
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011890-91.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: CLAUDIO BORTOLOZZO
Advogado do(a) APELANTE: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011890-91.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: CLAUDIO BORTOLOZZO
Advogado do(a) APELANTE: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ordinária em que se objetiva o reconhecimento de atividade rural sem registro em carteira (10.06.84 a 31.07.95).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborado(s) em atividade(s) rural(ais) o(s) período(s) de 01.04.88 a 30.06.91, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a expedição da respectiva certidão. Diante da sucumbência recíproca, determinou que as partes arcassem com os honorários de advogado de seus respectivos patronos.
Sentença (proferida em 25.08.2016) não submetida ao reexame necessário.
Apela a parte autora, pugnando pelo reconhecimento do labor rural nos períodos rejeitados na sentença (10.06.84 a 31.03.88 e de 01.07.91 a 31.07.95).
Contrarrazões pela parte apelada.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011890-91.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: CLAUDIO BORTOLOZZO
Advogado do(a) APELANTE: DOUGLAS LUIZ DOS SANTOS - SP166979-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Passo ao exame do mérito.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Reconhecimento de tempo de serviço e expedição de certidão
Considerando-se que é direito constitucional a obtenção de certidões perante órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, b, da Constituição da República), importante questão reside na necessidade de recolhimento de indenização ou das contribuições devidas para a expedição de certidão de tempo de serviço pelo INSS, para que o interessado a utilize no requerimento de benefício mediante contagem recíproca em regimes diversos.
Embora existissem divergências, a 3ª Seção deste Tribunal, seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça e de outros Tribunais Regionais, pacificou seu entendimento no sentido de ser possível a emissão desta certidão pela entidade autárquica, independentemente do recolhimento de indenização ou contribuições, desde que o INSS consigne no documento esta ausência, para fins do art. 96, IV, da Lei 8.213/91 (STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, AGRESP 1036320, j. 08/09/2009, DJE 13/10/2009; TRF3, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Daldice Santana, AR nº 2001.03.00.030984-0/SP, v.u., j. 14/06/2012, DE 21/06/2012).
Caso concreto - elementos probatórios
Cinge-se a controvérsia acerca do reconhecimento do labor exercido em atividades rurais no(s) período(s) de 10.06.84 a 31.03.88 e de 01.07.91 a 31.07.95, objeto de impugnação no apelo da parte autora.
A parte autora, nascida em 10.06.70, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:
- pedido de matrícula nos anos letivos de 1979, 1982 a 1986 na rede pública de ensino em Palmeira D'Oeste/SP, constando o pai da parte autora qualificado como lavrador (ID 88831462/15 e 18-19);
- comprovante de associação do pai da parte autora ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jales/SP em 27.02.84 e 29.02.85 (ID 88831461/16-17);
- notas fiscais de produtor em nome do pai da parte autora no período de 04/80 a 09/91 (ID 88831462/39-50);
- ficha de alistamento militar em 26.04.88, sendo qualificado como trabalhador agrícola (ID 88831462/24);
- pedido de habilitação de motorista perante a Delegacia de Polícia de Palmeira D'Oeste/SP em 11.07.88 e 06.05.94, sendo em ambas ocasiões qualificado como lavrador (ID 88831462/22 e 29);
- certidão de nascimento de filho da parte autora, ocorrido em 07.11.89, sendo qualificado como lavrador (ID 88831462/30);
- certidão de casamento, celebrado em 03.11.90, em que é qualificado como lavrador (ID 88831462/33);
- escritura de convenção com pacto antenupcial, lavrada em 15.10.90, sendo qualificado como lavrador (ID 88831462/31-32).
Como já decidido pela E. 7ª Turma, e tendo em vista a atual Súmula 577 do C. STF, que consagrou o entendimento adotado pelo C. STJ no julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea.
As testemunhas ouvidas em juízo (ID 88831462/148-149) confirmaram o labor rural exercido pela parte autora desde criança, na companhia de seu pai e seus irmãos, em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, em propriedade rural pertencente à família (pai e tios), localizada no Córrego do Sucuri em Palmeira D'Oeste/SP, na cultura principalmente de café e posteriormente, limão, uva, algodão, milho e arroz.
Desta forma, viável o reconhecimento do trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente no(s) período(s) de
10.06.84 a 31.03.88 e de 01.07.91 a 31.10.91,
exceto para efeito de carência.Esclareço que não é possível o reconhecimento do exercício de atividade rural no período posterior a novembro de 1991, em que pese a existência de testemunho que comprova o exercício até os dias atuais, pois com relação ao período posterior à vigência da Lei 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias como facultativo, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do artigo 39, da Lei de Benefícios.
Destarte, face à inexistência de apontamento, no sistema CNIS, do recolhimento de contribuições previdenciárias, inviável o reconhecimento do labor rural no período posterior a novembro/1991.
No que tange aos honorários de advogado, verifico que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido.
Assim, com fulcro no parágrafo único do artigo 86 do Código de Processo Civil/2015, condeno o INSS ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto,
dou parcial provimento à apelação da parte autora,
para reconhecer o labor rural desenvolvido pela parte autora nos períodos de 10.06.84 a 31.03.88 e de 01.07.91 a 31.10.91, mantida, no mais, a sentença recorrida.É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE PERÍODOS POSTERIORES A 1991. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA.
1. Conjunto probatório suficiente para demonstrar o exercício da atividade rural.
2. Existindo início de prova material complementado pela prova testemunhal, há de ser reconhecido o tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência.
3. É possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea. REsp n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia.
4. Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
5. Sucumbência mínima da parte autora. Condenação do INSS ao pagamento de honorários. Aplicação da regra do parágrafo único do artigo 86 do Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
