
| D.E. Publicado em 24/04/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeito a preliminar arguida, e, no mérito, dou provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004548-92.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 27/09/2010 com vistas à concessão de benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Documentos acostados à exordial (fls. 05-10).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 11).
Citação, em 28/10/2010 (fl. 15).
Laudo médico pericial (fls. 57-58 e fls. 88-90).
Estudo socioeconômico (fls. 99-100 e fls. 107-108).
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, no sentido de deixar de oficiar no feito (fls. 129-131).
A r. sentença, prolatada em 25/11/2016, julgou procedente o pedido, e condenou o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação. Para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (fls. 132-138).
Apelação do INSS. Preliminarmente, requer a submissão do decisum ao reexame oficial. No mérito, pugna pela reforma integral do julgado. Aduz que não restaram atendidos pela parte autora os requisitos legais concernentes à hipossuficiência e à incapacidade para o labor. Para o caso de manutenção da sentença, requer, quanto à correção monetária e aos juros de mora, a aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09 (fls. 141-143).
Sem contrarrazões da parte autora (fls. 147), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004548-92.2018.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Quanto à preliminar arguida pelo réu, de necessidade de submissão do decisum ao reexame necessário, seguem as seguintes considerações:
DA REMESSA NECESSÁRIA
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo transito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC -, vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferior a 1.000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1.000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrário, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial.
Natureza Jurídica Da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal.
Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por a remessa oficial implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, na produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Público, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1.000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
Quanto à alegada incapacidade, depreende-se do laudo médico pericial, relativo a perícia realizada em 03/12/2012 (fls. 57-58 e 88-90), que a pericianda alegou ser portadora de epilepsia desde os seis anos de idade, iniciando o tratamento no ano 2000. "NÃO POSSUE EXAMES EEG (ELÉTRO ENCÉFALOGRAMA) QUE COMPROVEM;".
Segundo o expert, a autora encontra-se "Incapaz para atividades que requeiram atenção; dirigir veículos motorizados, atenção em escadas; não possui atividade laborativa; possui restrição parcial e permanente, não é omniprofissional." (g.n.)
Considerando-se a conclusão da perícia médica, aliada a idade da autora, que nasceu no ano de 1973 (portanto trata-se de pessoa jovem), conclui-se que não se trata de um caso de invalidez, mas sim de incapacidade parcial, com limitações para realizar algumas espécies de atividades laborais.
Outrossim, cumpre, in casu, trazer à baila trecho de publicação do Journal of Epilepsy Clinical Neurophysiology (2009;15(3):130-134): "A epilepsia não necessariamente implica em incapacidade laborativa e consequentemente obtenção de benefícios sociais. Essa incapacidade está usualmente relacionada à falta de controle das crises epiléticas ou déficits degenerativos associados. (...)." (g.n.).
Por sua vez, o estudo social realizado em 05/04/2016 (fls. 99-100 e 107-108) revelou que o núcleo familiar era constituído por 02 pessoas: a parte autora, na ocasião com 43 anos de idade (D.N.: 28/03/1973), do lar, e seu cônjuge, Silvio Carlos Ferraz, 49 anos de idade (D.N. 28/08/1967), na época empregado em empresa privada.
A autora informou possuir uma filha casada, Tamires Cristina Ferraz (D.N.: 23/11/1994), residente no Município de Mogi das Cruzes, e cuja renda a genitora informou desconhecer.
A família residia em casa própria, construída em alvenaria, em, constituída por dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com fácil acesso, rua pavimentada. Havia linha telefônica fixa instalada no local.
A mobília descrita no laudo demonstra ser suficiente ao conforto e bem estar da família: fogão de 4 bocas, geladeira duas portas, modelo antigo, , forno micro-ondas antigo, tudo bem conservado.
A assistente social foi informada de que renda familiar resumia-se ao ganho auferido pelo cônjuge da autora, proveniente de trabalho formal, no valor de R$ 1.500,00 por mês. À época o salário-mínimo nacional estabelecido era de R$ 880,00 por mês.
A despesa mensal permanente do núcleo familiar compreendia gastos com alimentação (R$ 200,00), energia elétrica (R$ 150,00), água (R$ 15,00), gás (R$ 50,00), e telefone (R$ 180,00) totalizando R$ 595,00 por mês.
Ressalte-se que parte significativa da renda da família (12%) estava sendo destinada ao pagamento de conta de telefonia fixa (R$ 180,00), serviço esse totalmente prescindível em situação de penúria econômica extrema.
Constata-se que, mesmo tendo sido incluídos na totalização da despesa mensal do núcleo familiar todos os gastos relativos a despesas comuns a maioria dos cidadãos brasileiros, essenciais a uma sobrevivência digna, verifica-se significativo superávit orçamentário.
Por fim, in casu, a renda per capita do núcleo familiar, no valor de aproximadamente R$ 750,00 por mês ultrapassava sobremaneira o limite legal (R$ 220,00), e não se verificam outros elementos subjetivos bastantes para se afirmar que se trata de família que viveria em estado de miserabilidade.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus à concessão do benefício assistencial, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 09/04/2018 19:23:22 |
