
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301703-55.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: MILTON ANTENOR RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: JOAO BERTO JUNIOR - SP260165-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301703-55.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: MILTON ANTENOR RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: JOAO BERTO JUNIOR - SP260165-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em ação ajuizada por ela em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença (ID 139152754), julgou extinto o feito, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Ônus sucumbencial suspenso por ser a parte autora beneficiária da gratuidade da justiça (artigo 98, § 3º, do CPC).
Em razões recursais (ID 139152756), a parte autora requer a reforma da sentença, com a remessa dos autos ao juízo de origem para o devido processamento do feito.
O INSS não apresentou contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5301703-55.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: MILTON ANTENOR RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: JOAO BERTO JUNIOR - SP260165-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
DA AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR
O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito, desde que haja lide a justificar a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade da intervenção judicial).
Desta feita, sedimentou-se o entendimento no sentido da exigência do prévio requerimento na via administrativa como requisito para o ajuizamento de ação relativa à matéria previdenciária, para que fique caracterizado o interesse de agir, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise.
A questão relativa à necessidade de requerimento administrativo para os processos judiciais envolvendo a concessão ou o restabelecimento de benefício previdenciário restou definida pelo C. STF, no julgamento do RE nº 631.240, com repercussão geral reconhecida, o qual estabeleceu, ainda, as regras de transição para as ações distribuídas até 03/09/2014:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.
3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.
4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.
5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.
7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.
8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.".
(STF, Tribunal Pleno, RE 631240 / MG, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 03.09.14, DJe em 10.11.2014).
Assim, houve a modulação dos efeitos da decisão. No caso de demandas ajuizadas anteriormente à 03/09/2014, mesmo na hipótese da ausência de requerimento administrativo, em caso de apresentação, pelo INSS, de contestação de mérito, resta configurado o interesse de agir da parte autora, em razão da pretensão resistida.
Por conseguinte, no caso das demandas ajuizadas após o marco temporal fixado, a ausência de prévio requerimento administrativo configura a ausência de interesse de agir da parte.
O C. STJ reviu sua jurisprudência quando do julgamento do Resp.1.369.834/PI, alinhando seu entendimento ao do C. STF, nos seguintes termos:
“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PROCESSUAL CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR (ART. 3º DO CPC/1973). PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO EXARADO PELO PLENO DO STF NO RE 631.240/MG.
1. Trata-se de debate acerca da necessidade de prévio requerimento administrativo para configurar interesse de agir de segurado que pretenda concessão de benefício previdenciário.
2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou, em 3.9.2014, o Recurso Extraordinário 631.240/MG - relativo à mesma controvérsia verificada no presente caso -, sob o regime da Repercussão Geral (Relator Ministro Roberto Barroso).
3. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.369.834/PI, Relator Ministro Benedito Gonçalves, como representativo da controvérsia, alinhou o entendimento do STJ ao que decidido pelo STF, em julgado que recebeu a seguinte ementa: "1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/9/2014). 2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC. (REsp 1369834/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2014, DJe 02/12/2014)".
4. Recurso Especial parcialmente provido para determinar o retorno dos autos à origem para que sejam observadas as regras de modulação estipuladas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 631.240/MG.”
(REsp n. 1.764.039/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 4/10/2018, DJe de 28/11/2018.)
Esse, inclusive, é o entendimento desta E. Corte:
“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. CERCEAMENTO DE DEFESA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE PREJUDICIAL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. COMPROVAÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I – O fato do autor apresentar novos documentos para a comprovação de tempo de contribuição que não foram apresentados por ocasião do requerimento administrativo, não caracteriza falta de interesse de agir, nem tampouco ausência de requerimento. Destaco que se impunha à Autarquia Federal Previdenciária o dever de orientar o segurado, à época do requerimento administrativo, de todos os documentos necessários à adequada fruição de seu direito.
(...)
XV – Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS improvida. Apelação do autor parcialmente provida.”
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003064-17.2020.4.03.6141, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 23/08/2023, DJEN DATA: 25/08/2023)
No caso dos autos, em 18/12/2017 o autor intentou pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, o qual foi indeferido pelo INSS em 13/07/2018 (ID 139152731).
Ante a negativa autárquica, a parte autora intentou a presente ação em 2019, requerendo a concessão da benesse mencionada.
O magistrado sentenciante julgou extinto o feito sem exame do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC, por reputar que a parte autora trouxe aos autos novos documentos, diversos dos apresentados na esfera administrativa, os quais necessariamente deveriam ser submetidos à apreciação prévia do INSS, mediante apresentação de novo requerimento administrativo e, somente após, com o indeferimento administrativo, a postulante poderia socorrer-se do Poder Judiciário.
Ocorre que, embora a parte autora supostamente não tenha se desincumbido de apresentar, no âmbito administrativo, todos os documentos que lhe assegurariam o reconhecimento de período de labor rural e de atividade exercida em condições especiais, tal circunstância, por si só, não configura a ausência de interesse de agir, caso a respectiva juntada se der apenas nos autos de demanda eventualmente ajuizada.
Isso porque o requerimento administrativo de fato fora efetuado e ele contém, evidentemente, a sujeição de toda a matéria de fato à Autarquia Previdenciária, cuja abrangência consiste no pedido de exame de todos os períodos laborados para fins de obtenção do direito à aposentação.
Vale ressaltar, ainda, que é dever legal da Administração a orientação do cidadão na instrução de seu pedido administrativo, nos termos do § único, do art. 6º, da Lei nº 9.784/99, bem como orientar o segurado a apresentar os documentos e requerer o melhor benefício, conforme preconiza o art. 88, da Lei de Benefícios.
A conclusão de que o segurado teria que, ante a falta de documentação necessária, deduzir novo pedido junto ao INSS, não se coaduna ao princípio constitucional da eficiência, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, pois o cidadão buscou, efetivamente, concretizar seu requerimento na esfera administrativa. Assim, exigir-se da parte autora novo pedido junto ao INSS contrapõe-se à razoabilidade, considerando a situação de vulnerabilidade e carência de instrução de tais trabalhadores.
Desta feita, a anulação da sentença é medida que se impõe.
Considerando que o feito não se encontra em condições de imediato julgamento, de rigor seu retorno ao Juízo de origem para regular prosseguimento.
Ante o exposto, dou provimento ao apelo da parte autora para anular a r. sentença de Primeiro Grau e determinar o retorno do feito ao Juízo de origem para seu regular prosseguimento.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. COMPROVAÇÃO. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. SENTENÇA ANULADA.
- O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito, desde que haja lide a justificar a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade da intervenção judicial).
-Sedimentou-se o entendimento no sentido da exigência do prévio requerimento na via administrativa como requisito para o ajuizamento de ação relativa à matéria previdenciária, para que fique caracterizado o interesse de agir, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise.
-A questão relativa à necessidade de requerimento administrativo para os processos judiciais envolvendo a concessão ou o restabelecimento de benefício previdenciário restou definida pelo C. STF, no julgamento do RE nº 631.240, com repercussão geral reconhecida, o qual estabeleceu, ainda, as regras de transição para as ações distribuídas até 03/09/20143. Ressalte-se que o requerimento administrativo deve ser apto ao que se pretende demonstrar e se dar, previamente, à postulação administrativa, a fim de atender o decidido no mencionado julgamento.
- O autor intentou pedido administrativo de concessão de aposentadoria especial em 18/12/2017, que foi indeferido pelo INSS em 13/07/2018. Ante a negativa autárquica, ajuizou a presente ação em 2019, requerendo a concessão da benesse mencionada.
- Embora a parte autora não tenha se desincumbido de apresentar, no âmbito administrativo, todos os documentos que lhe assegurariam a caracterização de período de labor rural e de atividade exercida em condições especiais, tal circunstância, por si só, não configura a ausência de interesse de agir, caso a respectiva juntada se der apenas nos autos de demanda eventualmente ajuizada. Isso porque o requerimento administrativo de fato fora efetuado e ele contém, evidentemente, a sujeição de toda a matéria de fato à Autarquia Previdenciária, suja abrangência consiste no pedido de exame de todos os períodos laborados para fins de obtenção do direito à aposentação.
- É dever legal da Administração a orientação do cidadão na instrução de seu pedido administrativo, nos termos do § único, do art. 6º, da Lei nº 9.784/99, bem como orientar o segurado a apresentar os documentos e requerer o melhor benefício, conforme preconiza o art. 88, da Lei de Benefícios.
- A conclusão de que o segurado teria que, ante a falta de documentação necessária, deduzir novo pedido junto ao INSS, não se coaduna ao princípio constitucional da eficiência, previsto no art. 37 da Constituição Federal, pois o cidadão buscou, efetivamente, concretizar seu requerimento na esfera administrativa. Assim, exigir-se da parte autora novo pedido junto ao INSS contrapõe-se à razoabilidade, considerando a situação de vulnerabilidade e carência de instrução de tais trabalhadores.
-Comprovado o prévio requerimento administrativo, resta configurado o interesse de agir da parte autora.
– Apelo provido. Sentença anulada.
