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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª TurmaAPELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081691-33.2022.4.03.9999 RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. MAURICIO KATO APELANTE: LUCILA BENTO DE OLIVEIRA GALI Advogado do(a) APELANTE: MARCELO MARTINS DE SOUZA - PR35732-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I OTrata-se de apelação interposta por LUCILA BENTO DE OLIVEIRA GALI em face da r. sentença (Id. 268145624) que, em ação de procedimento comum, julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício no período de 30/04/1971 a 30/07/1982 e a consequente concessão de aposentadoria por idade urbana. Em suas razões recursais (Id. 268145630), a parte autora sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de produção de prova pericial grafotécnica. No mérito, defende que o conjunto probatório dos autos, que inclui documentos e testemunhas, é suficiente para comprovar a existência do vínculo de emprego. Requer, assim, a anulação da sentença para a reabertura da instrução processual e, subsidiariamente, caso superada a preliminar, pugna por sua reforma para que o pedido seja julgado procedente. Devidamente intimado, o INSS não apresentou contrarrazões, conforme certidão de decurso de prazo (Id. 268145637). É o relatório.
V O T OJUÍZO DE ADMISSIBILIDADEA apelação interposta pela parte autora preenche os pressupostos de admissibilidade e, portanto, deve ser conhecida. DO CERCEAMENTO DE DEFESA A recorrente argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, sob o fundamento de que o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de produção de prova pericial grafotécnica. A preliminar não prospera. O juiz é o destinatário da prova, a quem cabe aferir a necessidade de sua produção, nos termos do art. 370 do Código de Processo Civil. O indeferimento de prova pericial não configura cerceamento de defesa quando os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado, ou quando a prova requerida se mostra impertinente ou inútil para o deslinde da causa. No caso concreto, a perícia grafotécnica visava comprovar que a autora realizava os registros nos livros contábeis de uma das empresas clientes do escritório de seu irmão. Contudo, ainda que a perícia atestasse a autoria dos escritos, tal fato, por si só, não seria suficiente para estabelecer o vínculo empregatício com o escritório "VIMABE", pois não comprovaria os requisitos essenciais da relação de emprego, notadamente a subordinação e a onerosidade. Desse modo, a prova requerida não era indispensável ao julgamento do mérito, razão pela qual seu indeferimento não implicou cerceamento de defesa. Rejeito a preliminar. DO MÉRITO RECURSALPara a caracterização do vínculo de emprego, é necessária a presença cumulativa dos requisitos previstos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): pessoalidade na prestação dos serviços, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. Em caso de trabalho prestado no âmbito de entidade familiar, a análise de tais requisitos exige especial atenção, a fim de distinguir a mera colaboração familiar do efetivo contrato de trabalho. O ônus da prova quanto à existência do vínculo empregatício é da parte autora, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC. A autora busca o reconhecimento do vínculo de emprego com o escritório de contabilidade "VIMABE", de propriedade de seu irmão, no período de 30/04/1971 a 30/07/1982. A sentença julgou o pedido improcedente por insuficiência de provas, e a decisão deve ser mantida. O conjunto probatório apresentado é frágil e não se desincumbe do ônus de comprovar a existência da relação de emprego. A prova documental apresentada como início de prova material é precária. Os livros de inventário da empresa "Campanari Pelegrin" (Ids. 268145360 a 268145444) não fazem qualquer menção ao escritório "VIMABE" e, portanto, não estabelecem o liame necessário para a análise. A declaração do irmão da autora (Id. 268145447, p. 2) é um documento unilateral, produzido no âmbito familiar, e se refere apenas ao ano de 1972, sendo insuficiente para provar o longo período de mais de onze anos alegado. A fotografia (Id. 268145353) é genérica e não permite identificar as pessoas, o local ou a data do registro. Da mesma forma, a declaração de que a autora cursava o período noturno (Id. 268145447, p. 1) é pontual, referente apenas ao ano de 1972, e, embora indique disponibilidade de tempo, não comprova, por si só, a existência de um contrato de trabalho formal. Ademais, a certidão de casamento da autora, lavrada em 30/12/1978 (Id. 268145569), ou seja, dentro do período que se pretende reconhecer, qualifica sua profissão como "professora". Tal documento público constitui forte elemento de prova contrário à tese de que exercia, à época, a função de empregada em escritório de contabilidade. A prova testemunhal, por sua vez, também não socorre a autora. Conforme se extrai da síntese contida na própria sentença e no termo de audiência (Id. 268145616), o depoimento da testemunha Antonio Marcos Basso, para o período de 1974 a 1978, descreve uma rotina de trabalho informal, com jornada aparentemente flexível e parcial. Tal descrição é mais condizente com uma colaboração de natureza familiar do que com um contrato de trabalho formal, que exige jornada fixa e subordinação jurídica bem definidas. Ausentes provas seguras da onerosidade (não há recibos de pagamento ou qualquer outro documento que ateste o recebimento de salário) e da subordinação, requisitos essenciais para a configuração do vínculo empregatício, a manutenção da sentença de improcedência é medida que se impõe. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOSMantida a condenação da parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no patamar definido na sentença, com a exigibilidade suspensa em razão da gratuidade de justiça. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora. É o voto. E M E N T AEmenta: PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. EMPRESA FAMILIAR. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. I. Caso em exame Recurso de apelação interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício em escritório de contabilidade de propriedade de seu irmão, no período de 1971 a 1982, para fins de concessão de aposentadoria por idade. II. Questão em discussão A controvérsia recursal abrange duas questões: a) em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial grafotécnica; e b) no mérito, a suficiência do conjunto probatório para a caracterização do vínculo de emprego em âmbito familiar. III. Razões de decidir Não há cerceamento de defesa no indeferimento de prova pericial quando esta se mostra inútil para o deslinde da causa. A comprovação de que a autora realizava registros contábeis, por si só, não seria suficiente para demonstrar a existência de subordinação e onerosidade, requisitos essenciais do vínculo empregatício. O ônus de provar a relação de emprego é da parte autora. No caso de trabalho prestado em empresa familiar, a prova deve ser robusta para afastar a presunção de mera colaboração. O conjunto probatório é frágil e insuficiente. A prova documental é precária e contraditada por certidão de casamento contemporânea aos fatos, na qual a autora se declara "professora". A prova testemunhal descreve rotina de trabalho informal e não comprova os requisitos da onerosidade e da subordinação jurídica. IV. DispositivoApelação da parte autora desprovida. A C Ó R D Ã OVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal |
