
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002919-92.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: RENATO MENDES DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: AUREO ARNALDO AMSTALDEN - SP223924-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002919-92.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: RENATO MENDES DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: AUREO ARNALDO AMSTALDEN - SP223924-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, nos termos da Lei Complementar nº 142/2013, desde a data do primeiro requerimento administrativo (04/09/2018 - NB 187.315.397-7). Alternativamente, requer a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do segundo requerimento administrativo (16/04/2020 - NB 194.771.374-1), mediante o reconhecimento de períodos trabalhados em atividades especiais, sua conversão em tempo comum e cômputo aos demais períodos de trabalho urbano.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborados em atividades especiais os períodos de 09/01/1984 a 13/03/1986, 10/07/1991 a 13/06/1992, 14/03/2017 a 02/03/2018, 23/05/2018 a 27/12/2018 e 19/03/2019 a 13/11/2019, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 17 das regras de transição da EC n. 103/2019, com DIB em 16/04/2020, condenando-o, em consequência, ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas monetariamente pelo INPC e acrescidas de juros de mora, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09. A partir de 09/12/2021, observar-se-á o art. 3º da EC n. 113/2021. Considerando a sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil/2015, condenou cada parte ao pagamento de honorários ao patrono da parte contrária, arbitrados no percentual mínimo do art. 85, § 3º, do CPC, incidente sobre o valor da condenação para o INSS e sobre a metade do valor atualizado da causa para a parte autora, cuja exigibilidade, nos casos de beneficiário da assistência judiciária gratuita, fica suspensa e condicionada à hipótese prevista no §3º do artigo 98 da Lei Processual em vigor. Sem custas.
Dispensada a remessa necessária, nos termos do § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015.
Apela a parte autora, pleiteando “a TOTAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, condenando o INSS para: a) Homologar o período das empresas: Ferrolene S/A. (15/11/2004 a 16/01/2006), Sabó Ind e Com de Autopeças S.A. (18/09/2006 a 01/08/2008), Mendes Junior Trading S/A. (11/08/2009 a 01/11/2010) e Consórcio Expresso Monotrilho Leste (17/08/2012 a 21/05/2013), como atividade especial e convertendo para tempo comum; b) Após convertidos os períodos supracitados, totalizando o autor mais 35 anos de tempo de contribuição, e assim direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa deficiente desde a DER (04/09/2018); c) Caso não preencha os requisitos na DER, a reafirmação da DER para 03/11/2019 ou para quando o Autor preenche os requisitos mínimos para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa deficiente; d) Subsidiariamente, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa deficiente na DER do requerimento de 16/04/2020; e) Pagar todas as diferenças apuradas, tanto as vencidas como as vincendas, desde a data do requerimento do benefício (04/09/2018) até o término da presente ação, acrescidas de juros moratórios, correção monetária e honorários advocatícios à base de 20% sobre os créditos que forem apurados na ocasião do efetivo pagamento. f) Caso V.Exa., assim não entender possível a concessão do benefício requerido, determine haja a DECLARATÓRIA dos períodos apurados nesta esfera, para assim valer-se do tempo incontroverso” (ID 285677003/14-15).
Sem contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002919-92.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
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Advogado do(a) APELANTE: AUREO ARNALDO AMSTALDEN - SP223924-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência - LC 142/13 - requisitos
Prevê a Constituição Federal a aposentadoria devida aos segurados do RGPS portadores de deficiência, mediante adoção de requisitos e critérios diferenciados, a teor do § 1º do artigo 201, assim transcrito:
"É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar".
Neste contexto, a Lei Complementar n. 142, de 08 de maio de 2013, veio regular, no plano infraconstitucional, a norma constitucional, estabelecendo os seguintes requisitos diferenciados, conforme o grau de deficiência do beneficiário, indicando, ainda, os parâmetros para o reconhecimento do direito, nos termos do artigo 2º:
Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para comprovação do direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, devem ser preenchidos os requisitos fixados no artigo 3º da Lei Complementar n. 142/2013, in verbis:
"Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve"
A Lei Complementar n. 142/2013 assevera, ainda, a necessidade de estabelecer, por meio de laudo médico pericial, a data provável do início da deficiência, o seu grau e a identificação da variação do grau de deficiência nos respectivos períodos (art. 70-D, Decreto 8.145/2013), a fim de indicar o respectivo coeficiente de conversão a ser aplicado na redução no requisito contributivo (incisos I, II e III).
A fim de regulamentar a norma, foi editado o Decreto nº 8.145/13, que incluiu a Subseção IV-A, verbis:
“Art. 70-A. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, em avaliação médica e funcional realizada por perícia própria do INSS, grau de deficiência leve, moderada ou grave, está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício.
Art. 70-B. A aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo, observado o disposto no art. 199-A e os seguintes requisitos:
I - aos vinte e cinco anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos vinte e nove anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e quatro anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; e
III - aos trinta e três anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e oito anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve.
Parágrafo único. A aposentadoria de que trata o caput é devida aos segurados especiais que contribuam facultativamente, de acordo com o disposto no art. 199 e no § 2o do art. 200.
(...)
Art. 70-D. Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, compete à perícia própria do INSS, nos termos de ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União:
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
§ 1° A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar n° 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação médica e funcional, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
§ 2° A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
§ 3° Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 4° Ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União definirá impedimento de longo prazo para os efeitos deste Decreto.
Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A:
(omissis)
§ 1° O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão”.
Os critérios estabelecidos para a realização da perícia, que engloba perícia médica e estudo social, estão discriminados na Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 001/27.01.2014, adotando-se o conceito de funcionalidade estabelecido pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde - OMS, mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA).
A análise da situação incapacitante ocorre dentro do contexto de desempenho de atividades habituais e envolve aspectos sensoriais, de comunicação, mobilidade, cuidados pessoais, de vida doméstica, educação, trabalho e vida econômica, social e comunitária, considerando-se, ademais, as barreiras externas (urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, na informação, atitudinais e tecnológicas) e a dependência de terceiros, para a aferição da deficiência e a classificação em grau grave, moderado ou leve.
Disciplina a Portaria a atribuição de pontos em conformidade com o nível de dependência de terceiros. Assim, quando o segurado não conseguir realizar determinada atividade ou for totalmente dependente de terceiros, a pontuação será de 25. Caso realize a atividade com auxílio de terceiros, mas participe de alguma etapa dessa realização, alcançará 50 pontos. Para a hipótese de consecução da tarefa de forma adaptada, com alguma modificação, ou de forma mais lenta, desde que o indivíduo seja independente para colocar a adaptação necessária para a atividade, não dependendo de terceiros para tal, atingirá 75 pontos. Por fim, quando a atividade for realizada de forma independente, sem qualquer tipo de adaptação ou modificação, em velocidade habitual e em segurança, sem qualquer restrição ou limitação, atingirá 100 pontos.
Após a atribuição dos pontos para cada atividade dos grupos de domínio, a natureza da deficiência poderá ser fixada, nos termos do item “4. e”, do Anexo, da Portaria:
“4.e. Classificação da Deficiência em Grave, Moderada e Leve para a aferição dos graus de deficiência previstos pela Lei Complementar nº 142, de 08 de maio de 2.013, o critério é:
Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739.
Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354.
Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584.
Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585”.
Quanto à conversão do tempo de contribuição para os moldes do tempo laborado como portador de deficiência, há que se determinar o grau de deficiência preponderante, ou seja, aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão. Esse grau servirá de parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência (art. 70-E, §1º, do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº 8.145/13).
Caso não seja comprovada a condição de pessoa com deficiência na data de entrada do requerimento administrativo, ou de implementação dos requisitos para sua concessão, há a possibilidade de concessão da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, nos termos da legislação, com a possibilidade de conversão dos períodos de contribuição como deficiente.
O art. 10 da LC 142/13 veda a cumulação, em relação ao mesmo tempo contributivo, da redução prevista para atividades especiais com a redução prevista para as atividades desenvolvidas na condição de deficiência.
No entanto, é garantida a conversão do tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado com deficiência, para fins das aposentadorias da pessoa portadora de deficiência, se resultar mais favorável ao segurado, observando-se os fatores de conversão positivados na tabela do artigo 70-F, § 1º, do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº 8.145/13.
Aposentadoria Especial
A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Prevê ainda, o mencionado diploma legal, no art. 162, o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.
Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência" (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)
Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.
Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.
Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).
As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).
Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.
Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.
Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.
Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
Nos termos da Súmula nº 68 da TNU, “o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”. A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014); “inexiste exigência legal de contemporaneidade dos documentos técnicos que comprovam o exercício de labor especial” (8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008647-15.2021.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 09/08/2022, DJEN DATA: 12/08/2022).
Da exposição a agentes biológicos
Os Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79, em seus respectivos quadros anexos, elencam ambos os agentes biológicos nocivos à saúde que determinam o reconhecimento da especialidade de atividades profissionais com exposição e contato direto a germes infecciosos e com doentes ou materiais infecto-contagiantes.
Por sua vez, os Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99 estabelecem também a nocividade da exposição a microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas nas atividades em estabelecimentos de saúde que venham a ter contato com paciente portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados, com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos, em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia, de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados, em galerias, fossas e tanques de esgoto, bem como esvaziamento de biodigestores e coleta e industrialização do lixo.
Portanto, a aferição da insalubridade decorrente da exposição a agentes biológicos exige a descrição das atividades e do ambiente de trabalho pelos meios de prova exigidos nos respectivos períodos, quais sejam: formulários SB-40, DIRBEN 8030, PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário.
No entanto, inúmeras questões foram surgindo nos tribunais no pertinente ao reconhecimento da especialidade, notadamente aquelas relacionadas ao local da prestação de serviços, necessidade da atividade estar efetivamente elencada nos decretos legais, habitualidade e permanência da exposição ao agente infeccioso ou nocivo e, até mesmo, a questão relacionada ao risco potencial de contaminação, mesmo nas hipóteses em que não se comprova a efetiva exposição.
Visando dirimir tais questionamentos, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), em sede de julgados representativos de controvérsia, firmou os Temas 205 e 211, cujos enunciados devem nortear o magistrado, conforme transcrição in verbis:
Tema 205: “a) para reconhecimento da natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada” (Tema 211/TNU). (publicado em 16/03/2020)
Tema 211: “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.” (publicado em 17/12/2019)
Vale dizer, no que diz respeito à habitualidade e permanência, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que a aferição da exposição aos agentes biológicos deve observar o critério qualitativo, e não quantitativo (STJ, REsp 1.468.401, Primeira Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 27/3/2017).
Embora o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário aponte a eficácia dos equipamentos de proteção individual, tal informação não obsta a efetiva exposição aos agentes nocivos, notadamente os infecciosos, que deve ser interpretada como potencialmente insalubre e perigosa, porquanto a simples afirmação acerca de sua eficácia não reflete, por si só, a comprovação de que o emprego do equipamento se deu de forma constante e fiscalizada, tampouco que frequentemente neutralizou o agente nocivo.
Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.
Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.889.768/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 10/12/2021; REsp n. 1.800.908/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/4/2019, DJe de 22/5/2019; REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).
Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Conversão do tempo de serviço especial em comum
Deve ser afastada qualquer tese de limitação temporal de conversão de tempo de serviço especial em comum, seja em períodos anteriores à vigência da Lei nº 6.887, de 10/12/1980, ou posteriores a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, permanecendo, assim, a possibilidade legal de conversão, inclusive para períodos posteriores a maio de 1998, uma vez que a norma prevista no artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 permanece em vigor, tendo em vista que a revogação pretendida pela 15ª reedição da MP 1663 não foi mantida quando da conversão na Lei nº 9.711/98. Nesse sentido decidiu a Terceira Seção do STJ no Resp 1.151.363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, data do julgamento: 23/03/2011.
O Decreto nº 83.080/79 foi renovado pelo Decreto nº 3.048/99 e este, por sua vez, prevê expressamente em seu art. 70 e seguintes (na redação dada pelo Decreto nº 4.827/03), que os fatores de conversão (multiplicadores) nele especificados aplicam-se na conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum ao trabalho prestado em qualquer período.
Cumpre ressaltar, no entanto, que o art. 25, § 2º, da EC nº 103/2019 vedou a conversão em comum de tempo especial cumprido a partir de 13/11/2019, data de sua vigência.
Fonte de custeio
Quanto à alegação de necessidade de prévio custeio, cumpre ressaltar inexistir vinculação do ato de reconhecimento de tempo de atividade perigosa/nociva ao eventual pagamento de encargos tributários com alíquotas diferenciadas, eis que os artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 não demandam tal exigência, que constituiria encargo para o empregador, não podendo o empregado ser por isso prejudicado. Assim já definiu o C. STF, ao apreciar o tema em repercussão geral ARE nº 664.335/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09/12/2014, DJE 27/03/2015.
Caso concreto - elementos probatórios
Atividade especial
Cinge-se a controvérsia acerca da especialidade das atividades trabalhadas nos períodos de 15/11/2004 a 16/01/2006, 18/09/2006 a 01/08/2008, 11/08/2009 a 01/11/2010 e 17/08/2012 a 21/05/2013, considerando que, em relação aos períodos de 20/07/1987 a 22/03/1990 e 22/06/2015 a 04/11/2016, já houve o reconhecimento na esfera administrativa do INSS (ID 285676718/246) e os períodos de 09/01/1984 a 13/03/1986, 10/07/1991 a 13/06/1992, 14/03/2017 a 02/03/2018, 23/05/2018 a 27/12/2018 e 19/03/2019 a 13/11/2019 foram reconhecidos na sentença e não houve recurso.
1. 15/11/2004 a 16/01/2006: Ferrolene S/A Indústria e Comércio de Metais – auxiliar de enfermagem do trabalho no centro médico (“Atuar na triagem, atender medicina preventiva e emergencial”) – vírus, fungos e bactérias (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP – ID 285676715/15-16);
2. 18/09/2006 a 01/08/2008: Sabó Indústria e Comércio de Autopeças S/A – auxiliar de enfermagem do trabalho na enfermaria (“Prestava assistência aos colaboradores zelando pelo seu conforto e bem estar, auxiliava na administração de medicamentos, organizava o ambiente de trabalho, trabalhava em conformidade às boas práticas, normas e procedimentos de biossegurança, realizava ações para promoção da saúde dos colaboradores, realizava registros e auxiliava na elaboração de relatórios técnicos”) – ruído de 70 dB (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP – ID 285676715/18-19);
3. 11/08/2009 a 01/11/2010: Mendes Junior Trading e Eng. S/A – técnico de enfermagem do trabalho (“Realizar sob supervisão do médico do trabalho ou mediante prescrição médica, aplicações intramusculares, endovenosas, bem como curativos, prestar atendimento aos empregados da empresa, manter o arquivo médico, realizar levantamentos estatísticos dos atendimentos ambulatoriais, cumprir programas de prevenção de doenças, participar do planejamento da assist. de enfermagem do trabalho”) – agentes biológicos (vírus e bactérias) (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP – ID 285676715/21-22) e
4. 17/08/2012 a 21/05/2013: Consórcio Expresso Monotrilho Leste – técnico de enfermagem do trabalho (“Executar os procedimentos de atendimento de primeiros socorros, curativos, controlar o fichário, estoque de medicamentos e material médico em geral”) – agentes biológicos (vírus e bactérias) (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP – ID 285676882).
Os períodos de 15/11/2004 a 16/01/2006, 11/08/2009 a 01/11/2010 e 17/08/2012 a 21/05/2013 devem ser reconhecidos como especiais, porquanto restou comprovada a exposição habitual e permanente a agentes biológicos (micro-organismos), em razão do contato direto com pacientes, ao realizar atendimento ambulatorial e emergencial, ministrar medicamentos injetáveis e realizar curativos, conforme demonstram os documentos (PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário) (ID 285676715/15-16, ID 285676715/21-22 e ID 285676882), enquadrando-se no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 3.048/99.
No entanto, o período de 18/09/2006 a 01/08/2008 não é passível de ser reconhecido como especial, tendo em vista a comprovação, mediante documento (PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário) (ID 285676715/18-19), da exposição a ruído em intensidade inferior ao limite fixado na norma previdenciária para o período, que é de 85 decibéis a partir de 19.11.2003 (código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 e no item 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, bem como no item 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e no item 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99 c/c Decreto n.º 4.882/03).
Cumpre ressaltar que, não obstante o autor tenha exercido a atividade de auxiliar de enfermagem do trabalho, não restou comprovada a exposição habitual e permanente a agentes biológicos.
Verificação da deficiência
Inicialmente, observo que a soma das pontuações atribuídas pelas perícias médica e socioeconômica, realizadas na esfera administrativa (NB 187.315.397-7), em 13/02/2019, totaliza 6625 pontos, configurando deficiência leve, nos termos do item “4.e”, do Anexo da Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 01/14, durante o período de 20/11/1985 a 13/02/2019 (ID 285676915).
Por sua vez, a perícia médica acostada aos autos (ID 285676898), realizada em 04/11/2021, aponta que “Após análise do quadro clínico do periciando devido à perícia feita observa-se que está sendo acometido pela perda auditiva há 25 anos e refere que usa a prótese auditiva esquerda há 13 anos, todavia exerceu normalmente várias atividades laborativas habituais sem nenhuma anormalidade com este comprometimento auditivo, por conseguinte não acarreta nenhuma deficiência, nenhuma incapacidade nem limitação funcional. A respeito do distúrbio emocional menciono que foi observado que este comprometimento está abolido sem nenhuma medicação, pois seu perfil psíquico se mostrou que estava normal e adequado. (...) O periciando não apresenta nenhuma limitação funcional, nenhuma deficiência nem incapacidade, portanto apto a exercer suas atividades laborativas habituais, por isso não há como indicar nenhum benefício previdenciário.”.
Em obediência à Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1 de 27/01/14, o perito médico procedeu ao preenchimento dos respectivos anexos, concluindo, no caso dos autos, pela pontuação de 4100 (ID 285676930).
Por sua vez, a perícia socioeconômica acostada aos autos (ID 285676990), realizada em 11/03/2023, constatou que o autor “conta com 57 anos de idade, nasceu sem apresentar problema de saúde, contraiu Otite na infância, concluiu o ensino médio, fez cursos tecnológicos de técnico de enfermagem, durante o período que trabalho na CBC percebeu que estava perdendo a audição, atualmente ouve apenas de um ouvido e com o uso de aparelho, o autor constituiu família com a Sra. Rosa Maria e não tem filho, o autor está em tratamento e acompanhamento de saúde na Unidade Básica de Saúde e consultar particular, uma vez por mês. Com relação à moradia, o autor reside há 01 ano em um imóvel próprio, localizado no município de São Paulo/SP, o apartamento conta com quatro cômodos. Com relação ao nível de independência para o desempenho de atividade laboral e participação nas atividades do cotidiano, o autor é parcialmente dependente de terceiros para sua sobrevivência, com algumas limitações devido a sua deficiência”, indicando a pontuação de 3725.
Não obstante a soma das pontuações atribuídas pelas perícias médica e socioeconômica realizadas na esfera judicial totalize 7825 pontos, insuficiente para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, observo que o Juízo não está adstrito ao laudo pericial judicial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos e, nesse sentido, deve prevalecer as perícias médica e socioeconômica realizadas na esfera administrativa, as quais refletem com maior precisão as condições vivenciadas pela parte autora na data do primeiro requerimento administrativo (04/09/2018).
De acordo com declaração médica, datada de 05/12/2018, “Paciente de 53 anos, com deficiência auditiva causada por ruídos em ambiente de trabalho, apresenta quadro de sofrimento intenso em sua adaptação à deficiência, apresentando quadro de humor intenso, principalmente disforia, irritabilidade, anedonia, apresentando quadro compatível com hipóteses diagnósticas de F43.1 / F32.1, apresentando dificuldade intensa para exercer suas atividades laborais no momento” (ID 285676716/8).
O perito nomeado pelo Juízo a quo, por sua vez, informou que “A respeito do distúrbio emocional menciono que foi observado que este comprometimento está abolido sem nenhuma medicação, pois seu perfil psíquico se mostrou que estava normal e adequado” (ID 285676898/4), o que demonstra que, em relação à perícia administrativa, houve melhora do quadro clínico do autor, que se apresenta mais adaptado à deficiência.
Portanto, restou comprovada a existência de deficiência leve, durante o período apurado na esfera administrativa (20/11/1985 a 13/02/2019), o que assegura a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem.
Inicialmente, observo que, no primeiro requerimento administrativo, o autor pleiteou somente a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, não formulando pedido de reconhecimento de tempo especial. Posteriormente, no segundo requerimento administrativo, requereu a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de períodos trabalhados em atividades especiais, sua conversão em tempo comum e cômputo aos demais períodos de trabalho urbano.
Dessa forma, entendo que somente poderão ser computados os períodos especiais reconhecidos pelo INSS e nos presentes autos, a partir da data do segundo requerimento administrativo, pois, no primeiro momento em que o autor procurou pela autarquia, não apresentou tal pedido, não sendo exigível do INSS que lhe concedesse mais do que lhe foi demandado.
Assim, considerando a constatação da deficiência leve do autor desde 20/11/1985 e o tempo comum com registro em CTPS/constante no CNIS, verifica-se que, à época do primeiro requerimento administrativo (04/09/2018), a parte ainda não havia preenchido os requisitos para a concessão do benefício.
Por sua vez, considerando a constatação da deficiência leve do autor de 20/11/1985 a 13/02/2019, o tempo especial reconhecido nos presentes autos e na esfera administrativa, bem como o tempo comum com registro em CTPS/constante no CNIS, verifica-se que, à época do segundo requerimento administrativo (16/04/2020), a parte autora já havia preenchido os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência.
No que tange aos efeitos financeiros da concessão do benefício, considerando que o reconhecimento das atividades especiais decorreu de produção de prova realizada apenas na esfera judicial, a hipótese do caso se amolda à previsão do Tema 1.124 do C. Superior Tribunal de Justiça, e, portanto, deve seguir o quanto vier a ser definido quando do julgamento dos recursos representativos de controvérsia Resp. 1905830/SP, 1912784/SP e 1913152/SP, afetados em 17/12/2021.
Contudo, embora haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, entendo que a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte já neste momento, priorizando, assim, o princípio da celeridade processual, cabendo ao juiz da execução determinar a observância do quanto decidido pela Corte Superior quando da feitura dos cálculos do montante do crédito devido ao beneficiário.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1291244/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013)
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
Considerando que o autor decaiu de parte mínima do pedido, condeno o INSS ao pagamento de honorários de advogado no percentual de 10% do valor da condenação, aplicada a Súmula 111/STJ, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença (Tema 1105/STJ).
Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e dou parcial provimento à apelação da parte autora para determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, fixando os consectários legais nos termos explicitados na decisão.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO DEFICIENTE. LEI COMPLEMENTAR 142/13. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES BIOLÓGICOS. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. TEMA 1124/STJ. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO PEDIDO.
1. Nos termos da Lei Complementar n. 142/2013, devem ser preenchidos os requisitos fixados no artigo 3º: "Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições: I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.".
2. A Lei Complementar n. 142/2013 assevera a necessidade de estabelecer, por meio de laudo médico pericial, a data provável do início da deficiência, o seu grau e a identificação da variação do grau de deficiência nos respectivos períodos (art. 70-D, Decreto 8.145/2013), a fim de indicar o respectivo coeficiente de conversão a ser aplicado na redução no requisito contributivo (incisos I, II e III).
3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).
5. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente a agentes biológicos (microorganismos - código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 2.172/97).
6. O autor comprovou a deficiência e cumpriu o requisito temporal, fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição devida ao deficiente.
7. Termo inicial dos efeitos financeiros da concessão do benefício. Tema 1.124/STJ.
8. Juros e correção monetária. Aplicação dos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
9. Honorários de advogado. Sucumbência mínima do pedido.
10. Sentença corrigida de ofício. Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
