
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000473-84.2021.4.03.6129
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
SUCEDIDO: MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA FRANCA KABATA
APELANTE: JOSE KABATA
Advogados do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO CARDOSO MORAIS - SP272904-A, RENATO CARDOSO MORAIS - SP299725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000473-84.2021.4.03.6129
SUCEDIDO: MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA FRANCA KABATA
APELANTE: JOSE KABATA
Advogados do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO CARDOSO MORAIS - SP272904-A, RENATO CARDOSO MORAIS - SP299725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial em demanda ajuizada para concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, ou, alternativamente, de auxílio por incapacidade temporária desde a data do requerimento administrativo.
A ação previdenciária foi ajuizada por Maria Aparecida de Oliveira França Kabata, em 06/06/2021, no ato representada por seu filho, Fabiano França Kabata, nos termos de procuração firmada por instrumento público perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de Sete Barras, em 01/04/2021 (ID 283319317).
Devido ao agravamento de seu quadro de saúde, a autora faleceu em 10/09/2021, deixando como dependente seu esposo, José Kabata, o qual foi habilitado como sucessor no processo (ID 283319487).
Em suas razões recursais, a parte autora alega que cumpriu os requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), visto que sua enfermidade é grave e irreversível. Afirma que é portadora de Doença de Parkinson (CID 10 G20) desde o ano 2013, motivo por que formalizou pedidos de auxílio-doença no âmbito administrativo - NB/31-603.955.086/8, em 26/11/2013; NB/31-605.016.377-8, em 06/02/2014 - ambos indeferidos. Afirma que a documentação médica juntada aos autos comprova o início da incapacidade laboral em 26/11/2013, bem como que manteve a qualidade de segurada até 15/09/2016, pois seu último vínculo empregatício ocorreu no período de 05/01/2013 a 03/03/2014 e recebeu seguro-desemprego até 30/07/2014.
Requer, assim, o provimento do recurso para o fim de condenar o INSS ao pagamento do quanto devido a título de aposentadoria por incapacidade permanente, pelo período de 26/11/2013 a 10/09/2021, e, a partir da cessação desse benefício, a concessão de pensão por morte ao cônjuge.
O INSS não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000473-84.2021.4.03.6129
SUCEDIDO: MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA FRANCA KABATA
APELANTE: JOSE KABATA
Advogados do(a) APELANTE: JORGE EDUARDO CARDOSO MORAIS - SP272904-A, RENATO CARDOSO MORAIS - SP299725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A presente controvérsia refere-se à análise dos requisitos necessários à concessão do benefício de incapacidade permanente pelo período de 26/11/2013 (DER) a 10/09/2021 (data do óbito da autora).
O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e será conhecido nos termos em que devolvida a matéria impugnada, em observância ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.
Necessário abordar, inicialmente, o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando-se o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a norma básica para concessão encontra-se no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
A regra do inciso I do artigo 15 assegura a manutenção da condição de segurado àquele que se encontra no gozo de benefício previdenciário, exceto auxílio-acidente. Também se mantém a qualidade de segurado na hipótese de impossibilidade econômica de continuar contribuindo à Previdência, quando decorrente de incapacidade laborativa comprovada.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também dá direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
No caso vertente, alega a parte autora que apresentou sintomas da Doença de Parkinson desde 2013, moléstia que se agravou rapidamente e acarretou-lhe incapacidade total e definitiva para o trabalho.
Os requerimentos administrativos de auxílio-doença, formulados em 26/11/2013 e 06/02/2014 (ID 283319361 e 283319365), foram indeferidos.
A fim de analisar o real quadro de saúde da parte, o Juízo a quo designou perícia médica, a qual foi realizada de forma indireta em 17/08/2021, ocasião em que o perito-médico apresentou as seguintes conclusões (ID 283319429):
(...)
a) Queixa que o (a) periciado (a) apresenta no ato da perícia:
Perícia realizada de forma indireta, representada pelo seu filho Fabiano Franca Kabata devido ao estado debilitado em que se encontra periciada. De acordo com as informações os sintomas iniciaram no ano de 2013 com quadro de confusão mental, vertigem e tremores, com piora progressiva desde então. No momento devido a progressão de doença encontra-se acamada, apesar de lúcida necessita de assistência 24 horas por dia, com dificuldade inclusive para deglutir.
b) Doença, lesão ou deficiência diagnosticada por ocasião da perícia (com CID).
Tem o diagnóstico de Doença de Parkinson (CID G20).
(...)
f) Doença/moléstia ou lesão torna o (a) periciado (a) incapacitado (a) para o exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais se baseou a conclusão.
Sim, a doença tem caráter progressivo se manifestando com alterações motoras como instabilidade, rigidez dos músculos, contrações musculares, confusão mental e dificuldade de fala. Verificado através dos laudos médicos, e das imagens obtidas da periciada que a mesma encontra-se em estagio avançado de doença, o que a incapacidade de forma definitiva.
g) Sendo positiva a resposta ao quesito anterior, a incapacidade do (a) periciado (a) é de natureza permanente ou temporária? Parcial ou total?
Permanente e total.
h) Data provável do inicio da (s) doença/lesão/moléstia (s) que acomete (m) o (a) periciado (a).
De acordo com histórico médico sintomas se iniciaram no ano de 2013.
i) Data provável do início da incapacidade identificada. Justifique
Exame de Eletroneuromiografia de 05/09/2017 apresentando bradicinesia relacionada a síndrome de Parkinson.
j) Incapacidade remonta à de início da (s) doença/moléstia (s) ou decorre de progressão ou agravamento dessa patologia? Justifique.
A incapacidade é devido a progressão de doença de base.
k) É possível afirmar se havia incapacidade entre a data do indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da perícia judicial? Se positivo, justificar apontando os elementos para esta conclusão.
Sim, é possível através de relatório médico que a queixa referida pela periciada em 2013 já era compatível com a doença incapacitante.
(...)
m) Sendo positiva a existência de incapacidade total e permanente, o (a) periciado (a), necessita de assistência permanente de outra pessoa para as atividades diárias? A partir de quando?
Sim, de acordo com o representante da periciada (filho) a periciada encontra-se acamada há 3 anos, desde então necessitando de auxílio 24 horas por dia.
(...)
p) É possível estimar qual o tempo e o eventual tratamento necessários para que o (a) periciado (a) se recupere e tenha condições de voltar a exercer seu trabalho ou atividade habitual (data de cessação da incapacidade) ?
Diante do estagio avançado de doença não existe possibilidade de melhora clínica. Prognostico reservado.
q) Preste o perito os demais esclarecimentos que entenda serem pertinentes para melhor elucidação da causa.
Diante de todos os documentos apresentados, e quadro avançado da doença ser irreversível sugiro aposentadoria por invalidez."
Com efeito, decorre do laudo técnico que a incapacidade laboral da parte autora tem caráter total e permanente desde 2017, que a incapacidade decorre do agravamento da doença cujos sintomas tiveram início em 2013, bem como que há 03 anos a autora encontrava-se acamada e totalmente dependente de terceiros.
É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo sopesar o conjunto probatório para formar a sua convicção.
Embora o perito judicial tenha fixado a data de início da incapacidade laboral em 09/2017, considerando o exame Eletroneuromiografia de 05/09/2017, que apontou bradicinesia relacionada à Síndrome de Parkinson, afirmou que os sintomas da doença surgiram em 2013 e progrediram a estágio avançado.
O extrato do CNIS revela que a autora exerceu atividades laborativas até janeiro de 2014, bem como requereu concessão do benefício de incapacidade em 26/11/2013 e em 06/02/2014. No entanto, as perícias administrativas realizadas em 11/2013 e 12/2013 não identificaram incapacidade laboral e a autora não compareceu à perícia de 06/02/2014 (ID 283319401), não havendo elementos que possam comprovar a existência de incapacidade nesse período.
No entanto, a análise do conjunto de provas dos autos permite concluir que, ao menos a partir de meado de 2015, a autora já estava incapacitada para o trabalho, visto que apresentava quadro de confusão mental, vertigem, tremores, diminuição na motilidade e quedas frequentes, avançando com piora progressiva desde então, conforme Relatório Médico elaborado em março de 2020, por neurologista do CENC - Centro de Epilepsia e Neurologia de Curitiba, que apontou que os sintomas relatados haviam surgido há 5 anos (ID 283319382). Os demais relatórios médicos também revelam que a doença progrediu rapidamente e com difícil controle, causando dor intensa, diminuição de força muscular em hemicorpo esquerdo, hipóxia, sem dieta, e perda de peso importante (ID 283319374 - pp. 22 e 24). Entre 2017 e 2018, a autora já estava acamada e totalmente dependente de terceiros. Em face do insucesso das terapias disponíveis, em novembro de 2020, foi sugerida administração de óleo de canabidiol (ID 283319388). A fotografia tirada em 11/08/2021 evidencia o avançado estágio de deterioração física e dependência da autora (ID 283319414 - p. 2), que veio a óbito em 21/09/2021 (ID 283319450).
Outrossim, verificam-se preenchidos os requisitos da qualidade de segurado e da carência necessária para percepção do benefício por incapacidade permanente, visto que a autora apresentou vínculos empregatícios nos períodos de 25/02/2002 a 01/01/2003 e de 05/01/2013 a 01/2014, bem como recebeu seguro-desemprego no período de 05/2014 a 07/2014 (ID 283319353), estando em gozo do período de graça estendido (de 24 meses), nos termos do artigo 15, II, $ 2º, da LBPS.
Nesse contexto, a autora ostentava a qualidade de segurada na data de início da incapacidade, considerada a partir de meado de 2015, com supedâneo nos documentos médicos que instruem os autos e revelam a degradação do quadro de saúde decorrente da Doença de Parkinson, o que impediu o retorno da autora ao mercado de trabalho.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto ao entendimento de que deve ser preservada a condição de segurado na hipótese de comprovada impossibilidade de contribuir em decorrência de incapacidade laborativa comprovada.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL Nº 1847816 - MG - DECISÃO
(...) À época do óbito, o instituidor já estava há mais de 12 (doze)meses sem contribuir com o sistema previdenciário, considerando que sua última contribuição em vida data de 03/1999, todavia, o prazo de dois anos e três meses sem contribuição deu-se em decorrência da impossibilidade de o segurado de trabalhar e consequentemente contribuir, tendo em vista o agravamento de sua doença que é reconhecidamente grave. Assim, plausível reconhecer que ele estava incapacitado para o trabalho, fazendo jus, inclusive ao benefício aposentadoria por invalidez, o que consequentemente garante aos seus dependentes o benefício de pensão por morte, nos termos do julgamento do recurso repetitivo pelo STJ supramencionado.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça ainda tem o entendimento de que a impossibilidade de recolhimento das contribuições, ante a enfermidade do trabalhador segurado, quando ausente o requisito da voluntariedade, não retira a qualidade de segurado do INSS. Se o de cujus deixa de contribuir para a Previdência Social em razão de doenças graves - de ordem mental (transtorno psicótico delirante) e física (câncer no pâncreas) - não perde a qualidade de segurado, nem consequentemente a de instituidor de pensão por morte para seus dependentes. Assim, para efeito de concessão de aposentadoria por invalidez não há falar em perda da qualidade de segurado quando a interrupção no recolhimento das contribuições previdenciárias ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade ou quando o segurado tenha sido acometido de moléstia incapacitante. (STJ, AREsp 430.999/SC, Ministro Mauro Campbell Marques, DJ de 14/11/2013). (...)
(REsp n. 1.847.816, Ministro Gurgel de Faria, DJe de 25/06/2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA PROVISÓRIA AJUIZADA COM O OBJETIVO DE ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO. VIABILIDADE DO APELO ESPECIAL NÃO CONSTATADA. FUMUS BONI IURIS NÃO EVIDENCIADO.
1. Caso em que não se vislumbrou ambiente para a concessão da almejada medida suspensiva, na medida em que o acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento desta Corte, no sentido de que não há falar em perda da qualidade de segurado, na hipótese em que comprovada a eclosão de doença incapacitante, ainda durante o período de graça. 2. Agravo interno não provido.
(AgInt na TutPrv no REsp 1801963/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, j. 24/09/2019, DJe 26/09/2019)
RECURSO ESPECIAL Nº 1.815.420 - MG - DECISÃO
(...) No tocante à qualidade de segurado, o acórdão encontra-se suficientemente fundamentado consignando expressamente que (...) a época do óbito, o instituidor já estava há mais de doze meses sem contribuir com o sistema previdenciário, considerando que sua última contribuição em vida data de 03/1987. Todavia, o prazo sem contribuição deu-se em decorrência da impossibilidade de o segurado trabalhar e consequentemente contribuir, tendo em vista o agravamento de sua doença que já é reconhecida grave e que ensejou, inclusive, o deferimento pelo INSS do benefício de Renda Mensal Vitalícia por Incapacidade que foi cessado, em 14/01/2004, cinco dias antes de seu falecimento. Assim, forçoso reconhecer que ele estava incapacitado para o trabalho, fazendo jus, inclusive ao benefício aposentadoria por invalidez, o que consequentemente garante aos seus dependentes o benefício de pensão por morte, nos termos do julgamento do recurso repetitivo pelo STJ supramencionado." (...)
(REsp n. 1.815.420, Ministro Herman Benjamin, DJe de 08/08/2019)
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 430.999 - SC - DECISÃO
(...) O acórdão a quo reconheceu o direito à pensão por morte considerando que o segurado foi acometido de doença incapacitante que o impossibilitou para o trabalho e o impediu de contribuir à Previdência Social.
A impossibilidade de recolhimento das contribuições, ante enfermidade do trabalhador segurado, quando ausente o requisito da voluntariedade, não retira a qualidade de segurado do INSS. Colacionam-se os seguintes julgados: (...)
(AREsp n. 430.999, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 14/11/2013)
Na mesma linha, os seguintes precedentes desta Décima Turma:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA. SEGURADA ESPECIAL RURAL - INDÍGENA. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE.
1. O benefício de auxílio doença é devido ao segurado incapacitado por moléstia que inviabilize temporariamente o exercício de sua profissão. Já a aposentadoria por invalidez exige que o segurado seja considerado incapaz e insusceptível de convalescença para o exercício de ofício que lhe garanta a subsistência.
(...) 3. Não perde a condição de segurado aquele que deixa de contribuir em razão da doença e incapacidade laborativa. Precedentes do STJ.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002096-24.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, j. 16/04/2020, Intimação 22/04/2020)
PROCESSO CIVIL PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE RE 631.240/MG. JULGAMENTO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 E SEGUINTES DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. (...) BENEFÍCIO DEVIDO.
(...)
- Além disso, a jurisprudência do E. STJ é no sentido de que o segurado que deixa de contribuir com a Previdência Social por estar incapacitado para o trabalho, não perde o direito de carência e mantém a qualidade de segurado. Logo, a falecida, devido aos graves problemas de saúde de que foi acometida, conforme relatado pelas testemunhas e comprovado pelo prontuário médico, manteve a qualidade de segurada até a data do óbito em 24/05/2012
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL 0018781-36.2014.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal LUCIA URSAIA, j. 11/12/2018, e-DJF3 19/12/2018)
Assim, faz jus a parte autora às parcelas devidas a título de aposentadoria por incapacidade permanente no período de 05/09/2017 (data de início da incapacidade total firmada no laudo técnico-judicial) a 10/09/2021 (data do óbito da autora).
Com efeito, considerando que a autora apresentava Doença de Parkinson desde 2013 e que, em decorrência do agravamento da moléstia, a incapacidade laborativa total foi reconhecida pelo perito judicial a partir de 05/09/2017 (Exame de Eletroneuromiografia), nessa data se estabelece o termo inicial do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente.
Nesse cenário, impõe-se a reforma da r. sentença para conceder a aposentadoria por incapacidade permanente à autora a partir de 05/09/2017.
As prestações vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Atente-se que os valores pagos, na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de benefícios inacumuláveis no período, deverão ser integralmente abatidos do débito.
Registre-se, por fim, que o pedido de concessão de pensão por morte ao cônjuge supérstite, ora formulado na apelação, não comporta julgamento em razão de não ser objeto da ação originária. A pretensão há de ser deduzida no âmbito administrativo, em decorrência da aposentadoria por incapacidade permanente concedida à autora.
Consectários legais
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE n. 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
Custas e despesas processuais
A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003.
A isenção, por sua vez, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovada nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/1996. Por fim, caberá à parte vencida arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC.
Dos honorários advocatícios
Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC.
Os honorários advocatícios, conforme a Súmula 111 do C. STJ e o Tema 1105/STJ, incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão da requerente apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data do presente acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE TOTAL E PERMANEMTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), prevista no artigo 43, § 1º, da Lei 8.213/1991, exige a comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. No entanto, é pacífico o entendimento de que, para a concessão do referido benefício, também devem ser considerados a gravidade e a natureza das doenças que afetam o autor, sua idade, bem como sua ocupação habitual, que podem inviabilizar sua reabilitação.
2. A concessão de auxílio-acidente é cabível não apenas em caso de acidente de trabalho, mas também em acidentes de qualquer natureza, bem como em situações em que o ambiente de trabalho ou as atividades desempenhadas contribuem para o agravamento da doença, resultando na redução da capacidade funcional, porém deve se observar a natureza do acidente, em especial as exceções previstas no art. 20 da Lei 8.213/1991.
3. É responsabilidade do magistrado, no exercício de seu poder instrutório, avaliar a suficiência das provas apresentadas para formar seu livre convencimento, conforme os artigos 370 e 371 do CPC.
4. Verificam-se preenchidos os requisitos da qualidade de segurado e da carência necessária para percepção do benefício por incapacidade permanente. A autora apresentou vínculos empregatícios nos períodos de 25/02/2002 a 01/01/2003 e de 05/01/2013 a 01/2014, bem como recebeu seguro-desemprego no período de 05/2014 a 07/2014, estando em gozo do período de graça estendido (de 24 meses), nos termos do artigo 15, II, $ 2º, da LBPS.
5. A autora apresentava Doença de Parkinson desde 2013 e, em decorrência do agravamento da moléstia, a incapacidade laborativa total foi reconhecida pelo perito judicial a partir de 05/09/2017 (Exame de Eletroneuromiografia), data em que se estabelece o termo inicial do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente.
6. Reconhece-se o direito da parte autora às parcelas devidas a título de aposentadoria por incapacidade permanente no período de 05/09/2017 (DIB) a 10/09/2021 (data do óbito).
7. Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
