
| D.E. Publicado em 20/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do apelo do INSS de fls. 185/198, rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, negar provimento à apelação autárquica e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 05/03/2018 16:40:03 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0042188-66.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 10/06/2010 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 18-58).
Deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 59).
Citação em 27/01/2011 (fl. 71).
Laudo médico judicial (fls. 119-126).
Estudo socioeconômico (fls. 142-144).
A r. sentença, prolatada em 11/01/2017, julgou parcialmente procedente o pedido. Antecipado os efeitos da tutela. Condenado o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da incapacidade da autora. Condenada ainda a autarquia federal também ao pagamento de honorários advocatícios em percentual a ser fixado em sede de liquidação (fls. 162-164).
Apelação da parte autora, pleiteando a reforma parcial do decisum, no tocante ao termo inicial do benefício, requer que seja fixado na data de ajuizamento da ação (10/06/2010), ou, subsidiariamente, na data da citação (27/01/2011) (fls. 166-168).
O réu interpôs recurso de apelação. Preliminarmente requer que seja dado efeito suspensivo ao presente recurso. No mérito, aduz a autarquia federal que não restaram atendidos pela parte autora os requisitos legais necessários à percepção do benefício. Pugna pela reforma integral do julgado (fls. 171-184).
Com contrarrazões somente da parte autora, subiram os autos a este Tribunal (fls. 205-210).
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 05/03/2018 16:40:00 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0042188-66.2017.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
De início, não conheço do segundo recurso de apelação interposto pelo réu em 07/03/2017 (fls. 185-198), porquanto com a protocolização do primeiro, em 08/02/2017 (fls. 171-184), ocorreu a preclusão consumativa concernente à prática desse ato.
Trata-se, às fls. 171-184, de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência, para conceder o benefício da data da incapacidade da autora.
No tocante à preliminar arguida pelo réu, a doutrina não destoa, ao esclarecer a possibilidade de concessão de tutela antecipada no bojo da sentença, sendo a apelação o recurso cabível da decisão, recebida somente no efeito devolutivo:
"Diz a lei, agora expressamente, que deve produzir efeitos imediatamente a parte da decisão em que se confirma decisão anterior em que se terão antecipado os efeitos da tutela, ou seja, a apelação, assim, nesses casos não tem efeito de obstar a eficácia da decisão recorrida. Claro está, como dissemos, que essa eficácia imediata se deve ligar exclusivamente à parcela de efeitos cuja concessão se confirme pela sentença."
"Dessa forma, o inciso VII que foi acrescentado ao art. 520 do Código tem o mérito inegável de solucionar, no plano legislativo, a antinomia até então existente entre esse art. e o 273 do CPC, pois inclui no rol das apelações não dotadas de efeito suspensivo a apelação interposta da decisão que confirme antecipação de tutela anterior. De qualquer forma, como afirmado acima, esta solução já decorria de interpretação sistemática do ordenamento processual.
(...)
É certo, contudo, que o juiz poderá conceder a antecipação da tutela na própria sentença e também na fase recursal, conclusão a que se poderia chegar pelo simples fato de o art. 273 do Código, por sua localização sistemática, ter aplicação a todas as fases do procedimento.
(...)
Ora, se o sistema admite a possibilidade de antecipar a tutela em cognição sumária, sem a produção de todas as provas, proibir ao juiz a antecipação com base nessas mesmas provas e em cognição muito mais profunda significa admitir e confirmar uma enorme contradição do sistema, e não combatê-la. Seria o mesmo que dizer que o juiz pode conceder muito com pouca cognição, mas está proibido de conceder muito com muita cognição. O inciso VII recém-adicionado ao art. 520 deve, na realidade, ser lido como se prescrevesse 'que conceder ou conformar a antecipação dos efeitos da tutela'."
No mesmo sentido posiciona-se a jurisprudência pátria:
"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. CONCESSÃO NA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO NÃO AJUIZADO.
Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, a tutela antecipada pode ser concedida na própria sentença, desde que devidamente fundamentada.
A decisão atacada via mandado de segurança não se mostrou teratológica ou praticada com abuso de poder para os fins pretendidos.
A recorrente não ajuizou o recurso próprio, cabível da decisão que recebeu a apelação por ela interposta somente no efeito devolutivo. Súmula 267/STF.
Recurso desprovido." (STJ, ROMS 14160/RJ, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJU 04.11.2002, pg. 217)(g.n).
"PROCESSUAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - SEGUIMENTO NEGADO PELO RELATOR - AGRAVO REGIMENTAL - IMPROVIMENTO.
Da decisão do relator que nega seguimento a agravo de instrumento, cabe agravo nos termos do artigo 557, 1º., CPC.
Antecipação dos efeitos da tutela na sentença sujeita-se a recurso de apelação, que deve ser recebido somente no efeito devolutivo (inciso VII do art. 520, CPC).
Inexiste impedimento a que o juiz decrete a antecipação dos efeitos da tutela em causa movida em face de pessoa jurídica de direito público.
Agravo Regimental improvido. Decisão que negou seguimento a Agravo de Instrumento mantida." (TRF 3ª Região, AGR 200003000337820/SP, Rel. Juiz Higino Cinacchi, 5ª Turma, DJU 18.11.2002, pg. 799)(g.n).
Superada a preliminar em questão, passo à análise do mérito da apelação da autarquia federal.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
In casu, a incapacidade, total e temporária, da parte autora restou devidamente comprovada por meio do laudo pericial relativo à perícia médica realizada em 10/07/2014 (fls. 119-126), do qual se extraí que na data da perícia, a autora era portador de "(...) hipertensão arterial severa (CID I10). Doença cardíaca hipertensiva (CID I11.9), outras artrites (CID M13), demência pré-senil (CID F03), epilepsia (G40.9), transtorno de pânico.".
Anoto que o fato de a inaptidão da parte requerente ser temporária não impede a concessão de benefício assistencial, que também é temporário e deve ser mantido apenas enquanto presentes os requisitos necessários, devendo ser revisto a cada dois anos.
Por sua vez, o estudo social, elaborado em 16/10/2015 (fls. 142-144), revela que à época a autora, com 61 anos de idade (D.N.: 22/03/1953), desempregada, solteira, residia com seu irmão, Benedito Ribeiro Filho, com 59 anos de idade (D.N.: 06/07/1956), solteiro e desempregado .
O núcleo familiar residia em casa própria.
A casa era construída em alvenaria, composta por um quarto, sala/quarto, cozinha e banheiro externo, sem forro e sem piso.
A residência encontrava-se em péssimo estado de conservação, pois se trata de imóvel muito antigo, com trincas nas paredes. O terreno era grande e no fundo havia um imóvel de três cômodos.
A renda familiar resumia-se aos valores percebidos do aluguel do cômodo nos fundos da residência, no valor de R$ 300 por mês, e do benefício do Programa Bolsa Família no valor de R$ 77,00 por mês. Esporadicamente a requerente e seu irmão trabalham com "bicos".
A despesa mensal do núcleo familiar compreendia gastos com energia elétrica (R$ 80,00) e água (R$ 22,00) e alimentação (R$ 250,00) totalizando R$ 352,00 por mês.
A família da requerente é acompanhada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no sentido do fornecimento de benefícios, tais como, medicamentos e pagamento de contas.
Sendo assim, há elementos o bastante para se afirmar que se trata pessoa que vive em estado de miserabilidade. Certamente os recursos obtidos pela parte autora são insuficientes para cobrir gastos ordinários e tratamentos que lhes sejam imprescindíveis.
Nessas condições, não é possível à parte autora ter vida digna ou, consoante assevera a Constituição Federal, permitir-lhe a necessária dignidade da pessoa humana ou o respeito à cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito.
Portanto, é de se concluir que a autora tem direito ao amparo assistencial.
Referente ao termo inicial do benefício assiste razão, em parte à autora.
Isso posto, não conheço do apelo do INSS de fls. 185/198, rejeito a preliminar arguida e, no mérito nego provimento à apelação autárquica e dou parcial provimento ao apelo da parte autora, para estabelecer o termo inicial do benefício da data da citação.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 05/03/2018 16:40:07 |
