
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000603-02.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LENICI MEDEIROS QUEIROZ
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000603-02.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LENICI MEDEIROS QUEIROZ
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
A sentença julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural à parte autora, a partir da data do requerimento administrativo (28/05/2021). Determinou que a correção monetária e os juros de mora incidirão conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal, observados os parâmetros definidos no julgamento do Recurso Extraordinário 870.947 (tema 810 do STF) até a data de 08/12/2021, e que após deverá ser observada a disposição contida na EC n. 113/2021. Condenou o Instituto requerido ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas e não pagas até a sentença, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Dispensado o reexame necessário, nos termos do §3º do artigo 496 do CPC/15.
O INSS apelou, sustentando que não restou comprovada a carência exigida e tampouco o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, em período imediatamente anterior ao requerimento, a impossibilidade de aproveitamento dos documentos em nome do marido, e que o fato de ele receber aposentadoria por invalidez, desde 1987, impede a concessão do beneficio pleiteado, pedindo a improcedência da ação. Caso mantida a condenação, requer que: A) a correção monetária e os juros sejam fixados de acordo com a SELIC; B) que o termo inicial do benefício seja fixado na data da citação; C) o prequestionamento da matéria; D) o reconhecimento da prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91; E) o percentual arbitrado para pagamento dos honorários advocatícios se limite a 10% e incida apenas sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ; F) seja afastada a previsão de incidência de multa diária ou, ainda, seja ela arbitrada em 1/30 do valor do benefício, a incidir caso decorrido o prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis contados da remessa dos autos (em diligência) ao setor administrativo do INSS, e seja limitada a 30 dias-multa; G) seja vedada a desaposentação.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000603-02.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LENICI MEDEIROS QUEIROZ
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a prescrição não corre durante o curso do processo administrativo e que a ação foi ajuizada dentro do prazo de 5 anos contado do seu término, não se pode falar em prescrição quinquenal (art. 103, § único, Lei 8.213/91).
Com efeito, consoante o disposto no artigo 48, § 1º da Lei n.º 8213, de 24 de julho de 1991, para a obtenção da aposentadoria rural por idade, é necessário que o homem tenha completado 60 anos e a mulher, 55 anos.
No artigo 142 da mencionada lei consta uma tabela relativa à carência, considerando-se o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
Por sua vez, o artigo 143 do mesmo diploma legal, com redação determinada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, estabelece que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
A Lei nº 11.718/2008 prorrogou o termo final do prazo para 31 de dezembro de 2010, aplicando-se esta disposição, inclusive, para o trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego (art. 2º, caput e parágrafo único).
Observe-se que após o período a que se referem esses dispositivos, além do requisito etário, será necessário o cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que dispõe o artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991.
O legislador, para promover esta transição ao sistema contributivo, possibilitou ao empregado rural e contribuinte individual, na concessão da aposentadoria por idade, para efeito de carência, que cada mês comprovado de emprego, de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, seja multiplicado por 3, limitado a 12 dentro do mesmo ano e no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, que cada mês de emprego seja multiplicado por 2, limitado a 12 meses dentro do mesmo ano.
Assim, para os empregados rurais (boias-frias/volantes), o exercício de atividade rural será computado para efeito de carência nos moldes do art. 143 da Lei de Benefícios, até 31/12/2010. Após esta data, se não atingido o número de meses necessário, deverá atender ao art. 3º, incisos II e III, da Lei nº 11.718/2008.
Ressalte-se que o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1.354.908/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de exigir que o segurado especial esteja laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, tenha preenchido de forma concomitante os requisitos no passado.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO.
REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)
Conclui-se, portanto, que para a concessão da aposentadoria por idade rural são necessários os requisitos: idade mínima e prova do exercício da atividade laborativa pelo período previsto em lei, no período imediatamente anterior ao que o segurado completa a idade mínima para se aposentar.
Nos termos da Súmula de nº 149 do STJ, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de início razoável de prova documental: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
A idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação pessoal da autora, nascida em 02/03/66.
Para comprovar as suas alegações, a autora apresentou:
- certidão de casamento, realizado em 26/05/1981, na qual não consta a sua qualificação profissional e nem a do marido;
- certidão de exercício da atividade rural, expedida pela Funai, na qual consta que ela (não indígena) e o marido (indígena) exerceram atividade em regime de economia familiar de 04/07/1981 a 20/12/2022;
- declaração de residência, na qual consta que a autora, não indígena, casada com o indígena Humberto Silva de Queiroz, reside com ele e 4 (quatro) filhos na Aldeia Ipegue, casa nº 368, e exerce atividade rural em regime de subsistência desde 1981.
É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira.
Apesar de não constar na certidão de casamento relacionada a qualificação da autora e nem a de Humberto Silva de Queiroz, tal documento serve para comprovar a união entre eles, desde 1981.
Os documentos da FUNAI servem como início de prova material da atividade rural da autora, em regime de economia familiar.
Na audiência realizada em 16/08/2023, a testemunha Edite Lulu declarou que a autora mora com o marido, Humberto, na aldeia Ipegue, e que eles trabalham juntos na lavoura de mandioca, melancia, feijão e banana para consumo e venda. Informou, ainda, que sabe que a autora possui uma filha, que não vive com eles.
A testemunha Rose Lulu Alves Arruda declarou que conhece a autora da Aldeia Ipegue há pelo menos 20 (vinte) anos, que ela mora com o marido (Humberto), e que eles trabalham juntos na lavoura de mandioca, abóbora, maxixe e feijão, para consumo e venda. Relatou que o marido da autora é aposentado. Informou, ainda, que sabe que a autora possui uma filha, que não vive com eles.
Portanto, os depoimentos são harmônicos e suficientes para comprovar a atividade rural do autor pelo período exigido em lei.
Apesar de constar dos extratos do CNIS que marido da autora recebe aposentadoria por invalidez, desde 1987, entendo que não restou descaracterizado o regime de economia familiar, tendo em vista que também consta de tal cadastro que o marido possui apenas vínculos urbanos de curto período, tendo restado configurada a atividade em regime familiar, de subsistência, de acordo com os documentos apresentados e testemunhas ouvidas.
Considerando-se que o conjunto probatório comprovou a atividade rural, deve ser mantida a concessão do benefício.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo (28/05/2021 – ID 286356356 - Pág. 24), uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então.
As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.2, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial, conforme a sentença recorrida.
A questão da multa diária deve ser analisada na fase de execução de sentença, quando será avaliada a sua real necessidade.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. Considerando que a prescrição não corre durante o curso do processo administrativo e que a ação foi ajuizada dentro do prazo de 5 anos contado do seu término, não se pode falar em prescrição quinquenal.
3. Suficiente o conjunto probatório a demonstrar o exercício da atividade rural.
4. Termo inicial do benefício mantido na data do requerimento administrativo, uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então.
4. As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.2, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação do INSS não provida.
