
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-85.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSMAR FERNANDES
Advogado do(a) APELADO: JULIANO SARTORI - SP243509-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-85.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSMAR FERNANDES
Advogado do(a) APELADO: JULIANO SARTORI - SP243509-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, mediante o reconhecimento de atividade rural sem registro em carteira (06.12.66 a 2014) e seu cômputo ao tempo de serviço urbano.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborado(s) em atividade(s) rural(ais) o(s) período(s) de 06.12.69 a 05.08.84 e de 06.01.86 a 11.03.2014, rejeitando o pedido de concessão da aposentadoria por tempo de serviço, em face do não preenchimento dos requisitos legais. Diante da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% do valor da condenação, observada a concessão da gratuidade em favor da parte autora.
Sentença (proferida em 19.04.2016) não submetida ao reexame necessário.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, alegando a impossibilidade do reconhecimento do labor rural, notadamente por considerar que a parte autora não laborou na qualidade de pequeno produtor rural, descaracterizando, assim, o regime de economia familiar, além da inexistência de recolhimento de contribuições previdenciárias.
Contrarrazões pela parte apelada.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000813-85.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSMAR FERNANDES
Advogado do(a) APELADO: JULIANO SARTORI - SP243509-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição – requisitos
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.
Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).
Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.
Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios
A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)
Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
A prova do exercício de atividade rural
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Idade mínima para o trabalho rural
Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.
O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).
Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.
Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:
As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.
A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.
A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.
Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade. A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.
Caso concreto - elementos probatórios
Impugna o INSS o reconhecimento como labor rural dos períodos de 06.12.69 (parte autora com 12 anos de idade) a 05.08.84 e de 06.01.86 a 11.03.2014, considerando que o pleito relativo ao período de 06.12.66 a 05.12.69 e à concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, rejeitado na sentença, não foi objeto de impugnação pela parte sucumbente em sede recursal.
A parte autora, nascida em 06.12.57, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:
- certidão de casamento, celebrado em 07.11.87, em que é qualificado como agricultor (ID 88831476/21);
- certidão emitida por Cartório de Registro de Imóveis acerca de escritura pública lavrada em 06.01.86, pela qual o pai da parte autora, qualificado como agricultor, adquiriu imóvel rural (Sítio Palmeiras), localizado em Bebedouro/SP e alienou para terceiro em 22.09.2000 (ID 88831476/35-36);
- guias de recolhimento de ITR e Certificado de Cadastro de Imóvel Rural referentes aos exercícios de 1987 a 1995, do Sítio Palmeiras, em nome do pai da parte autora (ID 88831476/37-46);
- notas fiscais de produtor emitidas pelo pai da parte autora nos exercícios de 1986, 1988, 1991, 1992, 1995, 1997 a 2000, referentes a produção do Sítio Palmeiras (ID 88831476/47-65);
- escritura pública lavrada em 01.08.90 acerca da aquisição pelos genitores da parte autora de imóvel rural (Sítio Santo Antônio), localizado em Monte Azul Paulista/SP (ID 88831476/24-33);
- escritura pública lavrada em 23.10.90 acerca da aquisição pelo pai da parte autora, qualificado como agricultor, de imóvel rural (Sítio Chaparral), localizado em Monte Azul Paulista/SP (ID 88831476/67-82);
- guias de recolhimento de ITR e Certificado de Cadastro de Imóvel Rural referentes aos exercícios de 1992, 1994 a 1999 e de 2003 a 2010, do Sítio Chaparral, em nome do pai da parte autora (ID 88831476/83 a 88831477/3);
- notas fiscais de produtor emitidas pelo pai da parte autora nos exercícios de 1991, 1993, 1995 a 2005, referentes a produção do Sítio Chaparral (ID 88831477/4-16);
- escritura pública de doação em 03.08.90 para os genitores da parte autora de imóvel rural denominado Sítio Venâncio e em 18.03.2011, para a parte autora, com reserva de usufruto em favor dos genitores (ID 88831477/18-28);
- guias de recolhimento de ITR e Certificado de Cadastro de Imóvel Rural referentes aos exercícios de 1992 a 2012, do Sítio Venâncio, em nome do pai da parte autora (ID 88831477/31-41);
- notas fiscais de produtor emitidas pelo pai da parte autora nos exercícios de 2001 a 2005, 2008 a 2010, 2012 a 2014, referentes a produção do Sítio Venâncio (ID 88831477/31-41);
- escritura pública comprovando aquisição do Sítio São José pelo genitor da parte autora, acompanhada de guias de ITR e certificado de cadastro de imóvel nos exercícios de 2002, 2003 e 2010, além de notas fiscais de produtor em nome do genitor, emitidas no período de 1996 a 2008, 2012 e 2013, referentes a produção do Sítio São José (ID 88831477/43-76).
No caso, as testemunhas ouvidas em juízo (ID 88831477/107-108) confirmaram o labor rural exercido pela parte autora desde criança, na companhia de seu pai e irmãos, em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, em propriedade rural pertencente à família, na cultura de arroz, feijão, milho. Afirmaram ter a parte autora sempre residido na zona rural, em sítios pertencentes à família.
Consoante documentos acostados aos autos (guias de recolhimento de ITR e certificado de cadastro de imóvel rural), verifica-se que as propriedades rurais nas quais exerceu a parte autora atividades rurais correspondiam a área inferior a 4 módulos fiscais (Sítio Palmeiras - 1,21 módulo fiscal; Sítio Chaparral - 3,52 módulo fiscal; Sítio Venâncio - 3,12 módulos fiscais), restando, assim, improcedente a insurgência do INSS.
Esclareço que não é possível o reconhecimento do exercício de atividade rural no período posterior a novembro de 1991, em que pese a existência de testemunho que comprova o exercício até os dias atuais, pois com relação ao período posterior à vigência da Lei 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias como facultativo, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do artigo 39, da Lei de Benefícios.
Destarte, face à inexistência de apontamento, no sistema CNIS, do recolhimento de contribuições previdenciárias, a sentença merece reforma para afastar o reconhecimento do labor rural no período posterior a novembro/1991, mantido o reconhecimento do trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente de 06.12.69 a 05.08.84 e de 06.01.86 a 31.10.91 (data anterior ao início da vigência da Lei nº 8.213/91), exceto para efeito de carência.
Nesse passo, no que tange aos honorários de advogado, verifico que ambas as partes foram vencedoras e vencidas na causa em proporção semelhante.
Contudo, considerando a vedação à compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme critérios do artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil/2015, condeno cada parte ao pagamento de honorários ao patrono da parte contrária, ora arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada um.
Ante o exposto,
dou parcial provimento à apelação do INSS,
para restringir o reconhecimento do labor rural exercido pela parte autora informalmente de 06.12.69 a 05.08.84 e de 06.01.86 a 31.10.91.É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE PERÍODOS POSTERIORES A 1991. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. São requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a tempo de contribuição, a teor do seu art. 4º.
2. O art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Precedentes.
3. Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.
4. Sucumbência recíproca. Condenação ao pagamento da verba ao patrono da parte contrária. §14 do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
