
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076918-71.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EMILIO DONISETE NOVATO
Advogado do(a) APELANTE: MARCIO ALBRECHETE - SP341644-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076918-71.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EMILIO DONISETE NOVATO
Advogado do(a) APELANTE: MARCIO ALBRECHETE - SP341644-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial em demanda ajuizada para concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, ou, alternativamente, de reestabelecimento de auxílio-doença.
Em suas razões recursais, a parte autora alega que cumpriu os requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) ou, ao menos, do auxílio-doença, visto que seu quadro de saúde é grave. Afirma que, somando com a sua idade avançada, baixo grau de escolaridade, falta de experiência profissional em atividades laborais que não exijam desempenho de esforço físico, encontra-se incapaz de reabilitar-se no mercado de trabalho.
Sem contrarrazões de recurso, subiram os autos a esta Corte Regional.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076918-71.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: EMILIO DONISETE NOVATO
Advogado do(a) APELANTE: MARCIO ALBRECHETE - SP341644-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Prefacialmente, necessário abordar o tema dos benefícios previdenciários por incapacidade para o trabalho.
A redação original do artigo 201, I, da Constituição Federal estabelecia que os regimes de previdência abrangeriam a cobertura de eventos como invalidez e doença, entre outros. Com a Emenda Constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, o texto constitucional adotou uma nova terminologia para designar os eventos cobertos pela previdência, referindo-se às contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente denominadas invalidez ou doença, conforme a nova redação do artigo 201, I, da CF:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).
Observando o princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deve seguir os requisitos previstos na legislação vigente à época.
A aposentadoria por incapacidade permanente (invalidez) está prevista nos artigos 42 a 47 da Lei 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS), bem como nos artigos 43 a 50 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social – RPS), com suas alterações, sempre em conformidade com as mudanças trazidas pela EC 103/2019. Por oportuno, confira-se o caput do artigo 42 da LBPS
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
O respectivo benefício de aposentadoria é destinado aos segurados da Previdência Social cuja incapacidade para o trabalho seja considerada permanente e sem possibilidade de recuperação da capacidade laboral, ou de reabilitação para o exercício de atividades que assegurem sua subsistência.
Embora a aposentadoria por incapacidade permanente não tenha caráter vitalício, o benefício torna-se definitivo quando, após não ser constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado é dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa situação ocorre quando o segurado: I) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou II) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei 13.457/2017.
Por sua vez, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) está previsto nos artigos 59 a 63 da LBPS e sua regulamentação disposta nos artigos 71 a 80 do RPS, sendo que a premissa básica para concessão se encontra no caput do artigo 59 da LBPS:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando foro caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalhou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
O benefício é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, em razão de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhes garanta a subsistência.
Por sua natureza temporária, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) pode, posteriormente, ser: (I) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), caso se constate incapacidade total e permanente; (II) convertido em auxílio-acidente, se houver comprovação de sequela permanente que reduza a capacidade laboral; ou (III) cessado, em razão da recuperação da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou devido à reabilitação profissional.
Ainda, necessário enfatizar, no caso de auxílo-doença, da necessidade de reabilitação profissional, em que a Constituição Federal, prevê no seu artigo 203, IV, o asseguramento do respectivo direito, o incluindo entre os objetivos da assistência social. Outrossim, a Lei 8.213/1991, aborda a habilitação e reabilitação nos artigos 18, inciso III, letra “c”, 26, inciso V, 62 e 89 a 93.
Essas disposições legais são regulamentadas pelos artigos 77 e 136 a 141 do Decreto 3.048/1999, e suas alterações subsequentes, bem como pelos artigos 415 a 423 da IN INSS 128/2022.
O INSS é responsável por fornecer o serviço de reabilitação profissional aos segurados que estão incapacitados para o trabalho devido a doença ou acidente, com o objetivo de prepará-los para retornar ao mercado de trabalho.
Durante o processo de reabilitação profissional, o segurado que não pode exercer sua atividade original continuará recebendo o benefício de auxílio de incapacidade temporária (auxílio-doença) até que esteja apto para uma nova função ou, em caso de incapacidade total e permanente, receba a aposentadoria por incapacidade permanente.
Além disso, quanto ao efetivo início da reabilitação profissional, a Súmula 177/TNU estabelece:
Constatada a existência de incapacidade parcial e permanente, não sendo o caso de aplicação da Súmula 47 da TNU, a decisão judicial poderá determinar o encaminhamento do segurado para análise administrativa de elegibilidade à reabilitação profissional, sendo inviável a condenação prévia à concessão de aposentadoria por invalidez condicionada ao insucesso da reabilitação; 2. A análise administrativa da elegibilidade à reabilitação profissional deverá adotar como premissa a conclusão da decisão judicial sobre a existência de incapacidade parcial e permanente, ressalvada a possibilidade de constatação de modificação das circunstâncias fáticas após a sentença (julgado em 21 de fevereiro de 2019, publicado em 26 de fevereiro de 2019).
Dessa forma, nos casos em que o segurado é amparado pelo benefício de auxílio-doença e existe a possibilidade de uma eventual aposentadoria por invalidez, deve-se primeiro proceder à verificação administrativa da viabilidade de reabilitação.
Assim, superadas as distinções assinaladas, analisam-se os requisitos para a concessão do benefício por incapacidade, sendo basicamente três: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento da carência, quando aplicável; e 3) a comprovação da incapacidade laborativa.
O primeiro requisito é a qualidade de segurado, conforme o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem como fundamento principal o pagamento de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Dessa forma, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado será mantida mediante a regular contribuição. No entanto, a LBPS prevê uma exceção expressa por meio do denominado período de graça, que consiste no intervalo em que, mesmo sem o recolhimento de contribuições, o indivíduo mantém a condição de segurado, conforme as situações previstas no artigo 15 da mesma lei.
O segundo requisito (carência) para a obtenção de benefícios por incapacidade, como regra geral, exige a comprovação do pagamento de 12 (doze) contribuições mensais, conforme o artigo 25 da LBPS. A carência é definida como o "número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário tenha direito ao benefício, contadas a partir do primeiro dia dos meses de suas competências", conforme o caput do artigo 24 da LBPS.
Entretanto, necessário mencionar, existem hipóteses previstas em que a concessão do benefício independe de carência, como nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, doença profissional ou do trabalho, bem como para o segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por doenças listadas nos artigos 26, inciso II, e 151 da LBPS.
Por fim, no que diz respeito ao terceiro requisito para a obtenção da aposentadoria, que é a incapacidade para o trabalho, esta deve ser permanente e irreversível, sem possibilidade de recuperação ou reabilitação para outra atividade que assegure a subsistência (aposentadoria por invalidez). Já para o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), a incapacidade deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Ressalta-se que, para a avaliação da incapacidade, é necessário demonstrar que, no momento da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto quando a incapacidade for resultante da progressão ou agravamento da doença ou lesão, conforme estabelecido nos artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS:
Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
(...)
Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).
A identificação de incapacidade, seja total ou parcial, é feita por meio de perícia médica conduzida por perito designado pelo Juízo, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. No entanto, importante ressaltar, o juiz não está restrito apenas às conclusões da perícia, podendo considerar outros elementos presentes nos autos para formar sua convicção, como aspectos pessoais, sociais e profissionais do segurado.
Oportuno registrar alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que tratam desse assunto:
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Ainda, é possível extrair do artigo 43, § 1º, da LBPS, que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação de incapacidade total e permanente para o trabalho, por meio de exame médico-pericial realizado pela Previdência Social. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a incapacidade parcial e permanente para o trabalho também confere direito ao benefício, desde que comprovada por perícia médica, que impossibilite o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilize sua readaptação. Esse entendimento reflete o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
Do caso concreto
No caso vertente, o autor, ex-porteiro, atualmente desempregado, alega estar impedido de trabalhar devido a seu quadro clínico, no qual afirma ser portador de "perda auditiva e depressão, respectivamente CID F33.3 e F60.3". Argumenta que seu quadro evoluiu com limitações funcionais e dificuldade para exercer sua profissão ou qualquer outra, acarretando incapacidade total e permanente.
Assim, busca a concessão de aposentadoria por invalidez, ou, subsidiariamente, o restabelecimento do benefício do auxílio-doença, que foi cessado em 03/08/2023.
A fim de se analisar o real quadro de saúde da parte, o Juízo a quo designou realização de perícia médica, ocasião em que o perito-médico (especialista em psiquiatria) apresentou, em especial, as seguintes conclusões (ID 292085744 - destacamos):
(...)
Como se observa na entrevista, EMÍLIO DONISETE NOVATO apresenta humor levemente depressivo, fadiga, leve diminuição da concentração, sintomas característicos de um transtorno depressivo recorrente, episódio depressivo atual leve, F 33.0 pela CID 10 já que não se observa prejuízo nas atividades de rotina, ou a presença de sintomas psicóticos como delírios e alucinações nem de ideação suicida persistente ou atos e gestos suicidas. Nota-se também história de descontrole dos impulsos, desregulação dos afetos, narcisismo, insegurança, comportamento compulsivo, ansiedade, dificuldade na condução de problemas, autoprejuízo com diagnóstico de transtorno de personalidade emocionalmente instável, F 60.3 pela CID 10, no momento estável.
(...)
No caso em questão, EMÍLIO DONISETE NOVATO apresenta um episódio depressivo leve, vem à entrevista psiquiátrica com a aparência muito bem cuidada, pensamento organizado, boa memória. Decidido e atento. Mora com a esposa com sérios problemas de saúde de quem auxilia nos cuidados.
Realizar suas atividades de rotina, trabalha como horticultor em seu sítio. Frequenta a igreja e passeia na casa de seus filhos eventualmente aos fins de semana. Administra seu orçamento pessoal, paga suas despesas, cuida de sua saúde e organiza sua vida e alimentação. Passa por avaliações
psiquiátricas em longos intervalos, não comprova uso de medicação e não utiliza outros recursos terapêuticos como psicoterapia. Não há incapacidade laboral.
Conclusão: Como se observa, EMÍLIO DONISETE NOVATO apresenta quadro clínico que não o incapacita ao trabalho.
(...)
f) Doença/moléstia ou lesão torna o(a) periciado(a) incapacitado(a) para o
exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais se baseou a conclusão. EMÍLIO DONISETE NOVATO apresenta um episódio depressivo leve, vem à entrevista psiquiátrica com a aparência muito bem cuidada, pensamento organizado,
boa memória. Decidido e atento. Mora com a esposa com sérios problemas de saúde de quem auxilia nos cuidados. Realizar suas atividades de rotina, trabalha como horticultor em seu sítio. Frequenta a igreja e passeia na casa de seus filhos eventualmente aos fins de semana. Administra seu orçamento pessoal, paga suas despesas, cuida de sua saúde e organiza sua vida e alimentação. Passa por avaliações psiquiátricas em longos intervalos, não comprova uso de medicação e não utiliza outros recursos terapêuticos como psicoterapia. Não há incapacidade laboral para sua atividade habitual de horticultor.
g) Sendo positiva a resposta ao quesito anterior, a incapacidade do(a) periciado(a) é de natureza permanente ou temporária? Parcial ou total? Não há incapacidade laboral.
(...)
k) É possível afirmar se havia incapacidade entre a data do indeferimento ou da cessação do benefício administrativo e a data da realização da perícia judicial? Se positivo, justificar apontando os elementos para esta conclusão. Não há relato recente em sua história de incapacidade laboral.
(...)
Quesitos da Parte Autora:
1) Qual a profissão da requerente? O periciado trabalha regularmente como horticultor.
2) Qual o grau de instrução do autor? O periciado possui o ensino médio completo.
3) A requerente é portadora de alguma doença? Qual(is)? EMÍLIO DONISETE NOVATO apresenta um transtorno depressivo recorrente, episódio atual depressivo leve, F 33.0 pela CID 10 e transtorno de personalidade emocionalmente instável, F 60.3 pela CID 10, no momento estável.
4) Caso afirmativa a resposta anterior, a doença de que é portadora a torna incapaz de desenvolver atividade remunerada? O quadro clínico do periciado é leve e não compromete sua capacidade laboral.
(...)
11) Qual o índice de progressividade do problema e até que ponde pode chegar? O quadro clínico do periciado é leve, o prognóstico é bom.
(...)
Verifica-se, dessa forma, que o perito-médico analisou as enfermidades alegadas por meio de exames clínicos realizados diretamente, bem como pela avaliação da documentação médica, sendo conclusivo a respeito de que o autor apresenta quadro clinico que não o incapacita para o trabalho ou para suas atividades habituais.
É sabido que o juiz não está vinculado ao laudo pericial, conforme o artigo 479 do CPC, devendo considerar o conjunto de provas para formar sua convicção. No entanto, não foram apresentados nos autos elementos capazes de contradizer o exame realizado pelo perito, razão pela qual se deve valorizar a conclusão da prova técnica sobre a existência da incapacidade.
Ressalta-se que o laudo pericial foi elaborado por especialista da área de psiquiatria (patologia do autor) e contém elementos suficientes para análise da alegada incapacidade da parte autora, sendo desnecessária qualquer nova perícia. Sobre essa questão, oportuno mencionar os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA REJEITADO. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 E 62 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI 8.213/9. RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA ATESTADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO E CONDIÇÕES PESSOAIS DA PARTE AUTORA. REQUISITOS PRESENTES. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO CONDICIONADA À RECUPERAÇÃO DO SEGURADO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA MÉDICA ADMINISTRATIVA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
- O pedido de realização de nova perícia médica com especialista deve ser rejeitado. No presente caso, o laudo pericial produzido apresenta-se completo, fornecendo elementos suficientes para formação da convicção do magistrado a respeito da questão. Ademais, determinar a realização de novo exame pericial, sob o argumento de que o laudo médico pericial encartado nos autos não foi realizado por médico especialista, implicaria em negar vigência à legislação em vigor que regulamenta o exercício da medicina, que não exige especialização do profissional da área médica para o diagnóstico de doenças ou para a realização de perícias.
- O fato de o INSS ter concedido administrativamente o benefício pleiteado pelo autor, no curso do processo, implica em reconhecimento jurídico do pedido, de forma que não há falar em perda do interesse processual da parte autora, sendo, consequentemente, incabível a extinção do feito sem a apreciação do mérito.
- Remanesce controvérsia acerca do termo inicial do auxílio-doença, da eventual concessão de aposentadoria por invalidez, bem como da forma de cessação do benefício.
- Comprovada a incapacidade total e temporária para o trabalho, de acordo com o conjunto probatório e condições pessoais da parte autora, bem como presentes os demais requisitos previstos nos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do auxílio-doença.
- Preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença pleiteado, desde o dia posterior à indevida cessação do benefício, em 08/11/2019 (Id 161971796 - Pág. 1), devendo ser descontados os valores já recebidos administrativamente.
- No tocante à fixação do período de pagamento, em que pese as recentes alterações legislativas no art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídas pela Lei nº 13.457, de 2017, que possibilitam ao Poder Judiciário, sempre que possível, estabelecer o limite temporal para o gozo do benefício de auxílio-doença, somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação médica periódica.
- A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Novo Código de Processo Civil/2015, e da Súmula 111 do STJ.
- Não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
- Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5112144-45.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA, julgado em 01/09/2021, Intimação via sistema DATA: 03/09/2021)
PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
1. Afastada a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão de não ter ocorrido ilegal indeferimento de realização de nova perícia médica com médico especialista. Cabe destacar que a prova produzida foi suficientemente elucidativa, não merecendo qualquer complementação ou reparos a fim de reabrir questionamentos, os quais foram oportunizados e realizados em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa. 2. O laudo médico produzido nestes autos foi elaborado por médico perito de confiança do juízo, tratando-se, antes de qualquer especialização, de médico apto à realização de perícia médica judicial, não sendo cabível a nomeação de médico especialista para cada doença apresentada pela parte. Ademais, o laudo colacionado aos autos foi bem fundamentado, não tendo o perito sugerido a realização de nova perícia com médico de outra especialidade. 3. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família. 4. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos. 5. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora não sugere a existência de qualquer impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, não devendo, portanto, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais. 6. Preliminar rejeitada. No mérito, apelação desprovida.
(TRF3 - ApCiv 5282154-59.2020.4.03.9999. Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 25/09/2020)
Com base nas conclusões do laudo pericial e no contexto social do autor, com ensino médio completo, ele possui capacidade para desenvolver novas habilidades. Assim, não se justifica a manutenção de afastamento tão prolongado do mercado de trabalho. O autor tem condições de reinserção profissional por meio do aprendizado de outra ocupação compatível com suas eventuais limitações.
É importante destacar que o simples fato de a pessoa ser acometida por uma doença não a torna, automaticamente, incapaz de exercer atividades laborativas. Ademais, pela análise dos documentos médicos juntados e do laudo pericial, verifica-se que o autor não apresentou piora no seu quadro de saúde, demonstrando controle e estabilidade clínica, encontrando-se em condições de retornar às atividades laborativas.
Nesse cenário, de rigor a manutenção da r. sentença, porquanto não foram comprovados os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por incapacidade permanente, tampouco ao restabelecimento do benefício de incapacidade temporária.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. ARTIGOS 42 A 47 E 59 A 63 DA LEI 8.213/91. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS LEGAIS AUSENTES. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. É responsabilidade do magistrado, no exercício de seu poder instrutório, avaliar a suficiência das provas apresentadas para formar seu livre convencimento, conforme os artigos 370 e 371 do CPC.
2. O auxílio por incapacidade temporária está previsto nos artigos 59 a 63 da Lei 8.213/1991 e é destinado aos segurados da Previdência Social que estejam temporariamente incapacitados para o trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, seja por doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, desde que constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe assegure a subsistência.
3. A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei 8.213/1991, depende da comprovação de incapacidade total e definitiva para o trabalho, por meio de exame médico-pericial. No entanto, a jurisprudência consolidou o entendimento de que também confere direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, impossibilitando o segurado de exercer sua ocupação habitual e inviabilizando sua readaptação. Esse entendimento reforça o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
4. O principal requisito para a concessão do benefício por incapacidade não está presente, porquanto não comprovada a incapacidade, seja ela total e permanente, seja total e temporária, para as atividades anteriormente exercidas.
5. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
