
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000270-17.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: LUCIANO DIAS
Advogado do(a) APELANTE: DANIELLE RIBEIRO DE MENEZES BONATO - SP286086-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000270-17.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: LUCIANO DIAS
Advogado do(a) APELANTE: DANIELLE RIBEIRO DE MENEZES BONATO - SP286086-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto por LUCIANO DIAS em face de sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio-acidente, tendo em vista a conclusão do laudo médico pericial, que não identificou incapacidade nem redução da capacidade laborativa.
A sentença fixou os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §3º, inc. I, do Código de Processo Civil. Sem custas em razão da parte autora ser beneficiária da justiça gratuita (id. 279425221).
Em recurso de apelação a autora alega que o requisito incapacidade está comprovado nos documentos anexados aos autos. Ressalta que a perícia médica judicial não realizou a devida análise da documentação médica e, por isso, não corresponde com a realidade dos fatos.
Assim, requer a reforma da r. sentença para que lhe seja concedido o benefício auxílio-acidente (id. 279425224).
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000270-17.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 26 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
APELANTE: LUCIANO DIAS
Advogado do(a) APELANTE: DANIELLE RIBEIRO DE MENEZES BONATO - SP286086-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA):
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de auxílio-acidente, tendo em vista a conclusão do laudo médico pericial.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Dos benefícios por incapacidade
Os benefícios por incapacidade têm fundamento no artigo 201 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (...).
Por sua vez, a Lei nº 8.213/91 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício por incapacidade permanente (artigo 42) e temporária (artigos 59 a 63), exigindo qualidade de segurado, em alguns casos carência, além de moléstia incapacitante para atividade que lhe garanta a subsistência.
Nesse sentido, a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A comprovação da incapacidade é realizada mediante perícia médica a cargo do INSS ou perito nomeado pelo Juízo, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei nº 8.213/91 e arts. 443, II, 464 e 479 do Código de Processo Civil.
Contudo, registre-se que a avaliação das provas deve ser ampla, levando-se em consideração também as condições pessoais do requerente, conforme magistério da eminente Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS ("Direito previdenciário esquematizado", São Paulo: Saraiva, 2023, p. 122):
"Na análise do caso concreto, deve-se considerar as condições pessoais do segurado e conjugá-las com as conclusões do laudo pericial para avaliar a incapacidade.
Não raro o laudo pericial atesta que o segurado está incapacitado para a atividade habitualmente exercida, mas com a possibilidade de adaptar-se para outra atividade. Nesse caso, não estaria comprovada a incapacidade total e permanente, de modo que não teria direito à cobertura previdenciária de aposentaria por invalidez. Porém, as condições pessoais do segurado podem revelar que não está em condições de adaptar-se a uma nova atividade que lhe garanta subsistência: pode ser idoso, ou analfabeto; se for trabalhador braçal, dificilmente encontrará colocação no mercado de trabalho em idade avançada."
No mesmo sentido é a jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PARCIAL ALIADA ÀS CONDIÇÕES PESSOAIS. ANÁLISE. POSSIBILIDADE.
1. "Ainda que o laudo pericial tenha concluído pela incapacidade parcial para o trabalho, pode o magistrado considerar outros aspectos relevantes, tais como, a condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado, para a concessão da aposentadoria por invalidez" (AgRg no AREsp 308.378/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 21/05/2013).
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Súmula 83 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.036.962/GO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.)
Constatada a incapacidade, ainda é preciso observar se a carência e a qualidade de segurado foram comprovadas pela parte requerente.
Da qualidade de segurado
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes, ou ainda, independentemente do recolhimento de contribuições, no chamado período de graça, previsto no art. 15, da Lei nº 8.213/91, segundo o qual:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
No que tange ao trabalhador rural não há a necessidade de recolhimento das contribuições, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural pelo número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, conforme o disposto no artigo 39, I e artigo 25, I da Lei 8.213/91.
Ademais, na hipótese da perda da qualidade de segurado, dispõe o art. 27-A, da Lei 8.213/91 que, para a obtenção do benefício, o trabalhador “deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei."
Da carência
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I.
Entretanto, o artigo 26, inciso II, do mesmo texto legal prescreve que independem de carência, o "auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho".
Também está dispensado de comprovar a carência o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
A Lei n. 8.213/91, no artigo 151, previu, até a elaboração da referida lista, algumas doenças que, quando constatadas, dispensam o requisito da carência. São elas: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
A Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23.8.2001, no art. 1º, além das doenças descritas, acrescentou para fins de exclusão da exigência da carência "o estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante)" e hepatopatia grave, para fins de concessão dos benefícios aqui tratados.
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão (art. 42, § 2º e 59, § 1º da Lei 8213/91).
Do auxílio-acidente
O benefício de auxílio-acidente possui natureza indenizatória e deve ser concedido ao segurado que perdeu parte de sua capacidade laborativa em razão de acidente de qualquer natureza, conforme previsto no artigo 86, da Lei 8.213/1991, segundo qual:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997).
O benefício independe de carência e é devido ao segurado empregado, ao trabalhador avulso, ao segurado especial (art. 18, § 1º, do PBPS) e ao empregado doméstico (incluído pela LC n. 150/2015), quando mantida a qualidade de segurado por ocasião do acidente. Contudo, não têm direito ao benefício o contribuinte individual e o segurado facultativo por ausência de previsão legal.
O benefício de auxílio-acidente, disposto no artigo 86 da Lei 8.213/91, sofreu alteração pela Lei 9.528/97 que vedou sua cumulação com qualquer aposentadoria. Entretanto, é possível cumular com outros benefícios, tais como: pensão por morte, auxílio-doença (desde que por causas diferentes), salário maternidade, etc.
Questão especial referente ao tema, trata-se da possível cumulação do auxílio-acidente com aposentadoria caso ambos fossem concedidos antes da alteração feita pela Lei 9.528/97. Nesse sentido, o C. STJ editou a Súmula 507:
A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.
Por sua vez, o C. Supremo Tribunal Federal possui o Tema 599 cujo leading case RE 687813 ainda está pendente de julgamento:
Acumulação da aposentadoria por invalidez com o benefício suplementar, previsto no art. 9º da Lei 6.367/76, incorporado pela normatização do atual auxílio-acidente, a teor do que dispunha o art. 86 da Lei 8.213/91, na sua redação primitiva.
Quanto ao termo inicial do benefício, registre-se que, além do dispositivo mencionado, o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Tema 862, firmou a seguinte tese:
O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ.
Do caso em análise
Após análise apurada dos autos, verifica-se que a parte autora, atualmente com 50 anos de idade, alega que foi contratada para exercer a função de motorista na empresa Viação Limeirense Ltda. Aduz que em suas atividades conduzia veículo de transporte coletivo urbano (ônibus), sendo que em 2003 fora acometida por lombalgia crônica, secundária a doença osteodegenerativa de coluna, apresentando, assim, dor na lombar e na cervical desde então (CID M51.1).
Em razão de suas patologias, recebeu o auxílio por incapacidade temporária (NB 31/130.430.587-0) entre 24/07/2003 e 09/09/2006.
Relata que desde a cessação do benefício até os dias de hoje apresenta limitação para suas atividades laborais, não mais conseguindo exercê-las de forma técnica. Assim, afirma que a autarquia previdenciária deveria ter implantado automaticamente o benefício ora requerido.
Para comprovar sua condição, juntou aos autos laudos médicos, receitas, radiografias e ressonância magnética da coluna (ids. 279425180; 2794252110; e 279425218).
De modo a melhor compreender a situação da autora, o juízo determinou a realização da perícia médica judicial, realizada em 01/12/2020.
No exame pericial, a parte segurada queixou-se de dores nas costas (cervical e lombossacra) desde 2002, com piora progressiva referindo o autor, ainda, que a dor piora com movimento, esforço, agachamento, mas melhora com repouso e uso de medicamentos.
Após análise da documentação apresentada no exame pericial e do exame clínico, o perito concluiu que a parte autora é portadora de depressão e doença degenerativa da coluna sem déficit neurológico focal ou sinais de radiculopatia em atividade. Ressaltou que a doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.
Ainda, destaco um dos quesitos apresentados ao perito e sua resposta (id. 2794252110):
"(...)11. Caso o periciando tenha redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, podendo exercê-lo, mas com maior grau de dificuldade, indique as limitações que enfrenta. R: Não há redução da capacidade laborativa atual.(...)"
Dessa maneira, em que pesem as alegações da parte autora, a perícia médica judicial foi elucidativa tanto no que tange à ausência de incapacidade laborativa quanto à ausência de redução laborativa.
Vale ressaltar que a existência de doença não implica necessariamente em incapacidade ou mesmo na redução laboral, a menos que haja impossibilidade de exercício de atividade laborativa ou um maior esforço físico para exercê-la, o que não restou demonstrado no caso ora examinado.
Por fim, a impugnação da parte autora ao laudo não constitui argumentação relevante capaz de desconstituir seus fundamentos. O laudo foi apresentado de forma elucidativa e objetiva, por profissional capacitado que analisou os documentos e exames apresentados.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. AUSÊNCIA DE REDUÇÃO LABORATIVA.
1. A sentença julgou improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente.
2. A parte autora, motorista de ônibus, sofre de problemas na coluna (lombalgia crônica).
3. Foi concedido à parte autora o auxílio por incapacidade temporária entre 24/07/2003 e 09/09/2006.
4. A perícia oficial concluiu que a parte autora é portadora de depressão e doença degenerativa da coluna sem déficit neurológico focal ou sinais de radiculopatia em atividade. A doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas.
5. Em resposta a um dos quesitos, o perito oficial afirmou que “não há redução da capacidade laborativa atual”.
6. Apelação não provida.
