
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002866-93.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DA SILVA LIMA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MUNHOZ DA CUNHA - SP379269-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002866-93.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DA SILVA LIMA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MUNHOZ DA CUNHA - SP379269-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por MARIA DA SILVA LIMA objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
A r. sentença (ID 47631469) julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer o labor rural no período de 08/07/1965 a 29/02/1988, que somado aos períodos urbanos comprovados nos autos e aos recolhimentos como facultativo, totalizam 29 anos, 06 meses e 14 dias, condenando a autarquia a conceder o benefício, a partir da data do requerimento administrativo (10/07/2013), acrescidas as parcelas em atraso de correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre as prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C.STJ.
Em razões recursais de ID 47631472, a autarquia previdenciária pugna, preliminarmente, pelo sobrestamento do feito até o julgamento final do Tema 810 em repercussão e a modulação dos efeitos da decisão. No mérito, requer a reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a não comprovação do exercício de atividade rural no período necessário à concessão do benefício. Sustenta a impossibilidade de que o trabalho rural remoto seja computado para fins de carência. Subsidiariamente, postula a alteração da forma de incidência da correção monetária e dos juros de mora.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 47631478).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002866-93.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DA SILVA LIMA
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO MUNHOZ DA CUNHA - SP379269-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DO SOBRESTAMENTO DO FEITO – TEMA 810/STF
Inicialmente, quanto ao pedido de suspensão do feito até o julgamento definitivo, pelo Supremo Tribunal Federal, do Tema 810 em repercussão geral, observo que o Plenário da Suprema Corte, em 03/10/2019, concluiu o julgamento do RE 870.947, em que se discutem os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública, tendo tal decisão transitado em julgado em 03/03/2020.
Dessa maneira, resta prejudicado o pedido de sobrestamento do feito.
DA APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA
Postula a parte autora a concessão de aposentadoria por idade, na forma híbrida (ou mista), prevista no artigo 48, §§3º e 4º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
(...)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)"
O texto legal não faz distinção acerca da natureza da atividade a ser exercida pelo segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.
Nesse contexto, o Eg. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.407.613, sob a sistemática dos recursos repetitivos, adotou o entendimento no sentido de que o segurado pode somar ou mesclar os tempos para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade híbrida (STJ, Segunda Turma, Recurso Especial - 1407613, Rel. Herman Benjamin, j. em 14.10.2014, DJE Data:28.11.2014).
Quanto ao trabalho rural remoto, exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese, com trânsito em julgado em 05/04/2021 (Tema 1007):
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Conclui-se, portanto, que o segurado que exerceu atividade rural e urbana poderá se aposentar por idade, na forma híbrida, desde que preenchidos os requisitos etário (65 anos para homem e 60 anos para mulher) e de carência, na forma do decidido no Tema Repetitivo 1007.
CARÊNCIA
Para o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, a carência deve observar a tabela progressiva do artigo 142 da Lei Federal nº. 8.213/91.
Para os que ingressaram posteriormente à edição da Lei de Benefícios ou implementaram o requisito etário após 31/12/2.010, a carência será de 180 meses, a teor do que dispõe o artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991.
Vale ressaltar, ainda, que a lei deu tratamento diferenciado ao trabalhador rural, dispensando-o do recolhimento das contribuições previdenciárias, bastando, tão-somente, a comprovação do exercício da atividade rural pelo número de meses equivalente à carência.
Neste sentido, trago à colação a ementa dos seguintes julgados:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. ATIVIDADE CAMPESINA COMPROVADA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFLITO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. RECURSO ESPECIAL DO PARTICULAR PROVIDO.
1. No caso dos autos, a Corte de origem reformou a sentença, afirmando a necessidade de recolhimento de contribuição para o reconhecimento da aposentadoria rural, ao fundamento de que o autor preencheu o requisito etário após ter passado o prazo de 15 (quinze) anos estabelecido na norma transitória do art. 143 da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 11.718/2008.
2. Tal entendimento, contraria, contudo a jurisprudência desta Corte que é uníssona ao reconhecer que os rurícolas foram dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo, substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola (arts. 26, III e 39, I da Lei 8.213/1991).
3. A norma transitória do art. 143 da Lei 8.213/1991 não prejudica os Segurados Especiais, para os quais há previsão legal específica nos termos do artigo 39, inciso I, da Lei 8.213/1991, que assegura a concessão do benefício de aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo sem que seja exigido o recolhimento das contribuições, bastando a comprovação da atividade campesina.
4. No caso dos autos, a autora completou o requisito etário e o período de labor rural exigido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício da aposentadoria por idade, conforme reconhecido na sentença, impondo-se, assim, a concessão do benefício.
5. Recurso Especial do Particular provido para restaurar a sentença concessiva em todos os seus termos.”
(REsp n. 1.558.242/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.).
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
- Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural. Precedentes do STJ.
- Conjunto probatório suficiente à comprovação de atividade rural no período juridicamente relevante. Benefício devido.
- Fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
- Apelação desprovida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003384-31.2023.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Daldice Maria Santana de Almeida, julgado em 31/08/2023, DJEN DATA: 06/09/2023).
SEGURADO ESPECIAL
Dispõe a Lei n.º 8.213/91 acerca do tema que:
“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeirooutorgados,comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos doinciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a ebdeste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.”
Extrai-se do texto legal, portanto, que a aposentadoria por idade é devida ao segurado especial que comprovar o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, pelo número de meses correspondentes à carência necessária ao se deferimento.
DIARISTA BOIA-FRIA
Segundo entendimento sedimentado pelo C. STJ quanto aos requisitos necessários à obtenção dos benefícios previdenciários, tem-se que o diarista boia-fria equipara-se ao segurado especial. É o que se vê do precedente abaixo citado:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias. 4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.”
(STJ, REsp - Recurso Especial - 1762211 2018.02.18104-5, Relator Ministro Napoleão Nunes Mais Filho - Primeira Turma, DJE DATA:07/12/2018).
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
A definição de regime de economia familiar encontra respaldo no art. 11, §1º, da Lei de Benefícios, o qual estabelece que: “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
Extrai-se do normativo legal ser possível a utilização, pelo segurado especial, de empregados contratados, sendo certo que o §7º do mesmo artigo, limita a sua contratação a prazo determinado. No mesmo sentido, o §8º elenca as atividades que não descaracterizam a condição de segurado especial e, por fim, o §9º dispõe acerca dos rendimentos que podem ser auferidos pelos membros do grupo familiar, sem que reste descaracterizado o regime de subsistência.
REGRA DE TRANSIÇÃO – EC 103/2019
A Emenda Constitucional 103/2013 traz, no seu artigo 18, regra de transição para a concessão da aposentadoria por idade aos segurados filiados ao RGPS até a data da sua entrada em vigor, em 13/12/2019.
Respeitado o direito adquirido, na forma do § 1º do referido dispositivo legal, a idade mínima exigida das mulheres será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, aplicando-se o primeiro acréscimo a partir de janeiro de 2020, até que se atinja 62 (sessenta e dois) anos.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL
Conforme art. 55, §3º, da Lei de benefícios e, nos termos da Súmula de nº 149 do STJ, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
A comprovação do exercício da atividade campesina pelo período correspondente ao da carência exigida deve obedecer ao disposto no art. 106, e suas alterações, da Lei nº 8.213/91.
Entretanto, o rol inserto no referido artigo não é exaustivo (STJ, AgInt no AREsp n. 1.372.590/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 28/3/2019), cabendo ao Juízo, com respaldo no princípio do livre convencimento motivado, valer-se de documentos para além dos ali elencados.
Ademais, considerando as precárias condições de trabalho dos lavradores, bem como as dificuldade na obtenção das provas materiais de seu labor, o C. STJ, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR (Tema nº 554), realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, amenizou a exigência da prova, admitindo-se o início de prova material sobre parte do lapso temporal requerido, desde que corroborado por prova testemunhal robusta.
Impende observar, ainda, que não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003274-32.2023.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Inês Virginia Prado Soares, julgado em 10/08/2023, DJEN DATA: 17/08/2023).
No mesmo sentido, os documentos considerados como início de prova material devem ser contemporâneos ao lapso que se pretende ver reconhecido, vale dizer, devem ter sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Destaco, também, que o C. STJ, no julgamento do REsp n.º 1.348.633/SP, do REsp n.º 1.348.130/SP e do REsp n.º1.348.382/SP, submetidos ao regime dos recursos repetitivos (Tema n.º 638), firmou a seguinte tese: “Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório.”.
Neste sentido é a ementa do julgado (REsp n.º 1.348.633/SP):
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.”
(REsp n. 1.348.633/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/8/2013, DJe de 5/12/2014).
Assim, possível o reconhecimento da atividade campesina do segurado anteriormente ao documento mais antigo, desde que devidamente amparado por prova oral convincente.
Vale dizer, ainda, que a jurisprudência desta E. Corte é firme no sentido de ser possível o reconhecimento da atividade rural a partir dos 12 anos de idade, conforme se verifica da ementa do seguinte julgado:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. DESDE OS 12 ANOS DE IDADE.
(...)
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
(...)
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural desde os 12 (doze) anos de idade da parte autora, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida.”
(9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5081318-36.2021.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Daldice Maria Santana de Almeida, julgado em 22/07/2021, DJEN DATA: 29/07/2021)
No tocante à certidão de casamento ou outros assentamentos civis em que restar consignado a profissão de agricultor ou lavrador da parte autora ou de seu cônjuge, tenho que constituem início de prova material da referida atividade rural.
Por sua vez, no que tange à extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou convivente, bem como da filha solteira residente na casa paterna, é pacífico o entendimento dos Tribunais no sentido de sua aceitação, dada a vulnerabilidade e as difíceis condições enfrentadas pelo trabalhador rural.
Neste sentido, trago a ementa do julgado proferido por esta Turma:
“PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ARTIGO 48, §§1º E 2º DA LEI Nº 8.213/91. REQUISITOS SATISFEITOS. COMPROVAÇÃO.
(...)
8. Dúvidas não subsistem sobre a possibilidade de extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro constante de documento apresentado, para fins de comprovação da atividade campesina, que indique, por exemplo, o marido como trabalhador rural (STJ, 3ª Seção, EREsp 1171565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015), especialmente quando houver documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, caso em que se deve considerar todo o acervo probatório.
(...)
16. Recurso desprovido, condenando o INSS ao pagamento de honorários recursais, na forma delineada. De ofício, alterados os critérios de juros de mora e correção monetária.”
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001786-76.2022.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Inês Virginia Prado Soares, julgado em 27/04/2022, Intimação via sistema DATA: 06/05/2022)
CTPS. MERAS IRREGULARIDADES.
No que se refere às anotações efetuadas em CTPS, ainda que ausentes do CNIS, ressalto que constituem prova do período nela anotado e que gozam de presunção de veracidade relativa, cabendo ao INSS demonstrar eventual irregularidades para desconsiderá-las.
Vale dizer que, compete à Autarquia, ante qualquer dúvida acerca da validade da anotação, produzir prova hábil a invalidá-la, não bastando à tanto a mera alegação de irregularidade nas anotações. Nesse sentido, o precedente da Jurisprudência específica da Sétima Turma: ApCiv 5002592-77.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Marcelo Vieira de Campos, julgado em 05/07/2023, DJEN DATA: 10/07/2023)
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do méritorecursal.
A parte autora completou 60 anos em 08/07/2013.
De acordo com o disposto no artigo 142 da Lei de Benefícios, a carência exigida corresponde a 180 meses.
Para comprovar o exercício de atividade rural reconhecida na sentença, no período de 08/07/1965 a 29/02/1988, juntou aos autos os seguintes documentos, os quais passo a examinar:
- Certidão de casamento, realizado em 1971, em que seu marido está qualificado profissionalmente como lavrador (ID 47630516 - Pág. 1);
- Certidões de nascimento dos filhos da autora, em 1972, 1979 e 1981, em que seu marido foi qualificado como lavrador (ID 47630516 - Pág. 3/5);
- Matrícula de imóveis rurais, do qual consta que o pai da autora qualificou-se como agricultor/lavrador à época em que referidos bens foram adquiridos e vendidos, nos anos de 1977, 1981 e 1991 (ID 47630509 - Pág. 16/27).
Desta feita, os documentos mencionados constituem início de prova material da atividade rural da parte autora e foram corroborados em parte pela prova testemunhal, coesa e harmônica, colhida em 22/04/2018 (id 47631464).
A testemunha Francolino Feliciano Neto afirmou, em síntese, que conheceu a autora desde 1976, pois eram “vizinhos de sítio” em Moreira Sales. Cada um trabalhava nos sítios de seus pais, sendo que na época a autora já era casada e tinha filhos. A autora trabalhava na lavoura branca de milho, algodão, arroz, feijão, dentre outros, no sítio de seu pai, que tinha cerca de 3,5 alqueires. O sítio do pai da testemunha plantava café. A lavoura na região era manual. Relatou que mesmo quando a testemunha se afastou da região, a autora permaneceu morando e trabalhando na roça, sendo que posteriormente soube que a autora e seu marido se mudaram pela região, tendo permanecido no labor rural até por volta de 1988 (ID 47631466).
A testemunha Nelson Rufino da Silva, por seu turno, alegou conhecer a autora desde 1978, da região de Moreira Sales, quando ela tocava lavoura branca, juntamente com seu marido, na propriedade de seu pai, que tinha por volta de 3,5 a 4 alqueires. Plantavam feijão, amendoim, milho, de tudo um pouco. A testemunha também afirmou que à época exercia atividade rural e se encontravam eventualmente no campo de futebol e no armazém. Não chegou a presenciar a autora e seu marido efetivamente trabalhando na roça, mas era do seu conhecimento que essa a atividade por eles desenvolvida. A testemunha permaneceu na região até por volta de 1989, época em que a autora já havia se mudado para a cidade de Indaiatuba e passou a trabalhar na cidade (ID 47631467).
Portanto, analisando-se a prova colhida, conclui-se que ela se mostra apta a comprovar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, apenas a partir do ano de 1976, quando a testemunha Francolino relatou ter conhecido a autora. Note-se que as testemunhas ouvidas relataram que quando a conheceram, a autora já era casada, não podendo informar quanto ao trabalho anterior.
Assim sendo, o início de prova material apresentado, corroborado por robusta e coesa prova testemunhal, comprova a atividade campesina exercida pela parte autora no período de 01/01/1976 a 29/02/1988.
A soma do período rural reconhecido aos períodos anotados em CTPS e às contribuições constantes do CNIS (ID 47630511) é suficiente para o cumprimento da carência legal exigida, consoante planilha anexa .
Presentes os requisitos legais, de rigor a concessão da aposentadoria híbrida por idade.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.
Neste sentido:
“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º -F DA LEI 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960.2009. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TEMA 810 DO STF. APLICAÇÃO DO INPC, DE OFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública.
3. Agravo interno não provido. Aplicação, de ofício, do entendimento exarado no RE 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, quanto à correção monetária nas ações previdenciárias.”
(AgRg no REsp n. 1.255.604/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 18/6/2020.)
Assim, as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar, dou parcial provimento ao apelo do INSS para limitar o reconhecimento da atividade rural ao período de 01/01/1976 a 29/02/1988, mantida a concessão do benefício e, de ofício, determino que a correção monetária e os juros de mora obedeçam aos critérios especificados na fundamentação supra.
É como voto.
QUADRO CONTRIBUTIVO
| Data de Nascimento | 08/07/1953 |
|---|---|
| Sexo | Feminino |
| DER | 10/07/2013 |
| Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
| 1 | (Rural - segurado especial) | 01/01/1976 | 29/02/1988 | 1.00 | 12 anos, 2 meses e 0 dias | 146 |
| 2 | - | 02/05/1991 | 03/08/1992 | 1.00 | 1 ano, 3 meses e 2 dias | 16 |
| 3 | - | 01/02/2007 | 09/11/2011 | 1.00 | 4 anos, 9 meses e 9 dias | 58 |
| 4 | 01/09/2012 | 10/07/2013 | 1.00 | 0 anos, 10 meses e 10 dias | 11 |
| Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade |
| Até a DER (10/07/2013) | 19 anos, 0 meses e 21 dias | 231 | 60 anos, 0 meses e 2 dias |
- Aposentadoria por idade
Em 10/07/2013 (DER), a segurada tem direito adquirido à aposentadoria por idade híbrida do art. 48, §3º, da Lei 8.213/91, porque cumpre a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e a idade mínima 60 anos, para mulher, com o coeficiente de 89% (Lei 8.213/91, art. 50). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso (Lei 9.876/99, art. 7º).
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. TRABALHO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL HARMÔNICA. CARÊNCIA. IDADE IMPLEMENTADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA.
- Prejudicado o pedido de suspensão do feito até o julgamento definitivo, pelo Supremo Tribunal Federal, do Tema 810 em repercussão geral, uma vez que o Plenário da Suprema Corte, em 03/10/2019, concluiu o julgamento do RE 870.947, em que se discutem os índices de correção monetária e os juros de mora a serem aplicados nos casos de condenações impostas contra a Fazenda Pública, tendo tal decisão transitado em julgado em 03/03/2020.
- O artigo 48, §§ 3º e 4º da Lei n.º 8213, de 24 de julho de 1991 dispõe que, para a obtenção da aposentadoria por idade, é necessário que o homem tenha completado 65 anos e a mulher, 60 anos.
- O artigo 142 do mesmo diploma legal traz em seu bojo a tabela relativa à carência, considerando-se o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à concessão da benesse.
- A lei deu tratamento diferenciado ao trabalhador rural, dispensando-o do período de carência por meio do recolhimento das contribuições previdenciárias, bastando, tão-somente, a comprovação do exercício da atividade rural pelo número de meses previsto na tabela progressiva do art. 142 da Lei de Benefícios.
- O art. 11, VII, da Lei de Benefícios contempla os segurados especiais.
- A definição de regime de economia familiar encontra respaldo no §1º do mesmo artigo, o qual estabelece que: “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”.
- No tocante aos requisitos necessários à concessão dos benefícios previdenciários, o C. STJ alicerçou entendimento no sentido de equiparar o diarista boia-fria ao segurado especial, bem como quando do julgamento do REsp nº 1.407.613, sob a sistemática dos recursos repetitivos, adotou o entendimento no sentido de que o segurado pode somar ou mesclar os tempos urbano e rural para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade híbrida (STJ, Segunda Turma, Recurso Especial - 1407613, Rel. Herman Benjamin, j. em 14.10.2014, DJE Data:28.11.2014).
- O C. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema nº 1007), também firmou entendimento no seguinte sentido: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo".
- Assim, o segurado que exerceu atividade rural e urbana poderá se aposentar por idade, na forma híbrida, desde que preenchidos os requisitos etário (65 anos para homem e 60 anos para mulher) e de carência, na forma do decidido no Tema Repetitivo 1007.
- Para a comprovação da atividade rural, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental, conforme art. 55, §3º, da Lei de benefícios e, nos termos da Súmula de nº 149 do STJ.
- A parte autora completou 60 anos em 2013. De acordo com o disposto no artigo 142 da LB, a carência exigida corresponde a 180 meses.
- A prova documental acostada aos autos comprova o desempenho da atividade rural alegada.
- O início de prova material da atividade rural da parte autora foi corroborado em parte por prova testemunhal coesa e harmônica.
- Requisitos preenchidos. Benefício deferido.
- As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente provida. Consectários alterados de ofício.
