
| D.E. Publicado em 10/05/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, dar provimento à apelação autárquica, e por prejudicada a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0037269-68.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Cuida-se de ação proposta em 03/05/2010 com vistas ao restabelecimento do benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, cessado em 23/05/2005.
Documentos acostados à exordial (fls. 18-52).
Deferidos à parte autora os benefícios da justiça gratuita (fl. 53).
Laudo médico pericial (prova emprestada dos autos de interdição- fls. 88-89).
Estudo socioeconômico (fls. 153-154).
A r. sentença, prolatada em 16/09/2015, julgou procedente o pedido, e condenou o réu ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da citação, acrescido de juros e correção monetária. Fixou honorários advocatícios em 15% do valor da condenação.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Aos embargos de declaração opostos pelo autor foi dado provimento para conceder a tutela antecipada (fl. 176).
Apelação do autor. Requer a alteração do termo inicial do benefício para a data da cessação indevida e a majoração dos honorários advocatícios (fls. 181-187).
Apelação do INSS, na qual pugna pela reforma integral do julgado, à falta do preenchimento do requisito da miserabilidade. Subsidiariamente, pugna pela observância da Lei n. 11.960/2009 no tocante a correção monetária e fixação dos honorários advocatícios de forma equitativa (fls. 198-209).
Com contrarrazões somente da parte autora (fls. 216-219), subiram os autos a este Tribunal, sobrevindo parecer do Ministério Público Federal (fls. 222-227), que opinou pelo não conhecimento da remessa oficial, e pelo desprovimento das apelações.
Pelo despacho de fl. 228, foi determinada a juntada de cópia integral do procedimento administrativo que culminou com a cessação do benefício, bem como a manifestação das partes acerca das pesquisas do CNIS, HISCREWEB e PLENUS anexadas.
Devidamente intimadas, as partes mantiveram-se silentes.
Após manifestação do Ministério Público Federal, foi juntado o processo administrativo concessório (fls. 282-303), do qual as partes tiveram ciência, mas nada requereram.
O Ministério Público Federal, em nova vista, depois de levantar dados no CNIS, ora anexado, concluiu que o autor não preenche o critério relativo à renda (fls. 309-315).
Intimadas acerca do CNIS juntado pelo Ministério Público Federal, as partes mantiveram-se inertes.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0037269-68.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
DA REMESSA OFICIAL
O novo Estatuto processual trouxe inovações no tema da remessa ex officio, mais especificamente, estreitou o funil de demandas cujo trânsito em julgado é condicionado ao reexame pelo segundo grau de jurisdição, para tanto elevou o valor de alçada, verbis:
Convém recordar que no antigo CPC, dispensava do reexame obrigatório a sentença proferida nos casos CPC, art. 475, I e II sempre que a condenação, o direito controvertido, ou a procedência dos embargos em execução da dívida ativa não excedesse a 60 (sessenta) salários mínimos. Contrario sensu, aquelas com condenação superior a essa alçada deveriam ser enviadas à Corte de segundo grau para que pudesse receber, após sua cognição, o manto da coisa julgada.
Pois bem. A questão que se apresenta, no tema Direito Intertemporal, é de se saber se as demandas remetidas ao Tribunal antes da vigência do Novo Diploma Processual - e, consequentemente, sob a égide do antigo CPC - vale dizer, demandas com condenações da União e autarquias federais em valor superior a 60 salários mínimos, mas inferiores a 1000 salários mínimos, se a essas demandas aplicar-se-ia o novel Estatuto e com isso essas remessas não seriam conhecidas (por serem inferiores a 1000 SM), e não haveria impedimento - salvo recursos voluntários das partes - ao seu trânsito em julgado; ou se, pelo contrario, incidiria o antigo CPC (então vigente ao momento em que o juízo de primeiro grau determinou envio ao Tribunal ) e persistiria, dessa forma, o dever de cognição pela Corte Regional para que, então, preenchida fosse a condição de eficácia da sentença.
Para respondermos, insta ser fixada a natureza jurídica da remessa oficial .
Natureza Jurídica da Remessa Oficial
Cuida-se de condição de eficácia da sentença, que só produzirá seus efeitos jurídicos após ser ratificada pelo Tribunal. Portanto, não se trata o reexame necessário de recurso, vez que a legislação não a tipificou com essa natureza processual.
Apenas com o reexame da sentença pelo Tribunal haverá a formação de coisa julgada e a eficácia do teor decisório.
Ao reexame necessário aplica-se o principio inquisitório (e não o principio dispositivo, próprio aos recursos), podendo a Corte de segundo grau conhecer plenamente da sentença e seu mérito, inclusive para modificá-la total ou parcialmente. Isso ocorre por não ser recurso, e por, a remessa oficial , implicar efeito translativo pleno, o que, eventualmente, pode agravar a situação da União em segundo grau.
Finalidades e estrutura diversas afastam o reexame necessário do capítulo recursos no processo civil.
Em suma, constitui o instituto em "condição de eficácia da sentença", e seu regramento será feito por normas de direito processual.
Direito Intertemporal
Como vimos, não possuindo a remessa oficial a natureza de recurso, não produz direito subjetivo processual para as partes, ou para a União. Esta, enquanto pessoa jurídica de Direito Publico, possui direito de recorrer voluntariamente. Aqui temos direitos subjetivos processuais. Mas não os temos no reexame necessário, condição de eficácia da sentença que é.
A propósito oportuna lição de Nelson Nery Jr.:
Por consequência, como o Novo CPC modificou o valor de alçada para causas que devem obrigatoriamente ser submetidas ao segundo grau de jurisdição, dizendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferior a 1000 salários mínimos, esse preceito tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, inobstante remetidos pelo juízo a quo na vigência do anterior Diploma Processual.
Dessa forma, deixo de conhecer da remessa oficial.
Do benefício
Trata-se de recurso interposto pela parte ré contra sentença que julgou procedente pedido de benefício assistencial a pessoa portadora de deficiência.
O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Neste aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, V, da Constituição Federal, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte:
De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435, de 06 de julho de 2011, e o art. 34, da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003 rezam, in verbis:
O apontado dispositivo legal, aplicável ao idoso, procedeu a uma forma de limitação do mandamento constitucional, eis que conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda inferior à 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, exceto aquele que já recebe o benefício de prestação continuada, de acordo com o parágrafo único, do art. 34, da Lei 10.741/03.
De mais a mais, a interpretação deste dispositivo legal na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei 8.742/93.
Ressalte-se, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto nº 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o art. 4º, inc. VI e o art. 19, caput e parágrafo único do referido decreto, in verbis:
A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei 8.742/93 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada im procedente. Para além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, interposta pelo INSS, publicada no DJ de 01.04.2005, p. 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie, o acórdão do STF restou assim ementado:
Evidencia-se que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensáveis elementos probatórios outros.
Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante inferior a 1/4 do salário mínimo.
Não se desconhece notícia constante do Portal do Supremo Tribunal Federal, de que aquela Corte, em recente deliberação, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais em voga (Plenário, na Reclamação 4374, e Recursos Extraordinários - REs 567985 e 580963, estes com repercussão geral, em 17 e 18 de abril de 2013, reconhecendo-se superado o decidido na ADI 1.232-DF), do que não mais se poderá aplicar o critério de renda per capita de ¼ do salário mínimo para fins de aferição da miserabilidade.
Também restou consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a hipossuficiência econômica da parte:
Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso.
A incapacidade do autor, por retardo mental, é ponto incontroverso, diante de sua interdição e da prova emprestada de fl. 86-89.
Ademais, o que motivou a cessação do benefício (2005), que vinha sendo recebido desde 22/09/1999, foi a questão da renda, consoante se infere da comunicação administrativa, que abriu prazo para defesa, não comprovada nesses autos (fl. 22).
Quando da concessão (fls. 102) o núcleo familiar era formado pelo autor, seu pai e suas irmãs menores, Erica da Silva Alves Pinheiro (D.N. 10/11/1983) e Eliege da Silva Alves Pinheiro (10/01/1994).
Situação que não persistia no ajuizamento da ação (03/05/2010). De acordo com a inicial o núcleo familiar era composto pelo autor, seu pai, madrasta, Sra. Maria Cremilda Gomes, sua irmã Eliege da Silva Alves Pinheiro, seus irmãos por afinidade Felipe Henrique Gomes Máximo, de 15 anos de idade e Luiz Fernando Gomes, de 21 anos de idade.
Por ocasião do estudo socioeconômico nova configuração se verifica. Felipe Henrique Gomes Máximo faleceu em 01/05/2012 (fl. 136).
O estudo social elaborado em 27/01/2015 (fls. 153-154) revela que o núcleo familiar era constituído por seis pessoas: pelo autor, solteiro, nascido aos 12/09/1992, pelo pai, Sr. Antonio Alves Pinheiro (D.N. 06/03/1956), pela madrasta, Sra. Maria Cremilda Gomes (D.N. 13/12/1965), pela irmã, Eliege da Silva Alves Pinheiro (D.N. 10/01/1994), grávida, pelo sobrinho, Miguel Pinheiro Dias (D.N. 04/09/2013) e cunhado, desempregado.
A irmã, sobrinhos e cunhado não integram o núcleo familiar para fins de apuração da renda per capita, à inteligência do disposto no § 1º do art. 20, da Lei 8.742/93.
Ademais, o Sr. Fabio Fernandes Pereira Dias (D.N. 1809/1993), pai de Miguel, sobrinho do autor, encontrava-se em idade produtiva, sendo que o desemprego de pessoa jovem e saudável (não restou demonstrado nos autos qualquer impedimento para o labor) deve ser considerado fato eventual, e não permanente.
A assistente social foi informada que a renda familiar era constituída pela aposentadoria por tempo de serviço do pai, que também realizava trabalho esporádico como motorista de trator.
Entretanto, do CNIS juntado às fls. 229/241, 310/315 e do novo extrato, que passa a fazer parte integrante dessa decisão, extrai-se que o pai recebe aposentadoria desde 2007 em valor acima do mínimo, além de possuir vínculos empregatícios quase que ininterruptos de 2007 até hoje, com rendimentos que se iniciam em R$ 1.500,00 e progressivamente chegam a R$ 4.990,00.
A madrasta, por sua vez, apresenta registro no período de 01/10/2002 a 11/2009, com salários que superavam o valor mínimo da época, e recebeu auxílio-doença nos períodos de 31/08/2009 a 18/09/2009, 04/11/2010 a 23/05/2011, 10/07/2011 a 30/04/2012, 01/05/2012 a 04/07/2012 e 09/01/2013 a 15/02/2017, o que sugere que não há mais impedimento para o trabalho ou que deve procurar as vias próprias para garantir a manutenção de seu benefício (fls. 251-260).
Segundo o estudo socioeconômico a família mora em casa cedida por familiares, ou seja, não possuem gastos com aluguel ou financiamento.
Ressalte-se que parte significativa da renda da família estava sendo destinada ao pagamento de cuidadora ao autor (R$ 300, em 2010 - fl. 40), convênio médico à madrasta (fl. 153) e telefonia fixa (R$ 144,93 em 2010), serviços esses totalmente prescindíveis em situação de penúria econômica extrema.
Sem mencionar os gastos elevados com energia elétrica e alimentação.
A conta de energia elétrica (fl. 43), relativa a dezembro de 2009, mostra um total a pagar de R$ 216,44, época em que o salário mínimo girava em torno de R$ 465,00.
Já os cupons fiscais de fls. 46 demonstram hábitos de consumo totalmente incompatíveis com a renda dos integrantes das classes sociais a que de fato se destina o benefício sub judice, onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social tal que seus itens de consumo não superam aqueles que compõem a cesta básica, na qual nunca se encontraria algum dos produtos adquiridos pelo demandante, a saber, pão de forma, geleias, biscoitos, refrigerantes, gomas de mascar, molhos e congelados.
A irmã Érica, conquanto não more junto, apresenta seus próprios rendimentos. Têm vínculos empregatícios desde 2008 e recebe pensão por morte desde 2015 (fls. 244/250 e 262/264).
Assim, conclui-se que os recursos obtidos pela família da parte requerente encontram-se, pois, suficientes para cobrir os gastos ordinários e os cuidados especiais que lhes sejam imprescindíveis, não estando configurada situação de miserabilidade.
Cabe lembrar que a concessão de benefício assistencial não tem caráter de complementação de renda familiar, o que, por certo, traria distorção ao propósito da instituição do benefício no universo da assistência social.
Neste diapasão, não comprovados pela parte autora os requisitos legais necessários, não faz ela jus o restabelecimento pretendido, tornando imperiosa a reforma da r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância na r. sentença.
Com relação aos valores recebidos pela parte autora, o Colendo Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme aresto abaixo transcrito. Confira-se:
Condeno, por fim, a parte autora ao pagamento da verba honorária, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), na esteira da orientação erigida pela E. Terceira Seção desta Corte (Precedentes: AR 2015.03.00.028161-0/SP, Relator Des. Fed. Gilberto Jordan; AR 2011.03.00.024377-9/MS, Relator Des. Fed. Luiz Stefanini). Sem se olvidar tratar-se de parte beneficiária da assistência judiciária gratuita, observar-se-á, in casu, a letra do art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
Isso posto, não conheço do reexame necessário e dou provimento à apelação autárquica. Tutela antecipada revogada. Prejudicada a apelação da parte autora.
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
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