
| D.E. Publicado em 23/08/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dou provimento à apelação autárquica, e julgo prejudicado o recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 07/08/2017 18:01:51 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003845-27.2000.4.03.6109/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 26/07/2000 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 09-23).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 26).
Citação do INSS, em 30/03/2001 (fl. 34 v.).
Laudo médico pericial (fls. 95-97).
Estudo socioeconômico realizados em 17/03/2008 (fls. 60-63).
Sentença prolatada em 22/10/2009, extinguindo o processo sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir superveniente (fls. 132-133).
Apelação do réu e contrarrazões (fls. 137-173 e 146-149).
Decisão proferida por esta E. Corte, anulando a r. sentença prolatada, e determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para realização de perícia socioeconômica (fls. 159-160).
Baixa dos autos a Instância inferior (fls. 163).
Estudo socioeconômico (fls. 169-175).
A r. sentença, prolatada em 20/03/2015, julgou procedente o pedido. Determinado o pagamento mensal do benefício bem como dos valores atrasados, de 18/05/2001 a 27/01/2004, data em que o INSS deferiu o pedido da parte autora na via administrativa. Sobre os valores atrasados deverão incidir juros e correção monetária, de acordo com os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/2010, com redação dada pela Resolução nº 267/2013, ambas do Conselho de Justiça Federal. Condenado ainda o réu ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vincendas até a data da sentença, consoante Súmula 111 do C. STJ. Afastada expressamente a remessa oficial (fls. 187-191).
Apelação do INSS. No mérito, pugnou, em suma, pela reforma integral do julgado, em razão do não atendimento do requisito relativo à miserabilidade. Para o caso de manutenção do decisum, requer que sejam observados os parâmetros declinados no recurso de apelação, quanto à correção monetária e juros de mora, e a redução da verba honorária para 5% (cinco por cento) do valor da condenação (fls. 194-200).
Contrarrazões da parte autora (fls. 202-211).
Recurso adesivo interposto pela autora. Requer a majoração da verba honorária advocatícia para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (fls. 212-213).
Sem contrarrazões do réu (fls. 215-215 v.), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 07/08/2017 18:01:44 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003845-27.2000.4.03.6109/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico, relativo à perícia médica realizada em 08/06/2004 (fls. 95-97), que o expert concluiu que a demandante "é portadora de lombociatalgia por hérnias discais, osteoporose e doença coronariana", e que "As patologias das quais a Autora é portadora levaram a perda de capacidade, essa perda é parcial e permanente."
Por certo que, embora tenha sido reconhecida a incapacidade como sendo de forma parcial e definitiva, a conclusão pericial conjugada com os fatores relacionados às condições pessoais da parte autora - idade considerada avançada para o mercado formal de trabalho, além de baixa instrução e ausência de qualificação profissional - levam a crer que a mesma não possui condições de exercer o ofício habitual, comprometendo, inclusive, sua reinserção no mercado de trabalho, em atividades outras.
E não se olvide a exigência contida no art. 21 da Lei 8.742/93, que impõe a revisão, a cada dois anos, das condições ensejadoras da concessão do Amparo, o que permitiria, caso readquirida a capacidade laboral e/ou a autosuficiência econômica, a cassação do benefício.
De outro lado, o estudo social, elaborado em 24/01/2015 (fls. 169-178) revelou que o núcleo familiar era constituído pela autora, 76 anos de idade (D.N. 28/01/1939), viúva, por seu irmão, Moacir de Freitas, 70 anos (D.N. 20/10/1945), solteiro, aposentado por invalidez; pelos filhos solteiros da demandante, Hamilton da Silva, 51 anos (D.N. 08/03/1964), e José Aparecido da Silva, 57 anos (D.N. 28/10/1958), e ainda, pela sobrinha, Aline Elaine da Silva (D.N. 28/11/1989).
Cumpre ressaltar que a sobrinha da autora não pode ser considerada integrante do núcleo familiar da demandante, à inteligência do disposto no § 1º do art. 20, da Lei 8.742/93, in verbis:
Inicialmente, verifica-se que núcleo familiar residia em casa alugada, mas por mera comodidade: "Afirma que residia anteriormente no bairro Parque Piracicaba, sendo residência de seu filho "Hamilton", declara que atualmente estão vivendo nesta residência por motivo de ser mais próximo do trabalho de seu filho e ficar mais próximo dos demais filhos. O imóvel próprio, atualmente está alugado no valor mensal de R$ 765,00, (...)"
A residência alugada, construída em alvenaria, era constituída de dois quartos, sala, cozinha, e banheiro, e encontrava-se totalmente mobiliada, consoante se infere das fotografias anexadas ao laudo.
A assistente social foi informada de que a renda familiar resumia-se aos proventos de aposentadoria percebidos pelo irmão da autora (Moacir de Freitas), no valor mensal de R$ 788,00; e pela renda proveniente do labor de frentista exercido por um dos filhos da requerente, Hamilton da Silva, no valor de R$ 980,00.
Outrossim, ressalto que, consoante fundamentado acima, a renda de um salário mínimo (R$ 788,00) percebida pelo irmão da autora, proveniente de benefício previdenciário (aposentadoria por invalidez) deve ser desconsiderada para fins de apuração da renda per capita.
Consequentemente, na ocasião, a renda familiar totalizaria R$ 980,00 por mês. Na data da perícia socioeconômica, o salário-mínimo mensal nacional estabelecido perfazia R$ 788,00.
No entanto, pesquisa realizada no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais (fls. 218-221) demonstra que são inverídicas as informações prestadas à assistente social, no tocante a renda familiar: à época, o filho da autora percebia aproximadamente R$ 1.649,52 por mês. Sendo essa a verdadeira renda (formal) do núcleo familiar da autora, e a renda per capita era de R$ 549,84 em Janeiro de 2015.
Quanto à alegação de desemprego de José Aparecido da Silva, filho da autora, não foi demonstrado qualquer impedimento para o labor em relação a ele, portanto, perfilho o entendimento de que se trata de situação temporária. A comprovar a assertiva, a pesquisa supramencionada realizada no CNIS (fls. 218) demonstra que o filho da demandante possui vínculo formal de emprego desde julho de 2016, sendo sua renda média R$ 1.560,00 por mês.
De outro lado, a despesa mensal fixa do núcleo familiar compreendia gastos com aluguel do imóvel (R$ 972,90), alimentação (R$ 1.000,00), energia elétrica (R$ 136,05), água (R$ 31,08), medicamentos (R$ 800,00 a R$1.000,00), convênio médico Unimed (R$ 830,00), totalizando de R$ 3.770,03 a R$ 3.970,00 ao mês.
Cumpre observar que, consoante fundamentado acima, as rendas percebidas pelo irmão e pela sobrinha da autora devem ser desconsideradas para fins de apuração da renda per capita, porquanto se destinam exclusivamente à manutenção de tais pessoas. De outro lado, não podem tais familiares serem computados como integrantes do núcleo familiar também quando da apuração das despesas.
Inicialmente, ressalto que o valor gasto proporcionalmente com alimentação, totalizando R$ 600,00 por mês para as três pessoas que compõe o núcleo familiar (ou R$ 1.000,00 para cinco pessoas), quando o salário-mínimo mensal estabelecido era de R$ 880,00, por si só demonstra que a família possuía hábitos de consumo totalmente incompatíveis com os dos integrantes das classes sociais a que se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica.
Verifico ainda que parte significativa da renda familiar estaria sendo destinada a gastos com pagamento de convênio médico (R$ 830,00), despesa essa totalmente prescindível em situação de penúria econômica extrema.
Merece relevo também o fato de que além de não terem sido comprovados os gastos declarados com medicamentos (de R$ 800,00 a R$ 1.000,00 por mês), também não restou esclarecida a razão daqueles de uso contínuo estarem sendo adquiridos em estabelecimentos privados, ao invés de ser acessada a rede pública de saúde para tanto, ou ainda, exigido (ainda que judicialmente) do Estado seu fornecimento gratuito.
Por fim, verifica-se que a renda familiar da autora lhe permite até mesmo pagar consultas de médicos particulares (fls. 13-14).
Sendo assim, não há, nos autos, elementos o bastante para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade, ao contrário: os recursos obtidos pela família da parte requerente aparentemente são ser suficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como tratamentos médicos e cuidados especiais que lhe sejam imprescindíveis.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Isso posto, dou provimento à apelação autárquica, e julgo prejudicado o recurso adesivo da parte autora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 07/08/2017 18:01:47 |
