
| D.E. Publicado em 21/09/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conheço da remessa necessária, não conheço do agravo retido, e dou provimento à apelação autárquica,, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0026717-49.2013.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 08/10/2010 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 13-16).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 18).
Citação, em 17/02/2011 (fl. 27 v.).
Laudo médico pericial (fls. 54-64).
Agravo retido interposto pela parte autora (fls. 66-71).
Sentença de improcedência, prolatada em 19/04/2013 (fls. 91-92).
Apelação da parte autora e contrarrazões (fls. 96-105 e 110).
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 114-116).
Decisão proferida por esta E. Corte, anulando a r. sentença prolatada, e determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para realização de perícia socioeconômica (fls. 117-120).
Baixa dos autos a Instância inferior, em 03/09/2014 (fls. 123).
Estudo socioeconômico (fls. 141-143).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 118-120).
A r. sentença, prolatada em 08/02/2017, julgou procedente o pedido e antecipou os efeitos jurídicos da tutela. Determinado o pagamento do benefício desde a data da citação. As parcelas vencidas serão corrigidas monetariamente a partir do vencimento de cada prestação, e acrescidas de juros de 1% ao mês a partir da citação, nos termos da Resolução nº 134/2010, do Conselho da Justiça Federal. Condenado ainda o réu ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, incidentes inclusive sobre os valores pagos administrativamente por conta da antecipação da tutela. Sentença submetida ao reexame necessário (fls. 122-130).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à incapacidade para a vida independente e para o labor. Para o caso de manutenção do decisum, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da apresentação do laudo; que seja reduzido o percentual da taxa de juros a ser aplicada para 0,5% (meio por cento) ao mês, e, quanto à correção monetária, seja declarada a aplicação da Lei 11.960/2009, bem como sejam reduzidos os honorários advocatícios ao percentual máximo de 5% (cinco por cento) das prestações vencidas até a sentença meritória (fls. 137-140).
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Egrégio Tribunal (fls. 145-166).
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não provimento do recurso autárquico (fls. 169-174).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0026717-49.2013.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Ab initio, insta salientar que em virtude da alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), a remessa oficial a qual foi submetida a r. sentença pelo douto Juiz a quo, não há de ser conhecida, consoante as seguintes considerações.
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1.000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1.000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1.000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Outrossim, não conheço do agravo retido interposto pela parte autora, uma vez que a exigência do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, não foi satisfeita.
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Na hipótese enfocada, depreende-se do laudo médico-pericial concernente a perícia realizada em 23/11/2012 (fls. 54-64), que a parte autora, com 06 anos de idade à época, era portadora de "paralisia obstétrica em ombro direito D 10 P12.0". No exame clínico então realizado se constatou: "bom estado geral, comunicativa, hidratada, eupneica, consciente e orientada no tempo e no espaço. Membros superiores: limitação funcional do ombro direito, com déficit na elevação, cotovelo como limitação flexão e extensão, com movimentos da mão preservados." A expert concluiu: "(...) o periciado apresenta uma redução da capacidade para as ações da vida cotidiana, não podendo exercer movimentos precisos do braço direito (...)"(g.n.).
Outrossim, da entrevista médica acostada ao laudo pericial, a própria parte autora, representada por sua genitora, declarou ser capaz de realizar os atos da vida cotidiana (higiene pessoal, deambular, raciocinar, etc) independentemente da ajuda de terceiros (fl. 62, quesito 10).
Assim, restou devidamente apurado, e declarado expressamente pela médica perita, que a referida patologia ocasiona apenas incapacidade parcial e permanente para as atividades habituais.
Cumpre ressaltar que, tratando-se a periciada de criança (menor impúbere), não se há falar em incapacidade para o labor - somente há de se analisar a presença de incapacidade para a realização das atividades cotidianas compatíveis com sua idade, ou seja, alimentar-se, locomover-se, brincar, estudar, etc, e, neste caso, restou claro que a autora possui capacidade para o exercício de tais atividades.
Por sua vez, o estudo social realizado em 05/09/2015 (fls. 141-143) revelou que o núcleo familiar era constituído por 04 pessoas: a parte autora, uma irmã adolescente, que não foi identificada, e os genitores, Eliseu Segatte, nascido em 08/08/1961, servidor público, e Salete Ferreira Batista, nascida em 07/03/1982.
A família residia em casa própria, O imóvel era construído em alvenaria, em fase de acabamento, sem forração, telha ondulada, piso com revestimento.
A mobília descrita no laudo demonstra ser suficiente ao conforto e bem estar da família. Os pais dormiam em um quarto, e as filhas em outro.
A família possuía um veículo automotor, cujo modelo e ano de fabricação não foram declinados no laudo.
A assistente social foi informada de que renda familiar resumia-se ao ganho auferido pelo genitor da autora, proveniente de trabalho formal na Prefeitura, onde trabalhava há quinze anos, no valor de, aproximadamente, R$ 1.160,00 por mês. À época o salário-mínimo nacional estabelecido era de R$ 788,00 por mês.
Merecem relevo as pesquisas realizadas no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais (fls. 72-73), que demonstram que no ano de 2010, quando foi proposta a presente ação, o genitor da demandante auferia renda mensal média de R$ 1.110,00. Na ocasião, o salário mínimo mensal encontrava-se fixado em R$ 510,00.
Outrossim, verifica-se que a genitora da autora laborou como empregada doméstica, de Maio/2011 a Janeiro/2013, com renda mensal que variou de R$ 600,00 a 690,00 por mês.
A despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 1.200,00), energia elétrica - duas faturas (R$ 240,00), gás (R$ 50), balé (R$ 110,00), aparelho ortodôntico (R$ 180,00), e combustível (R$ 250,00) totalizando R$ 2.130,00 por mês.
Ressalto que o valor gasto com alimentação, totalizando R$ 1.200,00 por mês, para apenas quatro pessoas, quando o salário-mínimo mensal estabelecido era de R$ 788,00, por si só demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com a renda dos integrantes das classes sociais a que de fato se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica.
Ainda, verifico que parte significativa da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com a manutenção (combustível, R$ 350,00, taxas e impostos, cujos valores não foram declinados e eventuais consertos) do automóvel da família, despesa essa totalmente prescindível em situação de penúria econômica extrema.
Assim, in casu, a renda per capita do núcleo familiar, no valor de R$ 290,00 por mês ultrapassava sobremaneira o limite legal (R$ 197,00), e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade.
Por fim, não restou demonstrado que a genitora da autora, nascida 07/03/1982, ora encontrando-se no auge da idade economicamente produtiva, e que já laborou formalmente como empregada doméstica durante o trâmite desta ação, possuiria impedimento para o exercício de atividade laboral.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Fica a Autarquia ciente de que sua intimação para o cumprimento da determinação ora lançada ocorre no ato da intimação acerca da presente decisão/despacho, na pessoa de seus Procuradores, nos termos do art. 231, VIII do CPC/2015 e nos termos do Ofício n. 78/2017 - UTU8, datado de 16.05.2017, encaminhado pela Presidência da Oitava Turma à Procuradora-Chefe da Procuradoria-Regional Federal da 8ª Região.
Competirá aos Procuradores da Autarquia realizar as comunicações internas e administrativas necessárias ao cumprimento da medida.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
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