prolatada em 03/03/2016, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data do requerimento administrativo, 25/04/2014 (fl. 21). As parcelas vencidas serão corrigidas monetariamente a partir da data da citação, de acordo com o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010, com as alterações promovidas pela Resolução nº 267/2013, ambas do Conselho da Justiça Federal. Condenado o réu, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (CPC, 20,§ 4º), correspondente até a data da publicação da sentença, não incidindo sobre as parcelas vencidas após a sentença (Súmula 111 do STJ). A autarquia federal foi isentada do pagamento de custas, nos termos do art. 8º, § 1º da Lei 8.620/93. Sentença submetida ao reexame necessário (fls. 115-117).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à hipossuficiência familiar. Para o caso de manutenção do decisum, requer a fixação do termo inicial do benefício em 13/04/2015, data da juntada do último laudo técnico aos autos; quanto à correção monetária e juros de mora incidentes sobre as prestações vencidas, que seja observada a aplicação do art. 1º da 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009; a fixação de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, e por fim, requer isenção do pagamento de custas e despesas processuais (fls. 127-140).
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Egrégio Tribunal (fls. 143-147).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, opinando pelo provimento da apelação autárquica, reformando-se a sentença com o fito de julgar improcedente o pedido (fls. 149-152).
Certidão relativa à conferência da numeração dos autos, da qual se depreende quais folhas dos autos foram numeradas incorretamente, sendo vedada a renumeração (fl. 155).
Parecer do Ministério Público Federal, opinando provimento do recurso autárquico (fls. 157-160).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0022161-62.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1.000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1.000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1.000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Na hipótese enfocada, depreende-se do laudo médico-pericial concernente a perícia realizada em 18/11/2014 (fls. 84-88), que a parte autora, com 04 anos de idade à época, era portadora de "deficiência auditiva e de fala", tendo o expert concluído que a demandante é : "(...) Incapaz somente para o exercício de seu trabalho ou da atividade que lhe garanta a subsistência; " (g.n).
Por sua vez, o estudo social realizado em 05/09/2015 (fls. 55-A a 65-A) revelou que o núcleo familiar era constituído por 04 pessoas: a parte autora, uma irmã, Brenda Pereira da Silva, de dois anos de idade, e os genitores, Josimar Aparecido da Silva, 25 anos de idade, tratorista, e Fernanda da Costa Pires Pereira, 22 anos de idade, não exerce atividade laboral remunerada.
A família residia em casa alugada, construída em alvenaria, em regular estado de conservação, constituída por quarto, sala, cozinha e banheiro, cobertos de telhas portuguesas, sem forro; piso de cerâmica; paredes internas com reboco e pintura.
A mobília descrita no laudo demonstra ser suficiente ao conforto e bem estar da família.
A família possuía um veículo automotor, modelo Monza, cujo ano de fabricação não foi declinado.
A assistente social foi informada de que renda familiar resumia-se ao ganho auferido pelo genitor da autora, proveniente de trabalho formal, no valor de, aproximadamente, R$ 1.300,00 por mês. À época o salário-mínimo nacional estabelecido era de R$ 788,00 por mês.
Merecem relevo as pesquisas realizadas no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais em 21/10/2014 (fls. 56-57), que demonstram que o genitor da requerente auferiu o salário declinado acima até Fevereiro/2013. A partir de Abril /2015 ele passou a receber salário mensal de R$ 1.500,00, até Outubro/2010 - quando foi realizada a pesquisa. Portanto, não são merecedoras de credibilidade as informações prestadas pela genitora da autora à assistente social.
A despesa mensal permanente do núcleo familiar compreendia gastos com aluguel (R$ 300,00), alimentação (R$ 300,00), energia elétrica (R$ 49,55), água (R$ 104,25), gás (R$ 46,00), totalizando R$ 799,80 por mês.
Ressalto que o documento de fl. 29 (cupom fiscal) por si só demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com a renda dos integrantes das classes sociais a que de fato se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica, na qual nunca se encontraria algum dos produtos adquiridos pelo demandante, a saber, presunto, muçarela, vários pacotes de biscoitos, latas de leite condensado, mistura pronta para bolo, papel perfumado, e amaciante de roupas.
Constata-se ainda que, mesmo tendo sido incluídos na totalização da despesa mensal do núcleo familiar todos os gastos relativos a despesas comuns a maioria dos cidadãos brasileiros, essenciais a uma sobrevivência digna, verifica-se significativo superávit orçamentário.
Outrossim, não restou demonstrado que a genitora da autora, nascida 27/04/1992, ora encontrando-se no auge da idade economicamente produtiva, possuiria impedimento para o exercício de atividade laboral.
Por fim, in casu, a renda per capita do núcleo familiar, no valor de R$ 750,00 por mês (a considerar-se a renda do genitor no ano de 2014) ultrapassava sobremaneira o limite legal (R$ 197,00), e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade. Ressalte-se que a renda média atual do genitor da requerente é de R$ 4.669,00 por mês (fl. 159).
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Fica a Autarquia ciente de que sua intimação para o cumprimento da determinação ora lançada ocorre no ato da intimação acerca da presente decisão/despacho, na pessoa de seus Procuradores, nos termos do art. 231, VIII do CPC/2015 e nos termos do Ofício n. 78/2017 - UTU8, datado de 16.05.2017, encaminhado pela Presidência da Oitava Turma à Procuradora-Chefe da Procuradoria-Regional Federal da 8ª Região.
Competirá aos Procuradores da Autarquia realizar as comunicações internas e administrativas necessárias ao cumprimento da medida.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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