
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003891-40.2023.4.03.6103
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: IGOR DE SOUZA GUIMARAES GAIA
Advogado do(a) APELANTE: MAGALY VILLELA RODRIGUES SILVA - SP91909-B
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003891-40.2023.4.03.6103
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: IGOR DE SOUZA GUIMARAES GAIA
Advogado do(a) APELANTE: MAGALY VILLELA RODRIGUES SILVA - SP91909-B
APELAD
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou procedente o pedido inicial para determinar o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária (auxílio doença) pelo prazo mínimo de 2 anos, quando poderá ser realizada perícia de reavaliação.
Em suas razões recursais, o apelante sustenta, em síntese, que a sua incapacidade total é permanente, o que permite a concessão da aposentadoria por invalidez.
Sem contrarrazões do INSS.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003891-40.2023.4.03.6103
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: IGOR DE SOUZA GUIMARAES GAIA
Advogado do(a) APELANTE: MAGALY VILLELA RODRIGUES SILVA - SP91909-B
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Prefacialmente, necessário abordar o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a premissa básica para concessão encontra-se no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também dá direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
Consta da inicial que o autor "é engenheiro de produção, tendo como atividade habitual visitar fornecedores em outros estados, supervisão em plantas de produção locais e de fornecedores externos, visita aos revendedores quando tinha problemas de qualidade em campo, acompanhar protótipos de lançamentos de carro, viajar para campos de prova espalhados pelo Brasil [...], viagens internacionais como a função exigia, dar treinamentos longos e presenciais, Black Belt Green Belt, criatividade, inovação, entre outros cursos, representar a empresa em feiras e exposições, onde explicava para o público a tecnologia, cujos eventos são longos e presenciais."
Quanto à incapacidade, o autor relata que possui deficiência genética rara denominada deficiência congênita da sucrase-isomaltase (CSID), doença renal policística tipo 1 de herança autossômica dominante; Síndrome de Gilbert, morfologia anormal do intestino grosso, anormalidade do duodeno e anormalidade do estômago, além de transtornos psiquiátricos e psicológicos.
Pleiteia, assim, o reconhecimento da sua incapacidade permanente e a concessão de aposentadoria por invalidez.
Verifica-se que o autor cumpre os requisitos de carência e de qualidade de segurado, uma vez que mantém vínculo empregatício com a empresa FORD MOTOR e foi beneficiário de auxílio por incapacidade temporária até 12.01.2023, NB 631.128.545-6.
A fim de verificar o real quadro de saúde do autor, o Juízo a quo designou realização de perícia médica, ocasião em que o experto apresentou as seguintes conclusões (ID 302360311):
(...)
4. Esta doença ou lesão gera incapacidade para o trabalho?
R: Sim
5. Se afirmativa a resposta ao quesito anterior, a incapacidade para o trabalho é absoluta (todas as atividades) ou relativa (apenas para a atividade habitual)?
R: Absoluta
6. A incapacidade para o trabalho é permanente ou temporária? Se temporária, provoca a incapacidade da parte autora por prazo superior a 15 (quinze) dias? Se temporária, qual é o tempo estimado para a recuperação da capacidade para o trabalho?
R: Temporária
[...]
4. Em razão das doenças já diagnosticadas o autor possui sérias restrições alimentares, além de graves sintomas de depressão, insônia, entre outros já mencionados nos laudos apresentados com a inicial. Essas restrições são compatíveis para o autor desenvolver suas atividades profissionais, sem prejuízo de agravamento das doenças? Descrever detalhadamente.
R: As restrições ao desempenho de suas atividades laborativas se deve mais aos sintomas de diarreia e dor abdominal. Mas o desempenho desta, não causa agravo às suas doenças.
5. O autor apresenta condições clinicas e psiquiatricas para reassumir as atividades relativas a sua profissão, como descritas na inicial, sem prejuízo à sua saúde física e mental? Descrever detalhadamente.
R: Não
6. As doenças já diagnosticadas e seus possíveis desdobramentos permitem que o autor seja considerado capacitado para exercer suas atividades laborativas? Descrever detalhadamente.
R: No momento, não.
7. Mesmo que não exista nexo causal laboral é possível afirmar que o autor tenha condições para retornar ou continuar exercendo suas atividades profissionais? Descrever detalhadamente.
R: No momento não. Por se tratar de deficiência enzimática (no caso do autor deficiência de sucrase isomaltase), deve-se reavaliar a situação clinica do mesmo, conforme se torne disponível a reposição enzimática da mesma
8. Descreva detalhadamente como que o autor conseguiria manter uma dieta cetogênica de zero carboidratos conforme solicitado pelas nutricionistas e médicos com a atual lei da tabela nutricional vigente o pais, assim como evitar que as inflamações e lesões não migrem para uma malignidade cKg/m2 conforme relatório genetico e evidencias dos relatórios gástricos e nutricionais?
R: Seguindo as orientações nutricionais dadas pela equipe de nutricionista e médica do paciente
9. Descreva como que o autor conseguiria almoçar ou se alimentar em qualquer restaurante publico ou estabelecimento de uma empresa já que sem carboidratos este não possui reservas energeticas e deve se alimentar a cada duas horas para não entrar em um estado catabolico.
R: Caso a dieta adequada não seja fornecida no ambiente em que o mesmo se encontre, o ideal é que o mesmo tenha sua alimentação já preparada de casa.
[...]
5. Descreva a interação dos CIDs mencionados nos relatorios e laudos médidos anexados à inicial e como cada um interage entre si a médio e longo prazo na preservação da qualididade de vida clínica e psiquiátrica do autor.
A Síndrome de Gilbert é relativamente comum, afetando aproximadamente 6% da população geral. Apresentação geralmente assintomática, com icterícia leve observada durante períodos de jejum ou de estresse fisiológico. Deve-se fazer acompanhamento da função hepática. O prognnóstico da doença é bom
O transtorno depressivo e de ansiedade, conforme ajuste medicamentoso e acompanhamento psiquiátrico adequado, pode levar a um bom controle da doença, com qualidade de vida adequado
O distúrbios de absorção intestinal de carbohidratos (no caso do autor, deficiência de sucrase isomaltase) necessita de restrição dietética e reposição da enzima deficiente (Sucrase). Em geral, com estas duas medidas, o controle da doença é satisfatório
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Diante do exposto, destituído de qualquer parcialidade ou interesse, a não ser contribuir com a verdade, com base na história clínica, no exame físico, nos laudos médicos apresentados, exames de imagem e demais documentos constantes nos autos posso concluir afirmando que trata-se de incapacidade total, temporária. Sugiro reavaliação em 2 anos.
Observa-se, portanto, que o perito-médico analisou as enfermidades alegadas por meio de exames clínicos realizados diretamente, bem como pela avaliação da documentação médica, sendo conclusivo quanto à presença de incapacidade total, mas temporária.
De fato, a análise contextual dos autos permite verificar que, apesar de o autor possuir diversas comorbidades, sendo uma delas realmente rara, certo é que, até o presente momento, são doenças passíveis de controle por meio de medicamento e por dieta restritiva, quadro que não acarreta, em princípio, incapacidade total e permanente para o trabalho.
Importa ressaltar que, uma vez controladas com o tratamento médico em curso, as doenças referidas permitem que o autor retome suas atividades rotineiras e de trabalho.
Por essas razões, não merece reforma a r. sentença.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 63 DA LEI 8.213/91. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. MANUTENÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O auxílio por incapacidade temporária está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/1991, e é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, seja por doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes assegure a subsistência.
2. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, §1º, da Lei 8.213/1991, depende da comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial.
3. A análise contextual dos autos permite verificar que, apesar de o autor possuir diversas comorbidades, sendo uma delas realmente rara, certo é que, até o presente momento, são doenças passíveis de controle por meio de medicamento e por dieta restritiva, quadro que não acarreta, em princípio, incapacidade total e permanente para o trabalho.
4. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
