
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001457-52.2023.4.03.6144
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: VILSON ZEFERINO
Advogado do(a) APELANTE: SARA ROCHA DA SILVA - SP321235-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001457-52.2023.4.03.6144
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: VILSON ZEFERINO
Advogado do(a) APELANTE: SARA ROCHA DA SILVA - SP321235-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial de restabelecimento de auxílio doença ou de concessão de aposentadoria por invalidez, em razão de não estar provada a incapacidade laborativa do segurado.
Aponta o recorrente a existência de erro na avaliação da incapacidade laboral.
Afirma que as patologias que o afligem são debilitantes sobretudo se considerar a sua profissão de segurança.
Aduz que em razão da idade e do seu grau de escolaridade tem dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
Assim, requer a reforma da sentença para que seja concedido o benefício pleiteado ou restabelecido o auxílio-doença, ou, subsidiariamente, pleiteia o retorno dos autos para que o Sr. perito responda aos quesitos complementares, sob pena de cerceamento de defesa.
Sem contrarrazões do INSS, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001457-52.2023.4.03.6144
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: VILSON ZEFERINO
Advogado do(a) APELANTE: SARA ROCHA DA SILVA - SP321235-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Recebo o recurso de apelação, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
Preliminarmente, descabido o pedido de complementação do laudo pericial, não havendo falar em cerceamento de defesa.
Com efeito, é sabido que a prova tem como destinatário o magistrado, a quem cabe avaliar quanto à sua suficiência, necessidade e relevância, de modo que não constitui cerceamento de defesa o indeferimento de prova considerada inútil ou protelatória.
A respeito, prescreve o artigo 370 do Código de Processo Civil que ao juiz é dado decidir acerca das provas que julga necessárias ao deslinde de mérito do processo, verbis:
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
No caso, o laudo elaborado nos presentes autos está suficientemente fundamentado, não havendo necessidade de complementação.
Passo ao exame do mérito.
De início, necessário abordar o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a premissa básica para concessão encontra-se no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também dá direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
No caso vertente, o apelante, segurança, nascido em 04/10/1969, com escolaridade até a 8ª série do ensino fundamental, alega possuir diversos problemas na coluna desde 1998, evoluindo com limitação funcional e dificuldade para exercer a profissão habitual, acarretando incapacidade total e permanente. Assim, pretende a concessão de aposentadoria por invalidez ou, alternativamente, o reestabelecimento do auxílio-doença.
A fim de se analisar o real quadro de saúde da parte, o Juízo a quo designou realização de perícia médica, ocasião em que o perito-médico apresentou, em especial, as seguintes conclusões (ID 302736809):
Trata-se de periciando de 54 anos com quadro de lombociatalgia crônica.
Apresenta quadro de dor em coluna lombar desde 1998, sem evidencia atual de radiculopatias associadas, alterações de reflexos neurológicos ou déficit de força em membros inferiores denotando ausência de comprometimento neurológico motor.
Apresenta marcha normal e deambulação sem claudicação.
Inclusive, levantou da cadeira e subiu/desceu da maca de exames e sem dificuldades.
Inclusive, realizou flexão completa da coluna lombar em posição ortostática ao manusear sua calça.
Em relação as alterações apresentadas em exame de imagem de coluna lombo-sacra de 21/05/2022 analisados conjuntamente com o exame clinico, entende-se tratar de alterações degenerativas compatíveis com a sua faixa etária sem repercussão morfológica- funcional.
Considerando a atividade de segurança, entende-se que não há incapacidade laboral para a função específica, nem apresenta condição de saúde que impeça a execução de trabalho para seu sustento.
Observa-se que o perito-médico analisou as enfermidades alegadas por meio de exames clínicos realizados diretamente, bem como pela avaliação da documentação médica, sendo conclusivo quanto à ausência de incapacidade laborativa.
Portanto, com base nas observações do laudo pericial, é possível concluir que, embora as patologias que afetam a parte autora tenham sido identificadas, elas não resultam em incapacidade laborativa.
É sabido que o juiz não está vinculado ao laudo pericial, conforme o artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto de provas para formar sua convicção. No entanto, não foram apresentados nos autos elementos capazes de contradizer o exame realizado pelo perito, razão pela qual deve-se valorizar a conclusão da prova técnica sobre a existência da incapacidade.
Ademais, pela análise dos documentos médicos juntados e do laudo pericial, verifica-se que o autor não apresentou piora no seu quadro de saúde, demonstrando controle e estabilidade clínica, encontrando-se em condições de retornar às atividades normais.
Nesse cenário, de rigor a manutenção da r. sentença, porquanto não foram comprovados os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, tampouco ao restabelecimento do benefício de incapacidade temporária.
Ante o exposto, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 63 DA LEI 8.213/91. CERCEAMENTO DE DEFESA. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS LEGAIS AUSENTES. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. É responsabilidade do magistrado, no exercício de seu poder instrutório, avaliar a suficiência das provas apresentadas para formar seu livre convencimento, conforme artigo 370 do CPC.
2. O auxílio por incapacidade temporária está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/1991 e é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, seja por doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência.
3. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei 8.213/1991, depende da comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial. No entanto, a jurisprudência consolidou o entendimento de que também confere direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, impossibilitando o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilizando sua readaptação. Esse entendimento reforça o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
4. O principal requisito para a concessão do benefício por incapacidade não está presente, porquanto não comprovada a incapacidade, seja total e permanente, seja total e temporária, para as atividades anteriormente exercidas.
5. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
