
| D.E. Publicado em 24/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo retido, dar provimento à apelação da parte autora e julgar prejudicada a apelação do INSS e, de acordo com o artigo 1.013, § 3º, I, julgar procedenteo pedido formulado na inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002310-84.2011.4.03.6139/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência ou incapacitada para o trabalho.
Agravo retido interposto pela autarquia às fls. 72/74.
A sentença julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI do CPC/73, por falta de interesse processual, ante a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade em 15.07.2009. Pontuou que mesmo eventuais parcelas em atraso estariam prejudicadas, pois o laudo médico pericial indica que o inicio da incapacidade se deu após a concessão da aposentadoria. Condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 678,00.
Apela a parte autora pleiteando a anulação da sentença para elaboração de novo laudo pericial a fim de comprovar a incapacidade desde a data do ajuizamento da ação e, em consequência, a persistência do interesse processual ante o reconhecimento do direito ao pagamento das parcelas devidas desde então.
O INSS, por sua vez, requer a reforma da sentença no tocante à condenação em honorários de advogado, que entende indevidos ante a inexistência de requerimento administrativo prévio à propositura da ação.
Com a apresentação de contrarrazões pela parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial do recurso da parte autora e improvimento do apelo do INSS.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, não conheço do agravo retido interposto pelo INSS, nos termos do artigo 523, § 1º, do CPC/73, vigente à época da interposição.
Assiste razão à parte autora quanto à existência de interesse processual remanescente à concessão do benefício de aposentadoria por idade na data de 15.07.2009.
Com efeito, a ação foi proposta em 07.01.2004, tendo o INSS sido citado em 15.12.2004. A aposentadoria por idade foi concedida administrativamente em 15.07.2009, mais de 4 (quatro) anos da data do ajuizamento da ação.
Dessa forma, resta evidente que a parte autora tem interesse no julgamento do mérito da ação, haja vista que o reconhecimento do direito ao benefício assistencial desde a data do ajuizamento da ação ensejará o pagamento das parcelas devidas a esse título até a data da concessão da aposentadoria.
De rigor, assim, a declaração de nulidade da sentença, restando prejudicado o recurso de apelação do INSS.
Entretanto, estando o processo em condições de imediato julgamento, aplico a regra do artigo 1.013, § 3º, I, do CPC/2015 e passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Verifico que tendo nascido em 28 de junho de 1949, no momento do ajuizamento desta ação, a parte autora contava com 54 anos de idade, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29 que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
A parte autora alega que é portadora de diversos males, condição que a torna incapaz para o trabalho.
O laudo médico pericial de fls. 79/85 informou que o autor é portador de espondiloartrose lombo-sacra e hipertensão arterial não controlada, com repercussões sistêmicas e alterações de semiologia oftalmológica com perda total da visão do olho esquerdo e parcial do direito, devido a sequela de glaucoma. Atestou que o requerente apresenta incapacidade total e permanente para o trabalho, fixando a data de início da incapacidade na data da perícia (06.10.2009), visto que a perícia é um ato médico e não uma consulta, sendo-lhe vedado pelo Código de Ética Médica prestar informações sem ter visto e examinado o periciado, e assumir a responsabilidade por ato médico que não praticou ou participou.
Todavia, ainda que o médico perito tenha fixado o inicio da incapacidade na data da perícia (06.10.2009 - fls. 83/84), anoto que o atestado médico de fls. 13 indica que em 10.11.03, o autor, portador de glaucoma, já apresentava cegueira total no olho esquerdo e parcial (com grande comprometimento) no olho direito.
Considerando a profissão do requerente (lavrador), e seu baixo grau de escolaridade, aponto que a condição física do autor relatada no atestado médico de fls. 13, efetivamente o impedia de desenvolver atividade laboral, restando caracterizada sua condição de deficiente desde 10.11.2003, o que afasta a falta de interesse processual apontada na sentença.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 03.02.2012 (fls. 110/112) revela que a parte autora reside com sua esposa, em casa própria, de madeira, com quatro cômodos, localizada em zona rural. O escoamento sanitário é feito em fossa rudimentar, utilizam água de poço e o lixo é queimado.
A renda da casa advém do trabalho rural informal e esporádico da esposa do autor, que aufere mensalmente cerca de R$ 120,00. Recebem também R$ 70,00 do programa social Bolsa Família.
As despesas da família somavam R$ 206,00, tendo sido reportados gastos com medicamentos (R$ 25,00) e alimentação (R$ 100,00), entre outros.
Nota-se que a renda da casa mal supria as despesas básicas da família.
O laudo social indica que as necessidades básicas do autor não estavam sendo supridas.
As enfermidades do autor não estavam sob controle, e a família reside em zona rural, o que dificulta o acesso aos serviços básicos de saúde e proteção social.
Desta forma, considerando o conjunto probatório apresentado nos autos, verifico estarem preenchidos dos requisitos necessários à concessão do benefício.
Ausente o requerimento administrativo, fixo o termo inicial do benefício na data da citação da autarquia (19.11.2004 - fls. 25v), uma vez que foi neste momento que a autarquia teve ciência da pretensão da autora.
Considerando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria concedido a partir de 15.07.2009 (fls. 129), fixo o termo final do benefício assistencial em 14.07.2009, ante a impossibilidade de cumulação dos benefícios.
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, estes a partir da citação, de acordo com os critérios estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Insta esclarecer que não desconhece este Relator o alcance e abrangência da decisão proferida nas ADIs nºs 4.357 e 4.425, nem tampouco a modulação dos seus efeitos pelo STF ou a repercussão geral reconhecida no RE 870.947 pelo E. Ministro Luiz Fux, no tocante à constitucionalidade da TR como fator de correção monetária do débito fazendário no período anterior à sua inscrição em precatório.
Contudo, a adoção dos índices estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para a elaboração da conta de liquidação é medida de rigor, porquanto suas diretrizes são estabelecidas pelo Conselho da Justiça Federal observando estritamente os ditames legais e a jurisprudência dominante, objetivando a unificação dos critérios de cálculo a serem adotados na fase de execução de todos os processos sob a sua jurisdição.
Condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015.
Insta esclarecer que, ainda que a parte autora não tenha formulado pedido na esfera administrativa para a concessão do benefício, o réu nesta ação ofertou contestação resistindo ao pedido inicial, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da causalidade.
O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.
Entretanto, consoante disposto no § 1º do artigo 1º da mencionada lei, "rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.". Conclui-se, assim, que a isenção de custas nas causas processadas na Justiça Estadual depende de lei local que a preveja.
Nesse passo, verifico que no que se refere às ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo, como in casu, a isenção de custas processuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está assegurada nas Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03.
Diante do exposto, não conheço do agravo retido e dou provimento à apelação da parte autora para anular a sentença de primeiro grau, julgando prejudicado o recurso de apelação do INSS e, de acordo com o artigo 1.013, § 3º, I, do CPC/2015, julgo procedente o pedido formulado na inicial para reconhecer o direito da parte autora ao benefício assistencial previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal desde a data da citação até a data da concessão da aposentadoria por idade, condenando o réu ao pagamento das parcelas vencidas e honorários de advogado, na forma da fundamentação.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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