
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005868-22.2022.4.03.6000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EFIGENIA SERGIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA DA CONCEICAO MONTELLO - MS17322-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005868-22.2022.4.03.6000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EFIGENIA SERGIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA DA CONCEICAO MONTELLO - MS17322-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial de pagamento de benefício previdenciário de auxílio-doença desde a data do requerimento administrativo (22/11/2016) com posterior conversão para aposentadoria por invalidez, em razão da não caracterização da incapacidade laboral da segurada.
Insurge-se contra o laudo pericial realizado nos presentes autos. Afirma, em síntese, que a conclusão pericial destoa das demais provas apresentadas, inclusive de outra perícia realizada nos autos n. 0806509.08.2017.8.12.0001, que tramitou perante a Justiça Comum do Mato Grosso do Sul.
Requer, assim, a reforma da r. sentença para que seja deferida a prova emprestada realizada no processo n. 0806509.08.2017.8.12.0001 e, consequentemente, seja concedido o benefício de incapacidade permanente desde a data do requerimento administrativo.
Sem contrarrazões do INSS, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005868-22.2022.4.03.6000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EFIGENIA SERGIA DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUZIA DA CONCEICAO MONTELLO - MS17322-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Recebo o recurso de apelação, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.
Prefacialmente, necessário abordar o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a premissa básica para concessão encontra-se no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também dá direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
No caso vertente, a apelante, auxiliar de serviços gerais, nascida em 17/04/1966, ensino fundamental incompleto, alega possuir patologias (tendinite nos ombros - Sinovite e tenossinovite, lesão na coluna e na perna) que evoluíram com limitação funcional e dificuldade para exercer a profissão habitual, acarretando incapacidade total e permanente. Assim, pretende a concessão de aposentadoria por invalidez ou, alternativamente, o reestabelecimento do auxílio-doença.
A fim de se analisar o real quadro de saúde da parte, o Juízo a quo designou realização de perícia médica, ocasião em que o perito-médico apresentou, em especial, as seguintes conclusões (ID 299891338):
12- Apontamentos importantes da pericia médica:
a) Breve resumo: pericianda, 57 anos, ensino fundamental incompleto, com história de Lesão cutânea em região de perna esquerda após acidente automobilístico em 2016 (ao exame físico observa-se lesão cicatrizada, sem sinal inflamatório ou infeccioso local, com boa mobilidade articular e força preservada, compatível com idade da periciada), o que demonstra que a lesão não é incapacitante para atividades laborais.
b) Dor lombar: Ainda afirma dor lombar com radiculopatia para membro inferior esquerdo, não apresentou exames de imagem (radiografias ou ressonância magnética) comprovando a degeneração de coluna lombar e ao exame observamos testes negativos de radiculopatia e dor lombar incapacitante.
c) Tendinite de ombro: Não apresentou exames de imagem (ultrassonografia ou ressonância magnética) comprovando a tendinite de ombro e ao exame físico observamos apenas discreto quadro álgico durante o final do movimento de ombro direito. Vale salientar que não demonstra tratamento de forma eficaz (não realizado fisioterapia e tratamento medicamentoso recente). Desta forma concluímos que a tendinite do ombro está em fase final do processo inflamatório. Sendo assim, não ficou comprovado incapacidade para realização das atividades laborais e habituais.
d) Sendo assim, concluo que segundo análise (Anamnese pericial, exame físico, exames complementares, documentação apresentadas e dados profissiográficos) que a examinada segue com capacidade para desempenho de suas atividades laborais e habituais.
13- Conclusão
Do observado e acima exposto, concluímos que o periciando apresenta diagnóstico de lombalgia (CID-10 M54.5) e lesão de ombro (CID-10 M75), cujas características são compatíveis com o discutido no item 12 deste laudo. Ainda assim, segundo análise (Anamnese pericial, exame físico, exames complementares, documentação apresentadas e dados profissiográficos) concluo que a examinada segue com capacidade para desempenho de suas atividades laborais e habituais.
Observa-se que o perito-médico analisou as enfermidades alegadas por meio de exames clínicos realizados diretamente, bem como pela avaliação da documentação médica, sendo conclusivo quanto à ausência de incapacidade laborativa.
A ora apelada alega que consta nos autos prova produzida em outro processo (autos n. 0806509.08.2017.8.12.0001, que tramitou perante a Justiça Comum do Mato Grosso do Sul), e que teria concluído pela incapacidade parcial e permanente.
Da análise do documento mencionado (ID 299891343), verifico, contudo, conclusão diversa.
Isso porque, apesar de o Sr. perito mencionar que haveria incapacidade parcial e permanente para trabalho que exija o membro inferior esquerdo, concluiu que a "limitação é mínima e não a impede de realizar seu cotidiano laborativo (apenas deve evitar exposição solar e contato físico da área de enxerto de pele da perna esquerda."
Portanto, com base nas provas apresentadas e nas observações do laudo pericial, é possível concluir que, embora as patologias que afetam a parte autora tenham sido identificadas, elas não resultam em incapacidade laborativa.
É sabido que o juiz não está vinculado ao laudo pericial, conforme o artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto de provas para formar sua convicção. No entanto, não foram apresentados nos autos elementos capazes de contradizer o exame realizado pelo perito, razão pela qual deve-se valorizar a conclusão da prova técnica sobre a existência da incapacidade.
Ademais, pela análise dos documentos médicos juntados e do laudo pericial, verifica-se que o autor não apresentou piora no seu quadro de saúde, demonstrando controle e estabilidade clínica, encontrando-se em condições de retornar às atividades normais.
Nesse cenário, de rigor a manutenção da r. sentença, porquanto não foram comprovados os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, tampouco ao restabelecimento do benefício de incapacidade temporária.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 63 DA LEI 8.213/91. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS LEGAIS AUSENTES. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O auxílio por incapacidade temporária está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/1991 e é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, seja por doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência.
2. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei 8.213/1991, depende da comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial. No entanto, a jurisprudência consolidou o entendimento de que também confere direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, impossibilitando o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilizando sua readaptação. Esse entendimento reforça o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
3. O principal requisito para a concessão do benefício por incapacidade não está presente, porquanto não comprovada a incapacidade, seja total e permanente, seja total e temporária, para as atividades anteriormente exercidas.
4. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
