
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005472-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INES SALETE STEFENI
Advogado do(a) APELANTE: EDNA APARECIDA CONTELLI - MS17148-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005472-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INES SALETE STEFENI
Advogado do(a) APELANTE: EDNA APARECIDA CONTELLI - MS17148-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a conceder o benefício previdenciário de auxílio-doença, com termo inicial na data do requerimento administrativo e termo final na data em que completados 06 (seis) meses a partir da perícia médico-judicial, realizada em 13/05/2022.
Foram opostos embargos de declaração pela autora, os quais foram acolhidos apenas para sanar omissão quanto ao pedido de aposentadoria por invalidez, sem, contudo, efeitos infringentes, mantendo-se a concessão do auxílio-doença.
Em suas razões de apelação, a autora alega que foram atendidos todos os requisitos legais para concessão de aposentadoria por invalidez. Sustenta que o grau de incapacidade decorrente das doenças e limitações que possui é total e não há perspectiva de recuperação de sua capacidade de trabalho, o que foi comprovado pela perícia médico-judicial. Argumenta que estava recebendo auxílio-doença desde maio de 2011, até se submeter à perícia médico-administrativa e ter cessado o benefício em 05/10/2021, embora não tenha melhorado seu quadro de saúde. Afirma que o histórico de pedidos e concessões de auxílio-doença também demonstra que sua incapacidade é total e permanente, não havendo possibilidade de reabilitação profissional.
Sem contrarrazões de recurso, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005472-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INES SALETE STEFENI
Advogado do(a) APELANTE: EDNA APARECIDA CONTELLI - MS17148-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Prefacialmente, necessário abordar o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a premissa básica para concessão encontra-se no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também dá direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
No caso vertente, a apelante, pedagoga, com 60 anos de idade, alega ser acometida de transtornos psiquiátricos graves, quadro depressivo, crises de pânico e ansiedade, anedonia e agorafobia, estando em tratamento psiquiátrico permanente desde 2011, sem perspectiva de irreversibilidade do quadro de saúde incapacitante. Assim, pretende a concessão de aposentadoria por invalidez ou, subsidiariamente, a prorrogação do auxílio-doença.
O requisito da qualidade de segurado da apelante verifica-se preenchido, conforme se extrai do relatório do CNIS, sendo ponto incontroverso nos autos.
A fim de se analisar o real quadro de saúde da parte, o Juízo a quo designou perícia médica, realizada em 13/05/2022, ocasião em que o perito-médico apresentou as seguintes conclusões (ID 283764067 - pp. 60/71):
(...)
Exame mental geral
A periciada apresentou-se ao exame em condições psicocomportamentais aparentemente alteradas quanto ao:
Postura/atitudes (inseguro, cabisbaixo);
Comportamento desacelerado, quieto);
Afetividade/humor (depressivo),
Juízo crítico (consciência de si mesmo, seu estado emocional e sua vida) e Conduta (conjunto de comportamentos).
Exame físico geral
A periciada apresentou-se ao exame em bom estado físico geral e contatando-se normalmente.
Inspeção dinâmica:
Marcha: a periciada adentrou-se à sala de exame andando normalmente (marcha simétrica), sem auxílio de bengala/muleta, sem uso de órtese, sem expressão corporal de posição ou postura de reação dolorosa (antálgica) com os ombros aos movimentos espontâneos durante o exame.
Conclusão
A periciada é portadora de Transtorno depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID10 F 33.2) / Fibromialgia (CID10 M 79.0) de difícil controle clínico e necessitando de tratamento.
Em razão do exposto e
Considerando a idade da periciada (59 anos);
Considerando os atestados/laudos, tratamentos, exames subsidiários contidos nos autos;
Considerando a dinâmica da evolução dos eventos clínicos observados no exame pericial;
Considerando a natureza e grau de deficiência ou disfunção produzida pelas doenças;
A periciada apresenta Incapacidade Laborativa Total e Temporária por um período adicional de seis meses para tratamento e posterior reavaliação de sua capacidade laborativa pela própria Autarquia Federal.
Data do início da doença: 14 /01/2014; considerando laudo do médico assistente da periciada à fl. 42 dos autos.
Data do início da incapacidade: idem; e
Considerando que a incapacidade laborativa constatada seja derivada da mesma doença que motivou a concessão de benefício por incapacidade anterior;
Considerando que o laudo pericial não demonstre a recuperação da incapacidade no período que medeia a DCB anterior e o laudo pericial produzido em juízo.
A periciada é capaz para o pleno exercício de suas relações autonômicas, tais como, higienizar-se, vestir-se, alimentar-se, comunicar-se e locomover-se sem a ajuda de outra pessoa.
Nexo de causalidade descartado:
Considerando que não consta dos autos nenhuma prova de que as doenças alegadas tenham sido produzidas ou desencadeadas/agravadas por especiais condições em que o trabalho foi realizado e
Considerando a possibilidade de existirem fatores extras laborais e constitucionais da periciada que possam desencadear ou agravar a doença/lesão constatada no exame.
(...)
Observa-se que o perito-médico analisou as enfermidades em referência por meio de exames clínicos realizados diretamente, bem como pela avaliação da documentação médica, sendo conclusivo quanto à incapacidade laborativa total e temporária.
Portanto, com base nos elementos do laudo pericial, é possível concluir que, embora as patologias que afetam a parte autora resultem impedimento ao desempenho de sua atividade laboral regular, tal incapacidade não tem caráter permanente, sendo passível de tratamento e provável recuperação do estado de saúde.
É sabido que o juiz não está vinculado ao laudo pericial, conforme o artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto de provas para formar sua convicção. No entanto, não foram apresentados nos autos elementos capazes de contradizer o exame realizado pelo perito, razão pela qual deve-se valorizar a conclusão da prova técnica sobre a existência de incapacidade temporária.
Ademais, pela análise dos documentos médicos juntados e do laudo pericial, verifica-se que a autora não apresentou piora no seu quadro de saúde, demonstrando controle e estabilidade clínica, encontrando-se em condições de obter reabilitação.
Oportuno observar, quanto ao ponto, que os laudos médicos particulares apresentados pela recorrente (ID 283764066 - pp. 45/46 e ID 283764067 - pp. 139/140) retratam o mesmo quadro de diagnósticos da perícia judicial realizada, apontando tratamento medicamentoso e sugerindo, inclusive, permanência das funções laborais.
Nesse cenário, de rigor a manutenção da r. sentença, porquanto não foram comprovados os requisitos para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, evidenciando-se adequado ao caso o benefício de auxílio por incapacidade temporária concedido.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 63 DA LEI 8.213/91. NÃO CONFIGURADA. POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. É responsabilidade do magistrado, no exercício de seu poder instrutório, avaliar a suficiência das provas apresentadas para formar seu livre convencimento, conforme os artigos 370 e 371 do CPC.
2. O auxílio por incapacidade temporária está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/1991 e é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, seja por doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência.
3. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei 8.213/1991, depende da comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial.
4. Comprovada, por meio de perícia, a ausência de incapacidade total e permanente do segurado, ou verificada a possibilidade de reabilitação para atividades compatíveis com seu quadro clínico, não se justifica a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (invalidez).
5. De rigor a manutenção da r. sentença, porquanto não foram comprovados os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, evidenciando-se adequado o benefício de auxílio por incapacidade temporária concedido.
6. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
