
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5054325-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARIANA CAROLINA FERREIRA PIRES
Advogado do(a) APELADO: ALINE ORSETTI NOBRE - SP177945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5054325-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARIANA CAROLINA FERREIRA PIRES
Advogado do(a) APELADO: ALINE ORSETTI NOBRE - SP177945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, em ação de concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, determinando a implantação do benefício a partir da data do requerimento administrativo (22/09/2015). Deferida TUTELA com a IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
Em suas razões recursais, o INSS alega a nulidade da sentença por violação à coisa julgada material, sob o argumento de que, em demanda anterior e idêntica à atual, o pedido da autora foi julgado totalmente improcedente, cuja sentença transitara em julgado. Alega, ainda, ausência do requisito de impedimento ou deficiência, visto que a autora, com 28 anos, apresenta apenas uma redução de sua capacidade laborativa, sem impedimento de longo prazo (superior a dois anos) e sendo passível de reabilitação. Por fim, prequestiona a matéria para fins recursais, requerendo a reforma da sentença com a extinção do processo sem análise de mérito e com condenação da parte autora por litigância de má-fé.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (ID 289973525).
Sem apresentação de contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5054325-48.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARIANA CAROLINA FERREIRA PIRES
Advogado do(a) APELADO: ALINE ORSETTI NOBRE - SP177945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
I - DA COISA JULGADA
Discute-se, prefacialmente, a ocorrência de coisa julgada material, para efeito de impedir apreciação do presente pedido de benefício previdenciário, em razão de ação anterior ajuizada no Juizado Especial Previdenciário de São Vicente – SP (003263-11.2016.4.03.6321), cuja sentença transitou em julgado em 16/04/2018. Subsidiariamente, quanto ao mérito, sustenta o INSS que a parte autora não apresenta impedimento de longo prazo, requisito necessário à concessão do benefício assistencial pleiteado.
Depreende-se da análise da ação referida (003263-11.2016.4.03.6321), que a autora fundamenta seu pedido no ato que negou o requerimento administrativo de benefício assistencial formulado 22.09.2015 (ID 95593244, fl. 11, dos autos de origem).
Posteriormente, em 09.12.2019, a parte autora ajuizou a presente demanda previdenciária na 3ª Vara Cível da Comarca de Itanhaém – SP (1006955-47.2019.8.26.0266), postulando o mesmo benefício assistencial, instruido com o mesmo pedido administrativo do INSS, porém com a agravante do novo contexto social (ID 286562407 - fl. 21), tendo em vista que no dia 26.01.2019, a autora sofreu agressão do seu ex-marido, sendo alvejada por 5 tiros e sofre crise de pânico.
Processado o novo feito, sobreveio a r. sentença que julgou parcialmente procedente a ação, para condenar o INSS a implantar, em favor da autora, o benefício assistencial de prestação continuada, bem como realizar o pagamento das prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo do benefício, 22.09.2015, tendo em vista que o Sr. Perito apontou o início da doença em 2008 (ID 286562554).
Conforme dispõe o art. 337, §§ 1º, 2º e 4º, do CPC, a oponibilidade da coisa julgada é possível na hipótese em que se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado, com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, sendo imprescindível, portanto, que haja essa tríplice identidade entre as demandas.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. COISA JULGADA.
I - Para a ocorrência de litispendência ou coisa julgada faz-se indispensável a tríplice identidade entre os elementos da ação. Assim, necessários que sejam idênticos, nas duas ações, o pedido, a causa de pedir e as partes. II – Conforme se depreende da análise dos presentes autos, quando do ajuizamento da pretensão veiculada neste processo, cuja ação foi ajuizada em setembro/2017, havia processo em curso (iniciado em junho/2016), com sentença de improcedência em 27.03.2018, e trânsito em julgado em 27.05.2018. (...) VII - Apelação do INSS e remessa oficial tida por interposta providas para reconhecer a coisa julgada, e declarar extinto o feito, sem resolução do mérito, restando prejudicada a análise da apelação da parte autora.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5153010-95.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SYLVIA MARLENE DE CASTRO FIGUEIREDO, julgado em 13/07/2022, Intimação via sistema DATA: 16/07/2022)
PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA. PRELIMINAR REJEITADA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIENTE. NÚCLEO FAMILIAR. DESCONSIDERAÇÃO DE IRMÃ, CUNHADO E SOBRINHO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA CARACTERIZADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS FIXADOS DE OFÍCIO.
1. Em se tratando de ação para concessão de benefício assistencial, existe a possibilidade de alteração da realidade fática pelo decurso do tempo, como o agravamento da condição médica/surgimento de outras moléstias incapacitantes, ou a modificação da situação socioeconômica do núcleo familiar, o que permite ao demandante requerer novamente o benefício, não havendo que se falar em coisa julgada material.
2. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
3. Ausência de apelação quanto ao requisito da deficiência.
4. Não obstante o rol estipulado no artigo 20, §1º, da Lei nº 8.742/93 não seja taxativo, a irmã, o cunhado e o sobrinho da parte autora, mesmo que estejam na mesma residência, compõem núcleo familiar distinto, não podendo ser considerados na análise da presente situação.
5. O Estudo Social produzido enseja o reconhecimento da presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993.
6. Requisitos preenchidos.
7. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
8. Preliminar rejeitada. No mérito, apelação do INSS desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001731-91.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 09/05/2023, Intimação via sistema DATA: 10/05/2023)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. COISAJULGADA CONFIGURADA.
1. Consoante disposto no art. 485, V, do Código de Processo Civil, caracterizada a perempção, litispendência ou coisa julgada, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito, independentemente de arguição da parte interessada, uma vez que a matéria em questão pode e deve ser conhecida de ofício pelo Juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição (§ 3º).
2. Verificada a ocorrência de coisa julgada, face à tríplice identidade entre os elementos da ação, vez que idênticos, nas duas ações, o pedido, a causa de pedir e as partes. 3. Apelação da parte autora improvida. Extinto o presente feito, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, V do CPC/2015.
(TRF3 - ApCiv 5008342-38.2018.4.03.6183. RELATOR: Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Intimação via sistema DATA: 09/10/2020)
Sob essa perspectiva, no âmbito da ação anterior (0003263-11.2016.4.03.6321 – ID 95594041), pleiteou-se o reconhecimento do direito ao benefício de prestação continuada, que foi julgado improcedente. A decisão baseou-se no entendimento de que a febre reumática, ocorrida na infância da autora e que resultou em lesão valvar, não se enquadraria como deficiência que comprometeria a função física de forma relevante ou que configurasse um impedimento de longo prazo.
Na presente ação (1006955-47.2019.8.26.0266), em que foi proferida a r. sentença, a fundamentação não envolve apenas a questão de saúde pretérita já analisada, mas também o quadro social da autora que foi agravado, tendo em vista que, em 26.01.2019, ela foi alvejada por 5 tiros, encontrando-se em recuperação das lesões e sofrendo, em tese, de crise de pânico, conforme relatado pelo perito-médico.
Assim, não há que se considerar coisa julgada de questão sobre a qual não houve deliberação judicial anterior.
Nesse contexto, embora o pedido administrativo perante o INSS (0003263-11.2016.4.03.6321 - ID 95594044) tenha servido de fundamento tanto na ação anterior quanto na atual, a análise realizada no processo anterior não contemplou o novo contexto social enfrentado pela autora, que se diferencia do que foi examinado àquela época. Assim, não há razão para que se opere a coisa julgada sobre a nova situação social da autora, somada com seu quadro de saúde atual.
II - DO EFEITO SUSPENSIVO
O pedido de efeito suspensivo à apelação, pugnado pelo INSS em seu recurso, tem fundamento no artigo 1.012 do CPC:
Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.
§1º- Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:
V – confirma, concede ou revoga tutela provisória;
§3º- O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do §1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:
I-O Tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la.
II- relator, se já distribuída a apelação.
§4º- Nas hipóteses do §1º, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
Considerando o teor da r. sentença e as razões trazidas no recurso de apelação, deixo de conceder o efeito suspensivo pleiteado por não verificar presentes os requisitos necessários e, considerando que a insurgência confunde-se com o mérito, passo a sua análise no decorrer da decisão.
III - NO MÉRITO
Superadas as questões preliminares, necessário passarmos à análise dos requisitos legais para a concessão do benefício assistencial à pessoa deficiente.
A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família.
Dos beneficiários
O benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais”, conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017).
Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019).
Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Da situação de hipossuficiência econômica
O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS:
Art. 20 (...) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011)
Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998).
A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei.
4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal.
II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'.
IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'.
(REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93”, (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015).
Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC:
Art. 20 (...)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar.
Da condição de miserabilidade
A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial.
Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso.
O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014).
A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos:
Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013)
O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF:“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição”.
A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor:
Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis:
Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal.
Dos elementos probatórios
O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS.
Da data do início do benefício (DIB)
A respeito da data de início do benefício (DIB), é cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a implantação do benefício tem como termo inicial a data do requerimento administrativo. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ.
1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que entendeu devida a concessão do benefício assistencial ao deficiente, considerando como termo inicial o requerimento administrativo.
2. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial.
3. A propósito: "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.611.325/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/03/2017; AgInt no REsp 1.601.268/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/6/2016; AgInt no REsp 1.790.912/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/10/2019. REsp 1.731.956/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/5/2018.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1851145/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 13/05/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
I - O presente feito decorre de ação de concessão de benefício de prestação continuada objetivando a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Na sentença, julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a sentença foi reformada.
II - Esta Corte consolidou o entendimento de que havendo requerimento administrativo, como no caso, este é o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício assistencial. Nesse sentido: REsp n. 1610554/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/4/2017, DJe 2/5/2017; REsp n. 1615494/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2016, DJe 6/10/2016 e Pet n. 9.582/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 16/9/2015.
III - Correta, portanto, a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal.
IV - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1662313/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019)
Entretanto, observa-se que cada caso deve ser analisado conforme sua particularidade, atentando-se para a necessidade de ajuste quanto à fixação da data de início do benefício (DIB). Na ausência de um pedido administrativo, seja ele novo ou um primeiro pedido, deve-se considerar a data de citação da autarquia como referência para a concessão do benefício. Vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
4. O Estudo Social produzido enseja o reconhecimento da presunção de hipossuficiência, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
5. Quanto ao termo inicial do benefício, não obstante tenha realizado requerimento administrativo em 23.08.2005, observa-se dos autos que a parte autora ajuizou uma demanda anteriormente (em 2006), também pleiteando LOAS, na qual não foi reconhecida sua incapacidade.
6. Embora a perícia judicial realizada nestes autos tenha indicado o início da incapacidade em 14.09.2005, vê-se que tal decisão se deu com base em laudo apresentado pela parte autora, não podendo se sobrepor à perícia médica realizada judicialmente quando do ajuizamento da primeira ação, tanto pelo longo período transcorrido - já que o primeiro perito fez a avaliação em data mais próxima ao requerimento administrativo, possuindo melhores elementos de análise -, como em respeito à coisa julgada.
7. Ademais, pelo longo transcurso de tempo, não restou comprovado que, à época, estavam preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício, em especial a miserabilidade, haja vista a possibilidade de mudança das condições e do próprio núcleo familiar.
8. Portanto, a data de início do benefício deve ser fixada na data da citação, momento em que o INSS tomou ciência da atual pretensão.
9. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
10. Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação do INSS desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000442-36.2018.4.03.6140, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 06/08/2019, Intimação via sistema DATA: 14/08/2019)
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGOS 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 20 DA LEI N.º 8.742/93. PESSOA IDOSA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INCIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS DE MORA.
1. Considerado o valor do benefício, o termo estabelecido para o seu início e o lapso temporal que se registra de referido termo até a data da sentença, não se legitima o reexame necessário, uma vez que o valor da condenação não excede o limite de 60 (sessenta) salários mínimos, estabelecido pelo § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei nº 10.352/2001.
2. O prévio requerimento administrativo não é condição para a propositura de ação previdenciária, especialmente em se tratando de pretensão que não tem encontrado acolhida na esfera administrativa. Prevalência do princípio do amplo acesso ao Poder judiciário, estabelecido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
3. Sendo o INSS responsável pela operacionalização dos benefícios de prestação continuada, é parte legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda, já tendo, inclusive, sido superada a divergência jurisprudencial a respeito do tema no julgamento, pela Terceira Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça, dos embargos de divergência no Recurso Especial nº 204.998/SP.
4. Preenchido o requisito idade, bem como comprovada a ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº 8.742/93.
5. A Lei nº 10.741/2003, além de reduzir o requisito idade para a concessão do benefício assistencial, dispôs no parágrafo único do artigo 34 que "O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas". A lei outra coisa não fez senão deixar claro, em outras palavras, que o benefício mensal de um salário mínimo, recebido por qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não afasta a condição de miserabilidade do núcleo familiar, em cuja situação se justifica a concessão de amparo social a outro membro da família que cumpra o requisito idade. Seria de indiscutível contra-senso se entender que o benefício mensal de um salário mínimo, na forma da LOAS, recebido por um membro da família, não impede a concessão de igual benefício a outro membro, ao passo que a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, nas mesmas condições, seria obstáculo à concessão de benefício assistencial. Se é de miserabilidade a situação da família com renda de um salário mínimo, consistente em benefício disciplinado pela LOAS, também o é pelo Regime Geral da Previdência Social quando o benefício recebido por um membro da família se restringir ao mínimo legal, pois a aferição da hipossuficiência é eminentemente de cunho econômico. Vai-se mais longe ainda. A renda familiar de um salário mínimo, percebida por um membro da família, independentemente da origem da receita, não poderá ser impedimento para que outro membro, cumprindo os demais requisitos exigidos pela Lei nº 8.742/93, aufira o benefício assistencial, pois a condição econômica para a sobrevivência é exatamente igual àquela situação de que trata o parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003. Sob este prisma, ainda que tratando especificamente do idoso, a regra não pode deixar de ser aplicada no caso do "incapaz para a vida independente e para o trabalho", porquanto economicamente não se pode dizer que se defronta com situações distintas. Na hipótese, o fato de o marido da requerente receber benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não obsta a concessão do "amparo social" à Autora, como visto.
6. À míngua de comprovação de protocolização de requerimento administrativo de prestação continuada, o benefício deverá ser computado a partir da data da citação do INSS, pois desde então o Instituto foi constituído em mora, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil.
7. Honorários advocatícios mantidos em 15% (quinze por cento), incidindo, entretanto, sobre o valor das prestações devidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença, em consonância com a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
8. Os juros moratórios incidirão à base de 6% (seis por cento) ao ano, de forma decrescente, desde a data da citação até 10/01/2003 (art. 1062 do Código Civil de 1916), e à razão de 1% ao mês, a partir de 11/01/2003, nos termos do artigo 406 do novo Código Civil, combinado com o artigo 161, parágrafo 1.º, do Código Tributário Nacional. Os juros de mora têm incidência até a data da expedição do precatório, desde que este seja pago no prazo estabelecido pelo artigo 100 da Constituição Federal (STF; RE nº 298.616/SP).
9. Reexame necessário não conhecido. Agravo retido do INSS improvido. Apelação do INSS parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 920549 - 0008033-91.2004.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JEDIAEL GALVÃO, julgado em 19/10/2004, DJU DATA:08/11/2004 PÁGINA: 676)
IV - DO CASO CONCRETO
Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.
Em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.
A perícia médico-judicial (ID 286562430), realizada em 27/05/2022, atesta que;
CONCLUSÃO DO EXAME FÍSICO PERICIAL:
Requerente é portadora de cardiopatia valvar - Insuficiências aórtica e tricúspide de grau leve, pós substituição de válvulas em 2015.
Apresenta no MSE braço – sequela de fratura exposta, em grau residual, com limitação parcial da mobilidade.
Plausível que sofra de síndrome do pânico - não documentada. (negritamos)
Na anamnese dirigida, o perito também assim relatou: "Sofre do coração, por sequela de febre reumática, já operou para trocar as válvulas do coração: Cansa muito facilmente, piorou depois que foi baleada." (negritamos)
É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto probatório para formar sua convicção.
Em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto o que se propõe nos presente autos.
Cumpre consignar, s.m.j., que a perícia médica elaborou laudo com ênfase na capacidade laborativa da parte autora, destacando no seu parecer apenas a sua condição física laborativa (vide a apresentação do LAUDO: "MOTIVO DA PERÍCIA: Realização de prova técnica, mediante perícia, para avaliação da capacidade laborativa do requerente") , sem, contudo, se aprofundar na questão "síndrome do pânico" para fins de concessão de benefício assistencial no presente caso, inclusive, não considerando, as circunstâncias que envolvem toda a situação vivenciada pela parte autora.
Consta dos autos, inclusive, que a situação de saúde e social da parte autora foi agravada pelo fato de que, em 26.01.2019, sofreu agressão de seu ex-marido, sendo alvejada por 5 tiros, a partir do que, em tese, também teria desenvolvido síndrome do pânico. Conclui a Assistente Social:
(...) Diante da situação vivenciada pelo fato de a requerente não possuir renda, e sobreviver com auxílio de familiares e de programas sociais de transferência de renda, considero essencial à concessão do Benefício para a melhoria da qualidade de vida deste núcleo familiar. Pois diante da situação de saúde da requerente a mesma está em situação desfavorável para ser incluída no mercado de trabalho.(...) - negritamos
A avaliação atinente ao impedimento de longo prazo da pessoa com deficiência deve ser feita considerando mais do que as condições médico-biológicas do requerente.
Adicionando ao significado de pessoa com deficiência já previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009), a nova redação dada ao artigo 20, §2º da LOAS pela Lei 12.470/2011 passou a associar o conceito de incapacidade a "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", do que se infere que a análise dos requisitos ao benefício deve alcançar fatores sociais, ambientais e familiares cuja influência seja tão negativa no desempenho da pessoa a ponto de impedir sua inserção na sociedade em igualdade de condições com os demais:
Para os propósitos da presente Convenção:
(...)
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; (...)
Nesse prisma deve-se levar em consideração a realidade do histórico de vida da parte autora, seu contexto social e familiar, estabelecendo-se como premissa um conceito ampliado de impedimento de longo prazo, que traduza a situação capaz de comprometer a funcionalidade do indivíduo na tentativa de prover o próprio sustento, quando não há também a possibilidade de tê-lo provido pelos seus familiares.
Ora, cumpre aqui ressaltar que a nova legislação não tratou individualmente os requisitos da incapacidade e socioeconômico, mas tomando-os como aspectos integrantes e correlacionados de um mesmo pressuposto para a concessão do benefício de prestação continuada.
Diante disso, no que diz respeito ao conceito de síndrome de pânico ou transtorno do pânico analisado de acordo com estudos a respeito constata-se que " é uma doença que acomete a saúde mental, causando crises de ansiedade ou pânico que se manifestam por meio de sintomas bastante severos, capazes de afetar o cotidiano. A síndrome atinge mais as mulheres do que os homens devido à sensibilização das estruturas cerebrais provenientes da flutuação hormonal, visto que a incidência de pânico aumenta no período fértil da vida. " https://www.rededorsaoluiz.com.br/doencas/sindrome-do-panico
Nesse mesmo sentido, no que diz respeito ao transtorno de síndrome do pânico convém aqui transcrever estudos a respeito:
DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL
A deficiência psicossocial Conforme a Emenda Constitucional 2008, promulgado – Decreto no6949/2009. Conceitua-se DP que apresenta uma combinação de níveis de tipos de sequelas de algum tipo de transtorno mental.
A inserção do tema “deficiência psicossocial” representa uma histórica vitória da luta de pessoas com deficiência psicossocial, familiares, amigos, usuários e trabalhadores da saúde mental, provedores de serviços de reabilitação física ou profissional, pesquisadores, ativistas do movimento de vida independente e demais pessoas em várias partes do mundo.
Convém salientar que o termo “pessoa com deficiência psicossocial” não é o mesmo que “pessoa com transtorno mental”. Trata-se, isto sim, de “pessoa com sequela de transtorno mental”, uma pessoa cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou. Os transtornos mentais mais comuns são: mania,
Convém salientar que o termo “pessoa com deficiência psicossocial” não é o mesmo que “pessoa com transtorno mental”. Trata-se, isto sim, de “pessoa com sequela de transtorno mental”, uma pessoa cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou. Os transtornos mentais mais comuns são: mania, esquizofrenia, depressão, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo e paranoia.
Segue, também, artigo publicado no portal da Secretaria da Saúde de Santa Catarina – “Protocolo da Rede de Atenção Psicossocial, baseado em evidências, para o acolhimento e o tratamento do transtorno de pânico. Sistema Único de Saúde Estado de Santa Catarina, 2015.” (https://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/atencao-basica/saude-mental/protocolos-da-raps/9192-transtorno-de-panico/file)
Uma crise de pânico não é uma ansiedade comum: é uma manifestação paroxística, muitíssimo breve, que jamais chega a durar 10 minutos. Ela é, porém, muito intensa. Tão intensa que a maioria dos pacientes, no momento da crise, acha que está morrendo ou enfartando. Por isso muitos casos são vistos nos prontos-socorros de hospitais e em clínicas de cardiologia. Muitas vezes a pessoa apressa-se para chegar ao pronto-socorro e, assim que chega, a crise já terminou. Ao ser atendido relata ter medo de voltar a sentir a mesma sensação.
(...)
Em geral os ataques acontecem num momento em que a pessoa não os espera e não está se sentido mal. Não ocorrem, como regra, imediatamente na sequência de um incômodo, de uma preocupação intensa, ou de uma desavença com outras pessoas.
Uma das maiores características na descrição de um paciente com transtorno de pânico é a natureza física dos sintomas. Enquanto no transtorno de ansiedade generalizada a preocupação e a tensão são predominantes, no pânico o paciente inicia descrevendo a doença com referência ao coração, pulmão e trato gastrintestinal. Os ataques de pânico estão entre os diagnósticos mais frequentes que levam um paciente a procurar atendimento de emergência; a maior parte dos pacientes com transtorno de pânico acredita veementemente que têm um problema físico e não um problema psiquiátrico ou psicológico. É muito comum o paciente fazer uma “peregrinação”, consultando-se com diversos especialistas e fazendo inúmeros exames, quase sempre desnecessários. O tratamento precoce é essencial para reduzir as consequências físicas e sociais. O manejo adequado dos primeiros ataques de pânico pode prevenir o desenvolvimento ou o agravamento de um transtorno. A falta de tratamento geralmente leva à cronificação. (...) - negritamos
Por outro lado, o Parecer Ministerial de primeira instância, ainda que contraditório em sua tese, assim afirma:
(...) Veja-se que, de acordo com § 6º do artigo 20 da Lei8.742/1993, “a concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS”.
Segundo consta nos autos, a requerente foi submetida à perícia médica pelo INSS, sendo constatada a ausência de incapacidade para a vida e para o trabalho, o que ensejou a não concessão do benefício.
Apesar disso, a requerente apresentou diversos documentos, consistente em laudo e relatório médico. De acordo com os referidos documentos, ela possui insuficiência mitral, tricúspede e aórtica de grau importante, hipertensão pulmonar moderada, devendo se abster de esforço físico.
Por sua vez, o laudo pericial acostado a fls. 87/10 apresentou as seguintes conclusões: “há redução parcial da capacidade laboral, porém pode ser reabilitado para um ofício/profissão com menor nível de complexidade das atividades habitualmente realizadas pelo requerente”.
A despeito disso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, ainda que parcial, é possível a concessão de do benefício quando a incapacidade for permanente e obstruir a participação plena e efetiva na sociedade:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL.BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA DEFICIENTE. A LOAS, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL, NÃO FAZIA DISTINÇÃO QUANTO À NATUREZA DA INCAPACIDADE, SE PERMANENTE OUTEMPORÁRIA, TOTAL OU PARCIAL. ASSIM NÃO É 3ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITANHAÉM POSSÍVEL AO INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. ACÓRDÃO QUE MERECE REPAROS. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO PARA RESTABELECER O BENEFÍCIO CONCEDIDO NA SENTENÇA.
1. A Constituição Federal/1988 prevê em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/1993, em seu art. 20, § 2º., em sua redação original dispunha que a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
3. Em sua redação atual, dada pela Lei 13.146/2015, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
4. Verifica-se que em nenhuma de suas edições a lei previa a necessidade de capacidade absoluta, como fixou o acórdão recorrido, que negou a concessão do benefício ao fundamento de que o autor deveria apresentar incapacidade total, de sorte que não permita ao requerente do benefício o desempenho de qualquer atividade da vida diária e para o exercício de atividade laborativa.
5. Não cabe ao intérprete a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos na legislação para a concessão do benefício. 6. Recurso Especial do Segurado provido para restaurar a sentença que reconheceu que a patologia diagnosticada incapacita o autor para a vida independente e para o trabalho”. (REsp 1404019/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 03/08/2017). Outrossim, a Turma Nacional de Uniformização pacificou o entendimento no enunciado da seguinte súmula: Súmula 48. Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
Por sua vez, quando reconhecida a incapacidade parcial, para fins de concessão da aposentadoria por invalidez, a Turma Nacional de Uniformização asseverou que “o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado”.
Assim, em analogia à sumula n.º 47, passo a analisar as condições pessoais e sociais da requerente.
Anota-se que, realizado estudo social, sobreveio parecer, concluindo pelo preenchimento do requisito da hipossuficiência, eis que vive em situação extrema vulnerabilidade social, emocional e financeira, nos seguintes termos: “diante da situação vivenciada pelo fato de a requerente não possuir renda e sobreviver com auxílio de familiares e de programas sociais de transferência de renda, considero essencial à concessão do Benefício para a melhoria da qualidade de vida deste núcleo familiar.”.
Portanto, considerando que, em decorrência da deficiência parcial, a requerente é capaz de encontrar recolocação no mercado de trabalho, consoante exarado pelo parecer médico, entendo que a concessão do benefício de prestação continuada deve ser limitada no tempo, até que a requerente obtenha êxito em encontrar um emprego que lhe permita desenvolver suas capacidades (...) - negritamos
Há, nesse mesmo sentido, Precedente do STJ (REsp n. 360.202/AL, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 4/6/2002, DJ de 1/7/2002, p. 377.) - segue trecho do julgado:
Vê-se que a Constituição Federal assegurou ao idoso, com 70 anos ou mais, e ao portador de deficiência, o direito à percepção do benefício de prestação continuada, desde que comprovada a incapacidade de suprir ou ver suprida a própria subsistência, na forma como a lei determinar.
A Lei n.° 8.742/93, ao regulamentar o dispositivo constitucional, repetiu, no caput do art. 20, o teor do inciso V do artigo 203 da CF/88, acrescentando, entretanto, o § 2 o , que traz a definição do portador de deficiência.
Tal conceituação, todavia, não pode servir de obstáculo à concessão do benefício previdenciário, exigindo que o deficiente comprove ser incapacitado tanto para o trabalho quanto para a vida independente, como quer o recorrente, pois é bastante que comprove aqueles requisitos previstos no caput do art. 20 da Lei 8.742/93 e no inciso V do art. 203, da CF/88.
No presente caso, o Autor foi considerado, por laudo médico-pericial (fl. 19), incapaz para atividade laboral, mas apto para a vida independente, razão por que o INSS pretende que seja negado o benefício de prestação continuada.
Ocorre que o referido laudo foi elaborado em formulário padronizado do INSS, que induz o médico-perito a concluir no sentido da capacidade do indivíduo para a vida independente porque, para caracterização dessa capacidade, se limita a verificar a aptidão do Autor de executar, por conta própria, tarefas diárias simples, tais como, se alimentar, fazer sua higiene e se vestir.
Ora, se para a concessão do benefício em tela, é necessária a comprovação da incapacidade para a vida independente, os critérios para a definição e caracterização dessa incapacidade não podem ser aqueles no laudo médico-pericial de fl. 19, pois, neste caso, o benefício só poderia ser deferido aos portadores de uma deficiência de grau debilitante tal que suprimisse total ou parcialmente a capacidade de locomoção do indivíduo e, não me parece que seja esse o intuito do legislador. (negritamos)
Segue também, Precedente da Corte (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5156881-70.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 01/07/2020, Intimação via sistema DATA: 03/07/2020):
V O T O
(...)
DO CASO DOS AUTOS
A ausência de condições da parte autora de prover o seu sustento ou tê-lo provido pela família restou demonstrada.
(...)
O laudo da perícia médica (id 123827542), de 01/10/2018, concluiu que a parte autora, portadora de “CID F 41.0 - transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica) e CID F 41.1- ansiedade generalizada”, padece de “deficiência moderada 25 a 49%”, impedimento de longa duração (sob cuidados psiquiátricos desde 2009), aduzindo a existência de incapacidade laboral.
Destarte, padecendo a parte autora de deficiência e de incapacidade laborativa, desde 2009, entendo preenchido o requisito legal da deficiência, nos termos da Lei assistencial (§ 2°: "...considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas").
A vista da informação prestada pelo senhor perito no sentido de haver possibilidade de recuperação da parte autora (“o tratamento mais eficaz para a síndrome do pânico consiste na combinação de medicamentos com psicoterapia... Esse tratamento costuma trazer bons resultados e pode fazer cessar completamente os sintomas ou torná-los mais leves e controlados. A cura total ou não da síndrome do pânico depende de cada paciente”), bem como diante da possibilidade de alteração da situação financeira, reforço que o benefício assistencial deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214/07.
Assim sendo, do conjunto probatório dos autos, entendo preenchidos os requisitos legais da deficiência e da miserabilidade, sendo de rigor o acolhimento do pedido inicial, nos termos da r. sentença.(...)
Por outro lado, o estudo social (ID 286562407), elaborado em 31/01/2020, aponta que o núcleo familiar era composto pela parte autora (Ariana Carolina, nascida em 09/04/1995) e por dois filhos menores (Amanda, nascida em 06/11/2011, e Enzo, nascido em 02/07/2015). Na época da visita domiciliar (dezembro de 2019), foi informado que a renda mensal totalizava R$ 371,00, sendo R$ 150,00 oriundos do programa Bolsa Família e R$ 150,00 de pensão alimentícia recebida pela filha.
Quanto ao ponto, a Assistente Social assim expôs:
(...)
A casa em que residem é alugada, pouco conservada, em alvenaria, sem acabamentos internos e externos, piso cerâmico, com móveis e eletrodomésticos pouco conservados. A família sobrevive com auxílio do Programa Bolsa Família R$ 221,00 e a Pensão Alimentícia de Amanda R$ 150,00. As despesas são: R$ 300,00 Aluguel; não paga água e luz; R$ 70,00 de Alimentação, recebe eventualmente ajuda com alimentos da avó do filho Enzo, pois o pai não paga pensão.
Ariana declarou que a família sobrevive com muitas dificuldades, e em grande tensão pois tem medida protetiva, mas tem muito receio por tudo que ele já fez, declarou que a ajuda que a avó do filho dá é escondida pois o filho proibiu dos familiares a ajudarem. As condições de vida da família são de extrema vulnerabilidade social emocional e financeira.
(...) (negritamos)
A propósito, a percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Nesse contexto, considerando o quadro atual geral de saúde e de condição social da parte autora, há que reconhecer preenchidos os requisitos legais à concessão do benefício assistencial de prestação continuada, de modo que a r. sentença deve ser mantida.
Ressalte-se que cabe ao INSS proceder à revisão bianual das condições que ensejaram a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, nos termos do artigo 21 da LOAS, devendo cessar o pagamento do amparo no momento em que constatada a superação de tais condições, ou em caso de morte do beneficiário.
Quanto ao termo inicial do benefício (DIB), apesar de a parte autora ter apresentado requerimento administrativo de BPC em 22/09/2015, é fato que, anteriormente à presente demanda, ajuizara ação fundamentando-a com o mesmo requerimento administrativo, tendo está sido julgada improcedente por não se reconhecer configurada a deficiência, cuja sentença assim transitou em julgado.
Por conseguinte, em respeito à coisa julgada que se constituiu sobre aquele requerimento administrativo, o termo de início do benefício ora em análise deve a data de citação da presente demanda, momento em que o INSS tomou ciência da atual pretensão.
Consectários legais e honorários advocatícios
A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que se reporta à aplicação da EC 113/2021.
Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.
A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista 11.608/2003.
A isenção, porém, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovadas nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei 9.289/1996. Contudo, a parte vencida deverá arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do art. 85, §§ 3º a 5º, do CPC; e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111/STJ).
Dispositivo
Ante o exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS tão somente para determinar o termo inicial do benefício (DIB) na data de citação da presente demanda, nos termos da fundamentação, fixando, de ofício, os consectários legais e honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
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PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. COISA JULGADA. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. CONTEXTO SOCIAL AGRAVADO. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não há que se considerar coisa julgada de questão sobre a qual não houve deliberação judicial anterior. Embora o pedido administrativo perante o INSS (0003263-11.2016.4.03.6321 - ID 95594044) tenha servido de fundamento tanto na ação anterior quanto na atual, a análise realizada no processo anterior não contemplou o novo contexto social enfrentado pela autora, que se diferencia do que foi examinado àquela época. Assim, não há razão para que se opere a coisa julgada sobre a nova situação social da autora, somada com seu quadro de saúde atual.
2. O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (art. 20, caput, da Lei 8.742/1993).
3. O conjunto probatório dos autos evidencia preenchidos todos os requisitos legais para concessão do benefício assistencial.
4. O exame conjunto da perícia médica e do estudo social realizados evidencia que o estado clínico da parte autora, analisado sob a ótica do seu contexto social agravado, implica impedimento de longo prazo, pois claramente dificulta sua participação efetiva na sociedade em condições de igualdade com as demais pessoas.
5. Apesar de a parte autora ter apresentado requerimento administrativo de BPC em 22/09/2015, é fato que, anteriormente à presente demanda, ajuizara ação fundamentando-a com o mesmo requerimento administrativo, tendo esta sido julgada improcedente por não se reconhecer configurada a deficiência, cuja sentença assim transitou em julgado.
6. Em respeito à coisa julgada que se constituiu sobre aquele requerimento administrativo, o termo de início do benefício em análise deve a data de citação da presente demanda, momento em que o INSS tomou ciência da atual pretensão.
7. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS parcialmente provida. Fixados de ofício consectários legais e honorários advocatícios.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
