Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002101-38.2021.4.03.6120
Relator(a)
Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
23/05/2024
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/06/2024
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA. INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ARTS. 120 E 121
DA LEI N. 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. COMPROVAÇÃO DE CULPA E
NEXO DE CAUSALIDADE DA EMPREGADORA. CONTRIBUIÇÃO SAT. POSSIBILIDADE DE
AÇÃO DE REGRESSO.
- Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente pedido formulado
pelo INSS em ação de regresso. Objetivava-se o ressarcimento de todos os valores despendidos
a título de benefício de pensão por morte e todos os outros que o INSS tiver pago até a data da
liquidação ou vier a pagar aos dependentes do segurado.
- O ajuizamento da ação regressiva é dever do INSS decorrente da previsão do art. 120 da Lei n.
8.213/1991 nas hipóteses de: i) negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do
trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; e ii) violência doméstica e familiar contra
a mulher, nos termos da Lei n. 11.340/2006. Anote-se que esta última circunstância decorre da
inovação trazida pela Lei n. 13.846/2019.
- A indenização correspondente ao direito de regresso do INSS será devida pelo empregador ou
tomador de serviço quando se demonstrar nos autos a negligência do empregador, da qual tenha
decorrido, diretamente, o acidente.
- Ajuizada a ação, a prova do mencionado nexo de causalidade dar-se-á na forma do art. 373 do
Código de Processo Civil, cabendo ao INSS a produção de provas quanto ao fato constitutivo de
seu direito e à parte ré a comprovação de eventual culpa exclusiva ou concorrente de seu
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
empregado, vítima do acidente, ou de outra hipótese de exclusão de sua responsabilidade.
- Oconjunto probatório demonstrou conduta negligente da empresa apelante na prevenção de
acidentes, nexo de causalidade entre a conduta e o evento acidentário e prejuízo a fazenda
pública.
- O regular recolhimento de SAT ou FAP/RAT pelo empregador não o exime do dever de
indenizar, nas hipóteses legalmente previstas. Precedentes do STJ.
- Afasta-se a alegação de inconstitucionalidade do art.120 da Lei 8.213. Precedentes desta E.
Corte.
- Apelação desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002101-38.2021.4.03.6120
RELATOR:Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: JOSE WAGNER VACILOTTO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUCCA ABRAHAO - SP261546-A, FERNANDO
PASSOS - SP108019-A, WEBERT JOSE PINTO DE SOUZA E SILVA - SP129732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002101-38.2021.4.03.6120
RELATOR:Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: JOSE WAGNER VACILOTTO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUCCA ABRAHAO - SP261546-A, FERNANDO
PASSOS - SP108019-A, WEBERT JOSE PINTO DE SOUZA E SILVA - SP129732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL (Relatora):
Trata-se de apelação interpostapor JOSÉ WAGNER VACILOTTO- ME em face de sentença
proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Araraquara que julgou procedente o pedido
formulado em ação de regresso ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
(INSS),objetivando o ressarcimento por despesas advindas do pagamento de benefício de
pensão por morte aos dependentes de Marcos Donizete Antunes Lara (NB 21/197.399.925-8),
vitimado por acidente de trabalho (ID 281854680).
A sentença condenou a parte ré, ora apelante, ao pagamento de honorários sucumbenciais
fixados com base no proveito econômico obtido pelo INSS, correspondente ao valor total da
condenação (parcelas vencidas até a data da elaboração do cálculo de liquidação da sentença),
sobre o qual deverá incidir o percentual mínimo previsto nos incisos do §3º do art. 85 do CPC, o
qual será definido em liquidação.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.
Em primeiro grau, foram opostos embargos de declaração, por meio dos quais foi alegada a
existência de omissão e contradição na sentença quanto aos honorários advocatícios (ID
281854681). Tal recurso foi acolhido em parte somente para suprir a contradição apontada,
alterando-se o dispositivo da sentença, nos termos supra, considerando-se o proveito
econômico o valor total da condenação, ao invés do proveito econômico obtido até a sentença
(ID 281854684).
Em suas razões recursais, JOSÉ WAGNER VACILOTTO alega a inconstitucionalidade do art.
120 da Lei nº 8.213/91. Afirma que o pagamento do seguro acidente (SAT) já cobre os riscos de
acidentes do trabalho, quando há culpa da empresa. Destaca que o art. 22, inciso II da Lei n°
8.212/91 institui a contribuição em comento, para fins de financiamento do custeio dos
benefícios concedidos sob essa justificativa. Aponta que posicionamento no sentido de que é
possível a veiculação de ação de ressarcimento pela autarquia federal, ainda que haja
pagamento do SAT pelo empregador indica contradição com o disposto no art. 7º, inciso XXVIII
da CRFB. Alega não haver se descuidado da segurança no exercício da sua atividade ao longo
de sua existência. Esclarece que o empregado agiu de modo imprudente e de forma inesperada
ao deixar de observar os procedimentos aplicáveis à situação verificada por ocasião do
acidente fatal ocorrido. Afirma que a negligência da vítima afasta o dever de indenizar.
Esclarece que o funcionário não comunicou o problema imediatamente ao superior, pois esse
certamente iria proibir qualquer trabalho na referida chapa metálica. Afirma que não
comunicando o fato, o empregado assumiu o risco para ocorrência do evento. Relata que as
ações regressivas movidas pelo INSS caracterizariam verdadeiro bis in idem no que diz respeito
ao recebimento de verba ressarcitória. Com isso, haveria enriquecimento ilícito da autarquia
federal. Acrescenta que não há respaldo legal para haver o duplo recebimento de valores pelo
mesmo fato gerador (ID 281854685).
Em suas contrarrazões, o INSS afirma a constitucionalidade do art. 120 da Lei n° 8.213/91.
Alega que a contribuição referente ao SAT não se confunde com o dever de indenizar previsto
na legislação em questão. Acrescenta que a finalidade perseguida nesta ação regressiva
previdenciária não enseja bis in idem. Esclarece que o SAT foi concebido genericamente para
ajudar a cobrir os custos acidentários associados aos riscos ordinários inerentes a atividades
empresariais. Aponta que a contribuição não foi idealizada para cobrir custos da previdência
com acidentes causados diretamente pelo descumprimento de normas de segurança e higiene
do trabalho, a qual se enquadra como risco extraordinário(ID 281854690).
Subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002101-38.2021.4.03.6120
RELATOR:Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: JOSE WAGNER VACILOTTO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUCCA ABRAHAO - SP261546-A, FERNANDO
PASSOS - SP108019-A, WEBERT JOSE PINTO DE SOUZA E SILVA - SP129732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):
O caso em apreço cuida-se de demanda ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL (INSS) em face de JOSÉ WAGNER VACILOTTO-ME. Objetivava-se o ressarcimento
de todos os valores despendidos a título de benefício de pensão por morte (NB 21/197.399.925-
8) e todos os outros que o INSS tiver pago até a data da liquidação ou vier a pagar aos
dependentes do segurado Marcos Donizete Antunes de Lara, vítima fatal de acidente do
trabalho, bem como todos os futuros pagamentos de benefícios que eventualmente concedidos
pela autarquia federal relativos ao sinistro em questão.
Narra a parte autora que Marcos Donizete Antunes de Lapa, empregado da apelante
desenvolvia a função de chapeiro no setor de secagem de couro, localizado em quatro chapas
metálicas de 3,40m na largura e 1,70m de altura, com peso aproximado de 14 quilogramas,
aquecidas por vapor com temperatura acima de 80°C.
Esclarece que a atividade do empregado vitimado consistia em realizar ações de arremessar
peças de couro molhadas sobre as chapas de secagem; retirar o excesso de água e esticar a
peça na chapa de “passar”; e aguardar a secagem do material por aproximadamente 3 min e
retirar a peça de couro.
Relata que no dia 10/12/2020, aproximadamente as 14h e 35 min o empregado desempenhava
suas atividades, enquanto estava posicionado “entre as duas chapas metálicas instaladas na
parte lateral do barracão, espaçadas a 1,20 m entre si, com pedaços de madeira utilizados
como calço, a chapa instalada próxima à parede tombou no sentido interior do barracão
atingindo o trabalhador e a segunda chapa também tombou sobre o chão. ”
Nesse cenário aponta que o trabalhador ficou preso no chão entre as duas chapas metálicas
aquecidas.
Nessa ocasião, José Wagner Vacilotto, proprietário da sociedade empresária, utilizou uma
empilhadeira para retirar a chapa que estava em cima da vítima. Apesar de haver sido
socorrido, o trabalhador faleceu em decorrência do acidente.
Com isso, foi concedida pensão por morte aos os dependentes do empregado falecido.
DA AÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA PELO INSS
O ajuizamento da ação regressiva é dever do INSS decorrente da previsão do art. 120 da Lei n.
8.213/1991 nas hipóteses de: i) negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene
do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; e ii) violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da Lei n. 11.340/2006. Anote-se que esta última circunstância
decorre da inovação trazida pela Lei n. 13.846/2019.
O contexto legislativo apontado decorre da previsão do art. 7º da Constituição da República,
que prevê aos trabalhadores urbanos e rurais os direitos à redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII) e ao seguro contra
acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVIII).
Sob tal prisma, a jurisprudência desta Corte tem interpretado o aludido art. 120 da Lei n.
8.213/1991 na perspectiva do art. 945 do Código Civil, o qual estabelece que a culpa
concorrente da vítima será levada em consideração na condenação do autor do dano à
correspondente indenização. Assim, na hipótese de restar demonstrado nos autos que o
empregado tenha concorrido para o evento danoso, tem-se determinado que o custeio do
benefício decorrente do acidente seja suportado pelo INSS em conjunto com o empregador ou
tomador de serviço (in TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000954-
64.2017.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em
14/07/2022, DJEN DATA: 20/07/2022; e TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL -
5001141-42.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM
GUIMARAES, julgado em 12/11/2020, Intimação via sistema DATA: 20/11/2020).
De tal modo, a indenização correspondente ao direito de regresso do INSS será devida pelo
empregador ou tomador de serviço quando se demonstrar nos autos a negligência do
empregador, da qual tenha decorrido, diretamente, o acidente.
Ajuizada a ação, a prova do mencionado nexo de causalidade dar-se-á na forma do art. 373 do
Código de Processo Civil, cabendo ao INSS a produção de provas quanto ao fato constitutivo
de seu direito e à parte ré a comprovação de eventual culpa exclusiva ou concorrente de seu
empregado, vítima do acidente, ou de outra hipótese de exclusão de sua responsabilidade.
DO MÉRITO
Não obstante o apelante alegar não haver descuidado da questão da segurança no exercício de
suas atividades, bem como aduzir que a conduta negligente do empregado foi a responsável
pela fatalidade, noto que as provas dos autos apontam em sentido diverso.
Inicialmente, saliento que da análise do CNPJ da apelante nota-se que desenvolve atividade
econômica nos segmentos de fabricação de equipamento e acessórios para segurança pessoal
e profissional, bem como curtimento e outras preparações de couro. Atividades, as quais
certamente demandam o cumprimento de normas referentes a higiene e segurança do trabalho
(ID 281854380).
Cumpre ressaltar que o Relatório de Análise de Acidente de Trabalho constatou risco de
acidente no local onde aconteceu a fatalidade devido à fixação inadequada das chapas
metálicas ao piso de concreto. Apontou que as chapas que caíram sobre o trabalhador estavam
apoiadas por pedaços de madeira, os quais eram utilizados como calço (ID 281854381 – pp.
03/08).
Por sua vez, trecho do Laudo Pericial 406.012/2020 colacionado ao Relatório de Acidente do
Trabalho averiguou que “cada chapa metálica possuía duas bases de apoio (uma em cada
extremidade) com quatro orifícios para fixação em cada uma"; sendo "(...) observado que não
havia um padrão de fixação para essas chapas metálicas: - Algumas chapas metálicas estavam
fixadas sobre um ou dois 'tacos de madeira', que se encontravam sobre o chão, porém sem
fixação. Ademais, aponta que “alguns desses 'tacos de madeira' encontravam-se em mal
estado de conservação. - Algumas chapas metálicas encontravam-se sobre o chão, porém sem
fixação". Concluiu que: "O acidente em tela não teria ocorrido se as chapas metálicas
(contrariamente ao verificado na empresa) fossem adequadamente aprisionadas no piso do
galpão, ou seja, através de suas fixações diretamente no concreto, por meio de parafusos." (ID
281854381 – p.08).
Frise-se que diligência levada a efeito, com a finalidade de apurar as causas do acidente
resultou na elaboração do Auto de Infração nº 22.155.343-6 por auditor fiscal do trabalho, eis
que verificou-se que os pisos do local de trabalho encontravam-se com saliências e/ ou
depressões (ID 281854632 – p.16).
Outrossim, destaco que a causa do óbito foi “Politraumatismo por meio contundente devido a
ação vulnerante de agente contundente”
Dessa forma, diante da prova produzida nos autos, depreende-se que o evento responsável
pela ocorrência da fatalidade foi a ausência de fixação adequada das chapas metálicas ao piso
do galpão, isto é, se as chapas estivessem aprisionadas diretamente no piso de concreto, não
teriam tombado sobre o trabalhador e a fatalidade não teria ocorrido.
Assim, verifica-se que a situação acima narrada constitui-se nexo causal necessário e
indispensável para a ocorrência do sinistro.
Nesse sentido, importante ressaltar que incumbe a empresa zelar pela correta manutenção do
maquinário da companhia, bem como pela observância das normas de segurança no ambiente
de trabalho.
Sobre o assunto, destaque-se o seguinte trecho da sentença:
“Veja-se que ao permitir que seus trabalhadores executassem atividades para as quais não
receberam qualquer treinamento e em atividades para as quais há diversos perigos, a ré
assumiu o risco pelo acidente sofrido. O lançar e retirar peças de couro das chapas metálicas
com temperaturas elevadas e em regime de repetição, por certo exige cuidados do trabalhador,
mas também é indubitável queexige que o instrumento que utiliza para suas manobras tenha
sua base firmemente fixada ao solo, sob o risco de tombar. Essa manutenção simples omitida
pela requerida é um cuidado básico que deveria ter sido observado, afinal, se mesmo os varais
existentes em nossos lares (caso não sejam portáteis) precisam ter bases fixaspara suportarem
toda a carga de roupas que lhe sobrepomos, o que dirá de uma chapa industrial para secagem
de couro...
Destarte, não é preciso um grande esforço exegético para inferir-se que a conduta infringe o
básico de segurança do trabalho e esbarra nos meios usuais de prevenção da infortunística”.
(ID 281854680)
De outro lado, friso que a recorrente tampouco comprovou que qualquer tipo de ação negligente
ou imprudente do empregado contribuiu para a ocorrência da fatalidade.
Com efeito, conclui-se que a empresa recorrente atuou de forma negligente em garantir
ambiente laboral seguro, sendo responsável direta pela ocorrência do acidente de trabalho que
vitimou fatalmente o segurado da previdência social.
Nesse aspecto cumpre lembrar que a procedência de ação regressiva pressupõe a ocorrência
de acidente do trabalho sofrido por segurado, nexo causal, a concessão de benefício
previdenciário e a constatação de negligência quanto ao cumprimento ou fiscalização das
normas de saúde e segurança do trabalho.
Na hipótese dos autos, verifica-se que em decorrência do sinistro laboral foi implementado o
benefício de pensão por morte (NB 21/197.399.925-8) em razão do óbito do segurado José
Wagner Vacilotto.
Por sua vez, o conjunto probatório demonstrou conduta negligente da empresa apelante na
prevenção de acidentes, nexo de causalidade entre a conduta e o evento acidentário e prejuízo
a fazenda pública.
Diante disso, verifico que restou configurado o dever da parte ré em ressarcir o erário pelo
pagamento do benefício devido em razão de sinistro trabalhista, não havendo que se falar em
ausência dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil, tampouco sobre culpa exclusiva
do empregado na ocorrência dos eventos.
- PAGAMENTO DA CONTRIBUIÇÃO SAT E CONSTITUCIONALIDADE DE AÇÕES DE
REGRESSO:
Cumpre mencionar que ao julgar o RE 677725 (julgamento em 11/11/2021), sob o rito da
repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal anotou que o “sistema de financiamento do
seguro de acidente do trabalho (SAT) e da aposentadoria especial visa suportar os benefícios
previdenciários decorrentes de doenças ocupacionais”.
Sendo destacado ainda que a contribuição social para o seguro de acidente do trabalho (SAT) a
cargo do empregador encontra fundamento nos artigos 7, XXVIII; 194, parágrafo único, inciso V
e 195, inciso I, todos da CRFB.
Diante disso, depreende-se que a suprema corte já assentou entendimento de que os
mencionados artigos encontram fundamento no art. 7º, inciso XXVVIII, parte final da
Constituição Federal, a qual confere seguro contra acidente do trabalho como sendo direito do
trabalhador. Entretanto, sem excluir a possibilidade de indenização a cargo do empregador em
caso de dolo ou culpa.
Com efeito, conclui-se que a contribuição do SAT é norma que visa custear o sistema de
concessão de benefícios previdenciários deferidos pela previdência social decorrentes de
acidente do trabalho ou doença ocupacional. Insta frisar, que tal contribuição foi criada para
cobrir os riscos previsíveis para o desempenho de uma determinada atividade empresarial, não
se confundindo com a ação de regresso ajuizada pela autarquia federal, com fundamento no
art. 120 da Lei 8.213/91.
Por sua vez, a possibilidade de manejo de demanda regressiva se cuida de ação cível, que
objetiva a reparação pecuniária da autarquia federal pelo pagamento de benefício
previdenciário, em razão de conduta negligente do empregador na observância de normas de
higiene e segurança do trabalhado, causando acidente do trabalho.
Assim, depreende-se que a possibilidade do ajuizamento dessa ação não se cuida de nova
fonte de custeio da seguridade social, mas de medida reparatória em razão de sinistro laboral
ocasionado por conduta culposa omissiva ou comissiva do empregador.
Com efeito, conclui-se que não há que se falar em bis in idem ou em enriquecimento ilícito do
INSS quando veicula ação regressiva, em que pese o empregador efetuar o pagamento da
contribuição do SAT.
Dessa forma, nota-se que diversamente do alegado pela apelante, o regular recolhimento de
SAT ou FAP/RAT pelo empregador, não o exime do dever de indenizar nas hipóteses
legalmente previstas. No mesmo sentido, registrem-se os seguintes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE REGRESSO. ACIDENTE DE TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022
DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. REJEIÇÃO DO PEDIDO.
ANÁLISE CONTRATUAL. SÚMULA 5/STJ. CULPA DO EMPREGADOR. ALTERAÇÃO DO
JULGADO. INVIABILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
CONTRIBUIÇÃO PARA O SAT QUE NÃO EXIME O EMPREGADOR DA CULPA. ACÓRDÃO
EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO DO STJ. AGRAVO INTERNO DE CSE MECÂNICA
E INSTRUMENTAÇÃO LTDA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas no
recurso de apelação, de modo que o não acolhimento da tese da agravante não se confunde
com omissão, obscuridade ou contradição do julgado.
2. A Corte de origem, soberana na análise do acervo fático-probatório dos autos, concluiu pela
comprovação da negligência das empresas, de forma solidária, quanto às normas de segurança
e higiene no ambiente de trabalho, tendo em vista que ambas contribuíram para o acidente que
vitimara o empregado. Assim, não há como afastar o óbice da Súmula 7/STJ ao conhecimento
do recurso especial, uma vez que o entendimento firmado pela Corte regional encontra-se
amparado nos fatos e provas contidos nos autos.
3. Quanto à alegada necessidade de denunciação da lide à empresa SKANSKA DO BRASIL
LTDA, a decisão agravada explicitou, de forma clara, a inviabilidade de acolhimento da
pretensão recursal, tendo em vista o fato de que o Tribunal de origem rejeitara a tese da
empresa agravante com base nos termos do contrato juntado aos autos.
Assim, incide na hipótese o óbice da Súmula 5/STJ.
4. Por fim, o acórdão regional está em consonância com o entendimento do STJ de que o
recolhimento do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) não impede a cobrança pelo INSS, por
intermédio de ação regressiva, dos benefícios pagos ao segurado nos casos de acidente do
trabalho decorrentes de culpa da empresa por inobservância das normas de segurança e
higiene do trabalho.
Incidência da Súmula 83/STJ.
5. Agravo interno de CSE MECÂNICA E INSTRUMENTAÇÃO LTDA a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.604.767/RJ, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado
do TRF5), Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 8/6/2022)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA NÃO CARACTERIZADO.
INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O
EMPREGADOR. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRESCRIÇÃO. CULPA DA EMPRESA
RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
1. Entendendo o Tribunal que a prova acostada aos autos seria suficiente para proporcionar ao
julgador os elementos necessários à análise do caso, essa conclusão somente poderia ser
afastada mediante novo exame do acervo probatório, o que se revela defeso no âmbito de
recurso especial ante o óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. Não estando restrito apenas ao que está expresso no capítulo referente aos pedidos, é
permitido ao Tribunal extrair da interpretação lógico-sistemática da peça inicial aquilo que se
pretende obter com a demanda, o que se verifica no caso.
3. Em relação ao prazo prescricional, como exposto na decisão agravada, o acórdão está de
acordo com o entendimento desta Corte de que a prescrição quinquenal é igualmente aplicável
às ações de regresso acidentárias propostas pelo INSS.
4. Esta Corte firmou entendimento de que a contribuição para o SAT não exime o empregador
da responsabilização por culpa em acidente de trabalho, conforme o art. 120 da Lei n.
8.213/1991, estando o acórdão em consonância com o decidido por este Superior Tribunal.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 2.054.226/RJ, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em
22/8/2022, DJe de 29/8/2022.)
Por sua vez, consigno que não merecem prosperar os argumentos de inconstitucionalidade do
direito regressivo arguidos pela recorrente. Nesse sentido, destaco que esta E. Corte já decidiu
em diversas oportunidade pela constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 120 da Lei nº
8.213/91. Confira-se:
DIREITO PRIVADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. ARTIGOS 120 E 121
DA LEI Nº 8.213/91. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA COMPROVADA.
I - Quando houver o pagamento de benefício previdenciário decorrente de acidente laboral
causado pelo descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, cabe ao INSS o
ajuizamento de ação regressiva acidentária, devendo a empresa responsável ser compelida a
reembolsar a autarquia previdenciária pelos valores correspondentes ao benefício
previdenciário implantado. Constitucionalidade dos artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213 /1991.
Precedentes.
II - Hipótese em que restou comprovado que a empresa ré não agiu com a diligência e
precaução necessárias, podendo-se concluir que sua negligência deve ser tida como causa
necessária e suficiente para configuração de responsabilidade integral, nos termos do artigo
120 da Lei nº 8.213/91.
III – Agravo retido não conhecido. Recurso e remessa oficial parcialmente providos.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0006175-57.2010.4.03.6105, Rel.
Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 01/06/2023, Intimação
via sistema DATA: 05/06/2023)
“Inexiste a apontada inconstitucionalidade do art. 120, da Lei nº 8.213/91, eis que a Emenda
Constitucional nº 41/2003 acrescentou o parágrafo 10º ao art. 201: "§ 10º. Lei disciplinará a
cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral
de previdência social e pelo setor privado."
(TRF3, AC n° 00006165-13.2010.4.03.6105. Rel. Des. Fed. José Lunardelli. Primeira Turma, e-
DJF3: 13/06/2014).
"2- Não merece prosperar a alegação de inconstitucionalidade do art. 120, da Lei nº 8.213/91.
3- A Emenda Constitucional nº 41/2003 acrescentou o parágrafo 10º ao art. 201, o qual assim
dispõe, in verbis: "§ 10º. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser
atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.".
(TRF3, AC n° 00003064-38.2005.4.03.6106. Rel. Des. Fed. José Lunardelli. Primeira Turma, e-
DJF3: 04/07/2013).
Dessa forma, deve ser afastada qualquer tese acerca da inconstitucionalidade do art. 120 da
Lei 8.213/91, bem como o argumento de que o pagamento do SAT impossibilita o manejo da
ação de regresso pela autarquia federal.
Ante o exposto, NEGO provimento ao recurso de apelação.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, em atenção aos parâmetros do art. 85, § 2º, do CPC,
especialmente no tocante ao grau de zelo profissional e ao trabalho despendido em grau
recursal, majoro em 1% (um por cento) o montante fixado na instância de origem a título de
honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA. INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ARTS. 120 E
121 DA LEI N. 8.213/91. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. COMPROVAÇÃO DE
CULPA E NEXO DE CAUSALIDADE DA EMPREGADORA. CONTRIBUIÇÃO SAT.
POSSIBILIDADE DE AÇÃO DE REGRESSO.
- Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente pedido formulado
pelo INSS em ação de regresso. Objetivava-se o ressarcimento de todos os valores
despendidos a título de benefício de pensão por morte e todos os outros que o INSS tiver pago
até a data da liquidação ou vier a pagar aos dependentes do segurado.
- O ajuizamento da ação regressiva é dever do INSS decorrente da previsão do art. 120 da Lei
n. 8.213/1991 nas hipóteses de: i) negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene
do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; e ii) violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da Lei n. 11.340/2006. Anote-se que esta última circunstância
decorre da inovação trazida pela Lei n. 13.846/2019.
- A indenização correspondente ao direito de regresso do INSS será devida pelo empregador ou
tomador de serviço quando se demonstrar nos autos a negligência do empregador, da qual
tenha decorrido, diretamente, o acidente.
- Ajuizada a ação, a prova do mencionado nexo de causalidade dar-se-á na forma do art. 373
do Código de Processo Civil, cabendo ao INSS a produção de provas quanto ao fato
constitutivo de seu direito e à parte ré a comprovação de eventual culpa exclusiva ou
concorrente de seu empregado, vítima do acidente, ou de outra hipótese de exclusão de sua
responsabilidade.
- Oconjunto probatório demonstrou conduta negligente da empresa apelante na prevenção de
acidentes, nexo de causalidade entre a conduta e o evento acidentário e prejuízo a fazenda
pública.
- O regular recolhimento de SAT ou FAP/RAT pelo empregador não o exime do dever de
indenizar, nas hipóteses legalmente previstas. Precedentes do STJ.
- Afasta-se a alegação de inconstitucionalidade do art.120 da Lei 8.213. Precedentes desta E.
Corte.
- Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA