
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007444-12.2007.4.03.6114
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. MAURICIO KATO
APELANTE: MARIA CELIA MENDES DEL PRETE
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO LUIZ TOZATTO - SP138568-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007444-12.2007.4.03.6114
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. MAURICIO KATO
APELANTE: MARIA CELIA MENDES DEL PRETE
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO LUIZ TOZATTO - SP138568-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta por MARIA CÉLIA MENDES DEL PRETE em face da sentença (ID 90850518) que, em ação de procedimento comum ajuizada em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, julgou improcedente o pedido de restabelecimento de benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez.
A r. sentença fundamentou-se, em síntese, no acolhimento de prejudicial de mérito arguida pela autarquia, ao reconhecer a nulidade do ato de inscrição da autora como contribuinte individual e do recolhimento por ela efetuado em 15 de outubro de 2003.
Entendeu o juízo de 1º grau que, por ser a demandante servidora pública federal desde 1986, vinculada a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), não lhe era permitida a filiação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o que resultaria na ausência de sua qualidade de segurada à época do início da incapacidade.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta, em suma, que a sentença de mérito foi proferida em erro de julgamento. Argumenta que a legislação de regência não veda a filiação de servidor público ao RGPS na qualidade de contribuinte individual, mas tão somente como segurado facultativo e que sua filiação se deu na primeira condição, em razão do exercício concomitante de atividade remunerada como economista autônoma.
Alega que a jurisprudência pátria admite a cumulação de benefícios previdenciários de regimes distintos. Assevera que a tese de má-fé, aventada pelo INSS, não pode ser presumida e não foi comprovada nos autos. Requer, ao final, a reforma integral da sentença para que seja julgado procedente seu pedido.
O INSS, em contrarrazões, pugna pela manutenção da sentença, reiterando a tese de que a contribuição única foi vertida de má-fé, após o diagnóstico de neoplasia maligna, com o exclusivo intuito de obter benefício previdenciário, o que caracterizaria a preexistência da doença e da incapacidade.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007444-12.2007.4.03.6114
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. MAURICIO KATO
APELANTE: MARIA CELIA MENDES DEL PRETE
Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO LUIZ TOZATTO - SP138568-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
Juízo de Admissibilidade
O recurso de apelação é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.
Do Mérito Recursal
A controvérsia devolvida a esta Corte cinge-se a aferir se a autora, servidora pública federal vinculada a regime próprio, faz jus ao restabelecimento de benefício por incapacidade no Regime Geral de Previdência Social, em decorrência de contribuição única vertida na qualidade de contribuinte individual.
A questão preliminar acerca da possibilidade de filiação da servidora pública ao RGPS como contribuinte individual, em razão de atividade laboral concomitante, já foi devidamente superada por acórdão anterior proferido por este Tribunal (ID 90850518) que anulou a primeira sentença extintiva e determinou o retorno dos autos à origem para análise do mérito.
A segunda sentença, ora recorrida, embora adentrando no mérito, julgou o pleito improcedente ao acolher a tese do INSS de preexistência da doença incapacitante e, implicitamente, de má-fé da segurada.
Contudo, a apelação merece provimento.
Da Contribuição Vertida e a Alegação de Preexistência da Incapacidade.
O principal argumento da autarquia para negar o benefício reside na cronologia dos fatos: a autora foi diagnosticada com neoplasia maligna em outubro de 2003 e verteu sua única contribuição como contribuinte individual em 15 de outubro de 2003, o que, segundo o INSS, caracterizaria a preexistência da doença. O argumento, todavia, não se sustenta.
Primeiramente, a contribuição paga em 15 de outubro de 2003 refere-se à competência de setembro de 2003, ou seja, a período anterior ao diagnóstico formal da moléstia. O recolhimento, portanto, foi efetuado dentro do prazo legalmente estabelecido para a respectiva competência, não havendo que se falar em irregularidade formal.
Ademais, a legislação previdenciária, em seus artigos 42, § 2º e 59, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, veda a concessão do benefício quando o segurado, ao se filiar ao Regime Geral, já é portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício. A vedação, contudo, é excepcionada caso a incapacidade sobrevenha por motivo de progressão ou agravamento daquela doença. A jurisprudência pátria é pacífica ao distinguir a doença preexistente da incapacidade preexistente. O que a lei visa coibir é a filiação de pessoa que já se encontra incapacitada para o trabalho.
A mera existência de uma doença, que ainda não evoluiu para uma incapacidade laboral, não obsta a proteção previdenciária. No caso em tela, o INSS não produziu qualquer prova de que a incapacidade da autora para o exercício de suas atividades já estava consolidada no momento de sua refiliação ao RGPS (competência de setembro de 2003).
A autarquia se limita a presumir a incapacidade a partir da data do diagnóstico, presunção esta que não encontra amparo legal e que inverte indevidamente o ônus probatório.
Da Ausência de Comprovação de Má-Fé da Segurada.
A tese de que a contribuição foi vertida de má-fé, com o único propósito de obter o benefício, é uma alegação grave que demanda prova robusta e inequívoca, cujo ônus recai inteiramente sobre a autarquia previdenciária. A má-fé, como cediço, não se presume; prova-se. Os autos carecem de qualquer elemento probatório que demonstre o dolo ou a fraude por parte da segurada.
A mera proximidade temporal entre a contribuição, o diagnóstico e o requerimento do benefício, por si só, não são suficientes para caracterizar a má-fé, sob pena de se instituir um juízo de suspeição que subverteria a presunção de boa-fé que rege as relações jurídicas.
Dos Limites da Cognição Judicial na Seara Previdenciária.
Insiste o INSS em questionar a legitimidade da filiação da autora como contribuinte individual, sugerindo que a atividade de economista não era efetivamente exercida. Tal linha de argumentação, contudo, extrapola os limites da presente lide.
A competência deste juízo previdenciário é para aferir o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício postulado: qualidade de segurado, carência (quando exigível) e incapacidade. A investigação sobre a existência ou não de falsidade ideológica na declaração da atividade laboral que deu ensejo à contribuição é matéria que refoge ao escopo deste processo e demanda, se fosse o caso, apuração em via própria, o que nunca foi provocado pela autarquia.
Da Prescrição da Pretensão Punitiva como Óbice Adicional à Investigação Fática Extensiva.
Ainda que se cogitasse a existência de indícios de fraude, a inércia do INSS em tomar as medidas cabíveis para sua apuração na esfera competente é notória. O benefício foi cessado administrativamente em 2007, há quase duas décadas. A ausência de qualquer notícia nos autos de que a autarquia tenha levado os fatos ao conhecimento das instâncias criminais ou administrativas competentes para uma apuração aprofundada torna altamente provável que qualquer pretensão punitiva do Estado já se encontre fulminada pela prescrição. Tal constatação apenas reforça a impertinência de, no bojo desta ação previdenciária, revolver fatos passados cuja apuração cabia à própria autarquia em momento oportuno.
Diante do exposto, não havendo prova da preexistência da incapacidade laboral, nem da má-fé da segurada e sendo a neoplasia maligna doença que dispensa o cumprimento de carência (art. 151 da Lei 8.213/91), a reforma da sentença é medida que se impõe para reconhecer o direito da autora ao restabelecimento de seu benefício.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora para determinar o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez (NB 516.834.156-6) desde a data da sua indevida cessação (DCB), com o pagamento das parcelas em atraso, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
É como voto.
E M E N T A
Ementa: PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SERVIDORA PÚBLICA. ATIVIDADE CONCOMITANTE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame.
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, sob o fundamento de preexistência da doença incapacitante e irregularidade na filiação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
II. Questão em discussão
A controvérsia cinge-se a aferir se a incapacidade laboral da autora, decorrente de neoplasia maligna, é preexistente à sua refiliação ao RGPS como contribuinte individual, e se a proximidade cronológica entre o diagnóstico da doença e o recolhimento de uma única contribuição configura, por si só, má-fé a obstar a concessão do benefício.
III. Razões de decidir
A legislação previdenciária distingue a preexistência da doença da preexistência da incapacidade, sendo esta última o óbice legal à concessão do benefício. Compete ao INSS o ônus de provar que a incapacidade para o trabalho já estava consolidada no momento da filiação, o que não ocorreu nos autos.
A contribuição referente à competência de setembro de 2003, paga em outubro de 2003, é considerada tempestiva e regular, sendo anterior ao diagnóstico formal da moléstia.
A má-fé não se presume, devendo ser robustamente comprovada pela autarquia. A cronologia dos eventos, por si só, não constitui prova suficiente de fraude ou dolo por parte da segurada.
A apuração de eventual falsidade ideológica quanto à atividade laboral que deu lastro à contribuição como segurada individual extrapola a competência material do juízo previdenciário, que deve se ater à análise dos requisitos para o benefício.
IV. Dispositivo e tese.
Apelação da parte autora provida para determinar o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez desde a data da cessação indevida.
ACÓRDÃO
Desembargador Federal
