
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021391-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARLY NEIVA
Advogado do(a) APELADO: PAULA RENATA SEVERINO AZEVEDO - SP264334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021391-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARLY NEIVA
Advogado do(a) APELADO: PAULA RENATA SEVERINO AZEVEDO - SP264334-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por idade, com pedido de antecipação de tutela.
A sentença julgou procedente o pedido para condenar o INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por idade, a partir do requerimento administrativo, acrescido de juros de mora nos termos da Lei nº 11.960/2009, e de correção monetária de acordo com o IPCA-E. Os honorários advocatícios foram fixados em 10%, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Dispensado o reexame necessário, nos termos do §2º do artigo 475 do CPC/73.
A parte autora opôs embargos de declaração requerendo a tutela de urgência, mas foram rejeitados.
A parte autora requereu, novamente, a tutela de urgência, mas seu pedido foi indeferido.
O INSS apelou sustentando que os períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença não são computáveis para fins de carência, requerendo a improcedência da ação. Caso mantida a condenação, requer que a correção monetária seja fixada de acordo com a TR até 09/2017 ou, subsidiariamente, até 25/03/15, e que os honorários de advogado sejam fixados no valor mínimo legal, nos termos da Súmula 111 do STJ.
A parte autora apresentou contrarrazões e peticionou requerendo, novamente, a concessão da tutela de urgência.
Após, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0021391-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ARLY NEIVA
Advogado do(a) APELADO: PAULA RENATA SEVERINO AZEVEDO - SP264334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O art. 48 da Lei nº 8.213/91 dispõe que a aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
Em relação à carência, são exigidas 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II da Lei de Benefícios).
No caso de segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, deve ser considerada a tabela progressiva inserta no art. 142 da Lei de Benefícios. Anoto, ainda, a desnecessidade de o trabalhador estar filiado na data de publicação daquela lei, bastando que seu primeiro vínculo empregatício, ou contribuição, seja anterior a ela.
Por sua vez, o art. 102 da mencionada norma prevê, em seu § 1º, que "a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos".
Assim, dúvida não há em relação ao direito daqueles que, ao pleitearem a aposentadoria por idade, demonstram o cumprimento da carência e do requisito etário antes de deixarem de contribuir à Previdência.
No entanto, havia entendimentos divergentes quanto à necessidade de as condições exigidas à concessão do benefício serem implementadas simultaneamente.
Solucionando tal questão, o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/03 passou a prever que "na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício".
Portanto, o legislador entendeu que não perde o direito ao benefício aquele que tenha contribuído pelo número de meses exigido e venha a completar a idade necessária quando já tenha perdido a qualidade de segurado (STJ, EDRESP 776110, Rel. Min. Og Fernandes, j. 10/03/2010, v.u., DJE 22/03/2010).
Conforme prevê o art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, para o reconhecimento do labor urbano é necessário início de prova material corroborado por prova testemunhal (STJ, 5ª Turma, Ministro Adilson Vieira Macabu (Des. Conv. TJ/RJ), AgRg no REsp 1157387, j. 31/05/2011, DJe 20/06/2011).
No entanto, também é possível a utilização da prova material desacompanhada de prova testemunhal, desde que robusta e apta a demonstrar todo o período que se deseja comprovar, como as anotações em CTPS, por exemplo, que possuem presunção juris tantum de veracidade, admitindo prova em contrário.
Ressalte-se, ainda, que os documentos em questão devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Com efeito, antes da Lei nº 5.859/72 a empregada doméstica não era considerada segurada obrigatória da Previdência Social.
Somente com a edição da lei supracitada é que foram assegurados à doméstica os benefícios da previdência, nos seguintes termos:
"Art. 4º - Aos empregados domésticos são assegurados os benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados obrigatórios."
Para o custeio de tais benefícios foram estabelecidas contribuições a cargo do empregador e do empregado. É o que dispõe o artigo 5º da Lei nº 5.859/72:
"Art. 5º - Os recursos para o custeio do plano de prestações provirão das contribuições abaixo, a serem recolhidas pelo empregador até o último dia do mês seguinte àquele a que se referirem e incidentes sobre o valor do salário-mínimo da região:
I - 8% (oito por cento) do empregador;
II - 8% (oito por cento) do empregado doméstico."
Em outras palavras, antes da vigência da citada lei, não havia fonte de custeio para o pagamento de benefícios previdenciários aos empregados domésticos, não estando eles protegidos pelo sistema previdenciário.
Após a edição da Lei nº 5.859/72 a doméstica passou a ser segurado obrigatório, sendo indispensável o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, a cargo do empregador, para que o tempo laborado seja computado para efeito de carência.
Resta, portanto, verificar se houve cumprimento do requisito etário e o da carência.
A parte autora inscreveu-se no regime da previdência após a vigência da lei nº 8.213/91. Portanto, quanto ao requisito da carência, há que ser aplicado o disposto no artigo 25, II, da Lei nº 8.213/91 (180 meses).
Implementou o requisito etário em 27/09/2011.
Para comprovar as suas alegações, a autora apresentou: I) cópia da sua CTPS, na qual constam registros como doméstica de 01/06/2011 a 01/03/2012, e de 09/09/2005, sem data de saída; II) extratos do CNIS; III) declarações de ex-empregadores; IV) termo de audiência realizada em 24/08/2012, na qual foi proferida sentença que reconheceu o vínculo de 09/09/2005 a 20/03/2011, como empregada doméstica.
A anotação em CTPS constitui prova do período nela anotado, merecendo presunção relativa de veracidade. Pode, assim, ser afastada com apresentação de prova em contrário, ou demandar complementação em caso de suspeita de adulteração, a critério do Juízo.
A simples alegação de irregularidade nas anotações constantes da CPTS não é suficiente para desconsiderá-las. Caberia à autarquia comprovar a existência de fraude ou falsidade, o que não ocorreu.
A sentença proferida no âmbito da Justiça do Trabalho não configura prova absoluta do exercício da atividade laboral, mas apenas início de prova, devendo ser analisada em consonância com o restante do conjunto probatório carreado aos autos.
Nos casos em que a ação trabalhista se encerra em razão de homologação de acordo entre as partes, sem que tenha havido sequer discussão da controvérsia em juízo, ou ainda após reclamação proposta muitos anos após o encerramento do vínculo empregatício, tal sentença tem sua força probante diminuída, eis que, em muitos casos, tal procedimento serve tão somente como instrumento de simulação de vínculo trabalhista por meio da utilização da Justiça do Trabalho.
Nem o INSS, nem o Judiciário Federal, devem ser obrigados a acolher sem ressalvas esse tipo de documento, uma vez que se assemelha a uma mera declaração do empregador, apenas com a diferença de ter a homologação de um juiz.
É de se atentar, inclusive, para as dificuldades decorrentes das hipóteses em que na sentença constar expressamente determinação para regularização dos recolhimentos previdenciários, tendo em vista a não participação do INSS no conflito.
Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL. SENTENÇA TRABALHISTA MERAMENTE HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. IMPRESTABILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO INÍCIO DE PROVA MATERIAL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ.
1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária.
2. Na espécie, ao que se tem dos autos, a sentença trabalhista está fundada apenas nos depoimentos das partes, motivo pelo qual não se revela possível a sua consideração como início de prova material para fins de reconhecimento da qualidade de segurado do instituidor do benefício e, por conseguinte, como direito da parte autora à pensão por morte.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1405520/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 12/11/2019)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. SENTENÇA TRABALHISTA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. UTILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está firmada no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária. Precedentes: AgInt no AREsp 529.963/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28.2.2019; REsp 1.758.094/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamim, Segunda Turma, DJe 17.12.2018; e AgInt no AREsp 688.117/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 11.12.2017.
2. O Tribunal a quo reconheceu a qualidade de segurado do instituidor da pensão, com base na "sentença homologatória de acordo realizado em sede de Reclamação Trabalhista (fl. 110), em que foi reconhecida a relação de emprego entre o de cujus e a empresa DIVIPISO COMÉRCIO DE DIVISÓRIAS FORROS E PISOS LTDA-ME., no período de 03/05/2004 a 17/11/2005, na função de montador" (fl. 278, e-STJ)
3. Na espécie, ao que se tem dos autos, a sentença judicial trabalhista só homologou os termos de acordo entre as partes, para o reconhecimento de vínculo laboral do trabalhador já falecido, sem nenhuma incursão em matéria probatória.
4. Assim, inexistindo, quer naqueles autos da Justiça Especializada, quer nos da Justiça Federal, a produção de prova documental ou mesmo testemunhal, para se reconhecer o período de tempo em que o falecido teria trabalhado para a empresa firmatária do acordo, a sentença homologatória trabalhista é insuficiente, no caso, para embasar a pensão por morte aos dependentes do segurado.
5. Recurso Especial provido.
(REsp 1760216/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 23/04/2019)
Acresça-se que, em julgamento ocorrido em 17/08/16, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu que a ação reclamatória trabalhista será válida como início de prova material em duas situações: quando for fundamentada em documentos que comprovem o exercício da atividade na função com os períodos alegados, satisfatoriamente complementado por prova testemunhal; e quando o seu ajuizamento seja contemporâneo ao término do pacto laboral (Processo nº 2012.50.50.002501-9).
Comprovado o vínculo empregatício, o empregado não pode ser penalizado pela ausência de registro em CTPS, que deveria ter sido feito em época oportuna, e muito menos pela ausência das contribuições respectivas ou seu recolhimento a menor, quando não deu causa, competindo ao empregador a arrecadação e o recolhimento das contribuições aos cofres públicos, a teor do artigo 30, inciso I, "a" e "b" da Lei 8.212/91, bem como art. 276 do Decreto nº 3.048/99 e ao Instituto Nacional da Seguridade Social a arrecadação e fiscalização.
Consta dos extratos do CNIS que a autora recebeu auxílio-doença de 29/10/96 a 08/01/98, 01/09/98 a 31/01/99, 01/08/2000 a 29/01/2003 e 12/09/2016 a 31/01/2017, e efetuou recolhimentos de 01/04/94 a 31/10/96, 01/04/99 a 31/07/2000, 01/01/2003 a 31/01/2003, 01/12/2003 a 31/12/2003, 01/01/2005 a 31/10/2010, 01/06/2011 a 29/02/2012, 01/09/2013 a 30/09/2014, 01/02/2016 a 30/06/2016, 01/07/16 a 31/07/16, 01/08/16 a 31/08/16 e 01/02/2017 a 28/02/2017.
De acordo com o disposto no artigo 29, § 5º, da Lei nº 8.213/91, os períodos em gozo de auxílio-doença devem ser computados para fins de carência, desde que intercalados com períodos de atividade, em que haja recolhimento de contribuições.
No presente caso, verifica-se que os períodos de fruição do auxílio-doença estão intercalados com períodos contributivos e, portanto, podem ser computados para fins de carência. (STJ - Segunda Turma, Ministro Mauro Campbell Marques, DJE 02/05/2014).
Assim, somados os períodos constantes da CTPS apresentada com os períodos nos quais a autora recebeu auxílio-doença, mais os períodos (não concomitantes) nos quais efetuou recolhimentos, observa-se que foi cumprida a carência necessária para a concessão do benefício pleiteado.
Devida, portanto, a aposentadoria por idade, nos termos do art. 48 e seguintes da Lei de Benefícios, com renda mensal inicial nos moldes do art. 29, I, do mesmo diploma legal.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no REsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito nos termos da fundamentação, nego provimento à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença.
Por fim, considerando o caráter alimentar das prestações reclamadas e que os recursos aos Tribunais Superiores não são dotados de efeito suspensivo (art. 995 CPC/2015), determino, com apoio nos artigos 300 e 497 do CPC/2015, a imediata implantação do benefício de aposentadoria por idade, com data de início - DIB em 02/03/2017, e renda mensal inicial - RMI nos moldes do art. 29, I, da Lei nº 8.213/91.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODOS EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA, DESDE QUE INTERCALADOS COM PERÍODOS CONTRIBUTIVOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS. TUTELA ANTECIPADA. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
1. Os períodos em gozo de auxílio-doença devem ser computados para fins de carência, desde que intercalados com períodos de atividade, em que haja recolhimento de contribuições. Carência cumprida.
2. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.
3. Prestação de caráter alimentar. Implantação imediata do benefício. Tutela antecipada concedida.
4. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
