
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002132-56.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA REGINA DO CARMO PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002132-56.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA REGINA DO CARMO PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural e a concessão de aposentadoria híbrida por idade.
A sentença julgou procedente o pedido para condenar o INSS ao pagamento de Aposentadoria por Idade, no valor de um salário mínimo, em favor da parte autora, com termo inicial em 15/07/2022, data do requerimento administrativo. Determinou que os valores atrasados deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora no percentual aplicável às cadernetas de poupança, contados da data em que cada prestação deveria ter sido paga, nos termos do art. 1º-F da Lei 11.960/2009, em conformidade com o que restou decidido no RE 870.947 – SE e REsp 1.492.221 – PR, e que a partir de 09/12/2021 deverá ser observado o disposto na EC 113/2021. Antecipou os efeitos da tutela e determinou a expedição de ofício ao INSS para implantação do benefício deferido ao autor, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa, arbitrada em R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a 50 (cinquenta) vezes esse valor. Ante a sucumbência, condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, arbitrados em 10% (dez por cento) das pensões vencidas até esta data, nos termos da Súmula 111 do STJ. Condenou o INSS ao pagamento de custas, nos termos da Súmula 178 do STJ e do art. 24, §§ 1º e 2º, da Lei Estadual n.º 3.779/2009.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
O INSS apelou, requerendo, preliminarmente, a nulidade da sentença ante a não especificação dos períodos reconhecidos. No mérito, sustenta a ausência de início de prova material da atividade em regime de economia familiar e que a autora não preenchia o requisito etário na DER. Eventualmente, requer: A) a fixação dos juros moratórios nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, alterado pela Lei 11.960/09, bem como a fixação dos índices de correção monetária conforme Tema 905/STJ, sem prejuízo da aplicação imediata da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, segundo a qual nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente; B) que a condenação da autarquia retroaja à data da citação. C) O prequestionamento da matéria; D) o reconhecimento da prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91; E) que o percentual arbitrado para pagamento dos honorários advocatícios se limite a 10% e incida apenas sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. F) seja afastada a previsão de incidência de multa diária ou, ainda, seja ela arbitrada em 1/30 do valor do benefício, a incidir caso decorrido o prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis contados da remessa dos autos (em diligência) ao setor administrativo do INSS, e seja limitada a 30 dias-multa, a fim de evitar-se enriquecimento sem causa. G) A vedação à desaposentação.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002132-56.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA REGINA DO CARMO PEREIRA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Nos termos do artigo 48, §§3º e 4º da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº. 11.718/2008, o (a) segurado(a) terá direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, isto é, como trabalhador(a) rural e urbano(a), quando atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos, desde que tenha cumprido a carência exigida, devendo ser considerados ambos os períodos (urbano e rural) para efeito de carência.
Por ocasião do julgamento do RESP nº. 1407613, o STJ adotou o entendimento no sentido de que o segurado pode somar ou mesclar os tempos para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade (híbrida) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher, não importando se o segurado era rural ou urbano à época do requerimento do benefício. STJ, Segunda Turma, Recurso Especial - 1407613, Julg. 14.10.2014, Rel. Herman Benjamin, DJE Data:28.11.2014).
Posteriormente, visando debater a tese até então controvertida, foram admitidos os Respn. 1.674.221/SP eREspn. 1788.404/PR, de relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, a fim de que fossem julgados em sede de recursos repetitivos (Tema 1007), tendo sido firmada a seguinte tese com trânsito em julgado em 05.04.21:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Neste contexto, a Lei nº 8.213/91 garante ao segurado que exerceu atividade rural e urbana, o direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, desde que preenchidos os requisitos etário (65 anos para homem e 60 anos para mulher) e de carência, na forma do decidido no Tema Repetitivo 1007.
Frise-se que, para o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, a carência deve observar a tabela progressiva do artigo 142 da Lei Federal nº. 8.213/91.
Para a concessão da aposentadoria por idade híbrida, conforme regra de transição fixada pela EC nº103, de 2019, exige-se, cumulativamente:
I - 60 (sessenta) anos de idade da mulher e 65 (sessenta e cinco) do homem;
II - 15 (quinze) anos de tempo de contribuição; e
III - 180 (cento e oitenta) meses de carência.
Parágrafo único. Para definição da carência, deve ser verificado o direito à aplicação da tabelaprogressiva prevista no art. 142 da Lei nº 8.213, de 1991.
A idade mínima exigida das mulheres será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, aplicando-se oprimeiro acréscimo a partir de janeiro de 2020, até que se atinja 62 (sessenta e dois) anos.
Resta, portanto, verificar se houve cumprimento dos requisitos legais.
Caso Concreto
Para comprovar as suas alegações, a autora, nascida em 18/11/1961, apresentou:
- certidão de casamento, realizado em 2008, na qual o marido figura como lavrador;
- cópia da CTPS do marido, na qual constam vínculos rurais descontínuos de 2006 a 2018;
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.
A certidão relacionada serve como início de prova da atividade rural.
A anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode, assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo.
A simples alegação de irregularidade nas anotações constantes da CPTS não é suficiente para desconsiderá-las. Caberia à autarquia comprovar a existência de fraude ou falsidade, o que não ocorreu.
Contudo, os registros rurais do marido não podem ser estendidos à autora, tendo em vista que a CTPS é documento personalíssimo.
Assim, observo que não há início de prova material no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
Portanto, embora as testemunhas tenham declarado que a autora trabalhou como rurícola juntamente com o marido, o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural pelo período previsto em lei e, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no processo previdenciário, no qual se pleiteia aposentadoria por idade dos rurícolas, implica em extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEUDIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Revogo a antecipação da tutela anteriormente concedida e, consoante decidido no julgamento do Tema 692 pelo C. Superior Tribunal de Justiça, determino a devolução dos valores recebidos a esse título, cuja execução deverá se dar nestes autos.
Diante do exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp 1352721/SP), restando prejudicada a apelação e, em consequência, revogo a tutela antecipada, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA HÍBRIDA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. TUTELA REVOGADA.
1. O STJ, no RE 1352721/SP, decidiu que nos processos em que se pleiteia a concessão de aposentadoria por idade, a ausência de prova apta a comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito.
2. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
3. Revogação da tutela anteriormente concedida. Consoante decidido no julgamento do Tema 692 pelo C. Superior Tribunal de Justiça, determinada a devolução dos valores recebidos a esse título, cuja execução deverá se dar nestes autos.
4. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação prejudicada. Tutela antecipada revogada.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
